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América Latina olha com expectativa o México, de López Obrador a Claudia Sheinbaum

O jornalista Sergio Ferrari entrevista Sara Méndez, defensora dos direitos humanos e fundadora da organização CODIGO DH

Sara Méndez (Foto: CADTM)

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Por Sergio Ferrari - Pouco mais de dois meses antes da posse da nova presidente do México, Claudia Sheinbaum, os olhos da sociedade civil do país estão voltados para os desafios e prioridades futuras. Ao olhar para esse horizonte, no entanto, parece essencial fazer um balanço do último sexênio, uma tarefa complexa assumida por Sara Méndez, defensora dos direitos humanos e fundadora da organização CODIGO DH.CODIGO DH (Comitê para a Defesa Integral dos Direitos Humanos Gobixha) trabalha em favor da defesa integral dos direitos humanos no Estado de Oaxaca: no âmbito jurídico, médico e psicológico das vítimas e de sobreviventes de violações de seus direitos essenciais. Gobixha, na língua zapoteca, significa Sol. (https://codigodh.org/).

"Um mandato de seis anos do governo de Andrés Manuel López Obrador (AMLO), que promoveu uma forte ação social, está chegando ao fim, embora seu governo tenha tido altos e baixos, incluindo uma relação tensa com a sociedade civil mexicana", diz Sara Méndez nessa entrevista exclusiva durante sua recente visita à Suíça. E conclui: "Estamos muito ansiosos para que a nova etapa de Claudia Sheinbaum nos permita ampliar as conquistas sociais e avançar com os aspectos pendentes herdados do governo de López Obrador".

A reflexão de Méndez é alimentada por sua prática político-social de inserção nos territórios e entre os setores mais excluídos do Estado de Oaxaca, no sudeste do país. Sua organização, além do trabalho de direitos humanos, atua para o fortalecimento da comunidade e com iniciativas de lobby e conscientização em favor de políticas públicas e o cumprimento e a promoção da legislação de direitos humanos, integrando várias redes e plataformas nacionais. O espectro é amplo, aponta Méndez, ao listar os eixos do trabalho do CODIGO DH: atenção às vítimas de tortura, prevenção da violência de gênero, apoio aos povos indígenas, bem como um olhar crítico sobre a sempre complexa relação entre empresas e direitos humanos.

O ponto de partida

O triunfo de Sheinbaum nas urnas, em 2 de junho, com 59% dos votos, é resultado de uma série de fatores, vários dos quais se originam no mandato de seis anos que está prestes a terminar. Elemento essencial: a economia mexicana foi fortalecida, como afirma Sara Méndez, que, em nome de um setor da sociedade civil de seu país, participou como "testemunha" na quarta Revisão Periódica Universal, um mecanismo de monitoramento dos Direitos Humanos, que acaba de ser realizada no início de julho no Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, Suíça. (https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/AboutUs/CivilSociety/Chapter_7_sp.pdf).

Com base em alguns dados ilustrativos e a título de exemplo, a ativista social faz um balanço do atual governo. "Hoje, o país tem uma moeda forte. Nos últimos anos, conseguiu-se uma clara recuperação do salário mínimo, que passou de 4 dólares por dia para quase 13. Isso significa um passo importante, embora ainda insuficiente, na recuperação do poder de compra e constitui um bom sinal, se considerarmos também a preocupação oficial de tematizar e melhorar o respeito aos direitos trabalhistas, quase completamente esquecidos nos governos neoliberais anteriores a López Obrador".

Os programas sociais, acrescenta, permitiram que, segundo dados oficiais, cerca de 5 milhões de pessoas tenham conseguido sair da situação de pobreza em que viviam quando López Obrador assumiu o cargo. Três foram os principais: o que beneficia os jovens (Juventude Construindo o Futuro), que promove oportunidades de trabalho; bolsas escolares para meninas e meninos de setores prioritários de acordo com os níveis de marginalização definidos pelo Ministério da Educação Pública e apoio a idosos a partir dos 65 anos.

É impressionante, ressalta Méndez, que, apesar desse crescente investimento social, a dívida não aumentou e continua estável. Essa situação macro anda de mãos dadas com os esforços do governo para priorizar o empreendedorismo nacional e o fortalecimento de empresas como a PEMEX, que recuperou sua capacidade de refino de petróleo em quase 34%, e a Comissão Federal de Eletricidade, que garantiu preços estáveis e ainda mais baixos de eletricidade e gás para uso doméstico, com o correspondente impacto positivo na qualidade de vida das pessoas. Ambas as entidades foram praticamente desmanteladas nas administrações anteriores a López Obrador.

A coordenadora do CODIGO DH fecha esse rápido balanço com dois aspectos que lhe parecem centrais. O esforço por uma nova política de comunicação promovida pelo próprio presidente López Obrador, com seu programa diário de diálogo com a imprensa e transmitido abertamente, bem como seu resumo transmitido à noite. Paradoxalmente, setores da oposição criticam esse espaço por considerá-lo um mecanismo de controle da opinião pública –e não um exercício de transparência–, em um país em que algumas empresas de mídia, como a Televisa, exercem um controle quase monopolista da imprensa.

Por outro lado, "a maior participação das mulheres, que representam 52% da população, de maneira geral, e em particular na vida política, constitui um elemento muito positivo, embora possa ser melhorado". Após sua declaração, Méndez empunha dados que a sustentam, como a paridade de gênero, resultado de recentes mudanças legislativas na Câmara dos Deputados e no Senado, embora reconheça que essa relação está enfraquecida no nível de base, em instâncias regionais e municipais. "Neste século, que chamamos de 'o século das mulheres', começamos bem no México e esperamos que continue melhorando", diz a coordenadora da área de fortalecimento do CODIGO DH.

Desafios pendentes essenciais

No entanto, para Méndez "nem tudo foi tranquilo e positivo. Houve divergências. Houve ataques do governo a organizações da sociedade civil." Uma sociedade civil onde, como ela mesma reconhece, coexistem setores de direita e esquerda, de incidência territorial e do grande empresariado. E esse será um dos principais desafios da nova presidenta, que também será confrontada para dar respostas e resolver pendências do governo de seu antecessor e "pai político".

Méndez destaca que faltaram resultados na luta contra a impunidade, bem como respostas às demandas de importantes organizações sociais críticas à militarização; casos emblemáticos de violência como o dos 43 estudantes desaparecidos de Ayotzinapa não foram resolvidos; o assassinato de inúmeros trabalhadores da imprensa não parou, assim como os constantes feminicídios que acontecem no México há anos. O acesso à justiça e ao próprio sistema judicial continua a ser uma questão pendente muito importante. E quanto à política de informação do governo, embora as reuniões matinais sejam um exercício positivo, há aspectos desse programa que devem ser revistos para evitar aumentar o tom de confronto no país. E reflete: "é importante que o Estado combata as fake news, fortalecer o esforço informacional-pedagógico, mas sem exagerar nesse exercício, o que leva a antagonismos prejudiciais para a nação como um todo".

O ponto de partida, segundo Méndez, "é positivo e Claudia representa uma nova geração de mulheres". E elenca uma rica biografia: "Ele vem de uma longa militância estudantil e social; não está vinculada a forças políticas tradicionais; tem uma sólida formação científica e foi funcionária das Nações Unidas e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês); tem ampla experiência executiva, entre outras, à frente do Governo da Cidade do México".

Embora nesse governo, lembra Méndez, a presidenta eleita tenha tido algumas divergências com setores do movimento de mulheres, ela atualmente se define como uma "feminista social" (um conceito um tanto vago segundo Sara Méndez) e em seus últimos discursos deu sinais de abertura real para esse movimento. A fundadora do CODIGO DH especifica: "Ela tem a grande responsabilidade de ser a primeira mulher presidente da história do México. Os recursos estão à vista de todos. Agora, deverá expressar em sua nova prática política como presidenta que está disposta a dar um passo à frente na promoção do papel e da paridade de gênero." Tudo isso, esclarece, em um país machista onde existem forças de poder importantes que "não vão se sentir confortáveis com o fato de uma mulher estar no comando".

Em resumo, a defensora de direitos humanos de Oaxaca acredita que os desafios para Sheinbaum são enormes: manter e aprofundar os avanços sociais e a estabilidade econômica; resolver questões pendentes essenciais, como a reforma da justiça e a luta contra a corrupção, o nepotismo, o crime organizado (todos fenômenos profundamente enraizados na vida nacional), bem como as migrações. Melhorar questões essenciais como as tensões e desacordos de seu antecessor com a sociedade civil, priorizando os setores populares e os movimentos sociais e dando um lugar privilegiado, agora, também às mulheres.

Como essa sociedade civil que acompanha e apoia, mas também espera passos firmes para alcançar as tarefas pendentes, vai se posicionar diante da nova etapa? Méndez não hesita e afirma enfaticamente: "Continuaremos sendo críticos, apontaremos o que precisa ser melhorado e não ficaremos calados diante dos ataques aos territórios indígenas com megaprojetos sobre os quais não foram consultados, como é o caso do Corredor Interoceânico entre Oaxaca e Veracruz. Mas também saudaremos as medidas positivas. Estamos animados com o fato de que Claudia tenha avançado em uma agenda própria com questões desafiadoras e esperamos que ela a respeite: melhorar a educação e a saúde pública, salários justos, emprego e moradia decentes, priorizar a cultura e promover um ambiente saudável."

Um roteiro e expectativas sociais muito amplas e exigentes para os próximos seis anos. E uma imensa responsabilidade tácita, como reconhece Sara Méndez, em um continente atravessado por novas aventuras da extrema-direita que se propõem a desmantelar o Estado e ignorar princípios sociais elementares. O sucesso do novo presidente seria um impulso para todas as mulheres progressistas e movimentos sociais latino-americanos. Seu fracasso, ao contrário, pode significar um retrocesso significativo e um golpe muito forte para aqueles que apostam na validade do Estado social na América Latina.

Tradução: Rose Lima

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