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    MST mantém parceria histórica com Venezuela independente de crise entre Lula e Maduro, diz Stédile

    Para João Pedro Stédile, o Itamaraty não respeita a vontade popular ao adotar postura controversa em relação às eleições na Venezuela

    Stédile, Maduro e Palácio do Itamaraty (Foto: Lula Marques/Agência Brasil | REUTERS/Manaure Quintero | Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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    Sputnik - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) lança nova parceria com a Venezuela, independente da crise entre os governos Lula e Maduro. Para o dirigente do movimento, João Pedro Stédile, Itamaraty não respeita a vontade popular ao adotar postura controversa em relação às eleições na Venezuela.

    Apesar da atual crise diplomática entre os governos Lula e Maduro, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) firma nova parceria com a Venezuela. De acordo com o dirigente do MST, João Pedro Stédile, “nossa aliança com a Venezuela é histórica e permanente, independe de períodos eleitorais ou governos de plantão”.

    Em cerimônia que contou com a presença do líder venezuelano Nicolás Maduro, o MST inaugurou um projeto para a produção de alimentos em terreno de mais de 10 mil hectares no estado de Bolívar, reportou o movimento social.

    "O MST tem uma experiência maravilhosa. Respeitam a terra, produzem na terra, praticam a solidariedade, os valores humanos. Bem-vindo, MST!", disse o presidente da Venezuela ao anunciar a parceria durante o programa "Com Maduro".

    De acordo com o membro da coordenação nacional do MST, João Pedro Stédile, o projeto no estado de Bolívar é mais um capítulo de uma longa parceria com a Venezuela, que remonta ao governo Hugo Chaves.

    "A nossa pauta nos acordos foi de ajudar a Venezuela a organizar uma escola de agroecologia chamada IALA [Instituto Agroecológico Latino-Americano] e desenvolver a produção de sementes de hortaliças antes compradas no exterior, inclusive de Israel", disse Sédile à Sputnik Brasil. "Do lado venezuelano, eles sempre nos ajudaram com vagas de estudantes de medicina na ELAM [Escola Latino-Americana de Medicina]. E nós sempre oferecemos vagas em nossas escolas políticas e técnicas do Brasil."

    O dirigente do MST ainda nota a convergência política entre as partes, identificando uma "identidade ideológica com o governo chavista, por sua postura anti-imperialista e de construção de um projeto de libertação nacional".

    A crise instalada após o processo eleitoral venezuelano entre os governos Lula e Maduro não deve impedir a execução dos projetos do MST, asseverou Stédile. O Brasil ainda não reconheceu a vitória de Maduro nas últimas eleições presidenciais, por solicitar acesso a todas as atas eleitorais do país, ao invés de acatar a decisão do seu Tribunal Superior Eleitoral.

    Segundo Stédile, a atual postura do Itamaraty "não cumpre com a nossa Constituição, segundo a qual o governo brasileiro deve sempre respeitar a autodeterminação dos povos e a soberania dos outros governos".

    "Temos uma visão crítica do Itamaraty, que historicamente se comporta pautado pelos interesses medíocres de seus diplomatas, sem respeitar a vontade política do povo brasileiro", declarou Stédile. "A postura adotada esteve muito mais interessada em agradar a europeus e americanos [...] como se o povo brasileiro tivesse elegido o Lula por nada."

    Apesar da proximidade do MST com o presidente Lula, Stédile não antecipa que o movimento atue como mediador entre os países vizinhos. De acordo com Stédile, "não cabe ao MST ser ponte para nada. Temos autonomia em relação aos governos, aos partidos e aos Estados. E achamos que a história vai nos ajudar a que as relações voltem à amizade natural. Ela já existe e está mantida entre os povos, suas organizações e partidos. Só faltam os dois governos".

    Itamaraty não é consenso

    O descompasso entre a atual política externa e a posição de movimentos sociais de esquerda, como o MST, demonstram que a posição do Itamaraty em relação à eleição de Nicolás Maduro não é consensual. Para a professora e doutoranda em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) Júlia Almeida da Silva, o Brasil interfere em assuntos internos da Venezuela ao não reconhecer a decisão do Tribunal Superior Eleitoral do país.

    "Essa é uma mudança muito significativa do governo Lula, que constrói uma perspectiva de questionar processos internos, coisa que a diplomacia brasileira não tem histórico de fazer", disse Silva à Sputnik Brasil. "A partir do momento em que a Justiça venezuelana referenda a posição de Maduro, e Lula ainda assim a questiona, solicitando a divulgação das atas, ele está interferindo e questionando um processo interno."

    Segundo ela, a insistência na publicação das atas não só tem afastado o Brasil de seus parceiros regionais de mediação, como Colômbia e México, mas também "valida, de forma não razoável, posições como a de Argentina e EUA nesse processo".

    Silva nota que o governo Lula sofre pressão por parte da extrema direita, que associa a Venezuela a todos os supostos males das ideologias de esquerda. Em resposta, o Itamaraty de Lula tem antagonizado não só Caracas, mas também outros governos de esquerda taxados de autoritários, como a Nicarágua.

    "O governo brasileiro tenta dizer que não referenda nenhum tipo de autoritarismo, [...] tentando se contrapor às ameaças democráticas que a extrema direita tem representado ao mundo", considerou Silva. "De certa maneira, [o governo brasileiro] reproduz o antagonismo que o Partido Democrata dos EUA tem feito entre democracia e autoritarismo."

    Este novo paradigma, no entanto, tem gerado crises diplomáticas e modificado a postura historicamente universalista da política externa brasileira. Ao seguir este caminho, o Brasil "tem aberto mão de alianças importantes e do combate ao imperialismo".

    Em contraste, o governo brasileiro tem reduzido o tom de suas críticas a Israel, e pouco teve a dizer sobre a recusa do presidente francês Emmanuel Macron em reconhecer o resultado das eleições no seu próprio país. Para Silva, testemunhamos "um realinhamento brasileiro com as grandes potências capitalistas".

    "Nesse sentido, acho que a diplomacia brasileira tem menos altivez e autonomia do que já teve em períodos passados nessa capacidade de construção de um bloco que realmente consiga se opor ao imperialismo norte-americano", concluiu a especialista.

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