13 de maio. A luta faz a lei!
"Infelizmente, não foi desenvolvida nenhuma política federal para qualificar e apoiar os ex-escravos", escreve Cândido Vaccarezza
Dos 524 meses de maio, desde o descobrimento, o 13 de maio de 1888 é o maismarcante para a história do Brasil, é o mais importante, pois, pela primeira vez, foi estabelecida em lei a libertação de todos os escravizados do país e a definição legal que no Brasil não existia, a partir desta data, a desgraça da escravidão. Para uma população de 9.930.478 habitantes, medida pelo censo de 1872, foram libertadas no dia 13 de maio 723.419 pessoas escravizadas. É certo que o Brasil foi o último na América do Sul, que não foram tomadas medidas para proteger e incorporar à sociedade os ex-escravos, que o pavoroso racismo existe até hoje, porém, a definição na Lei 3.353, de 13 de maio de 1888 assim expressa:
A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. PedroII, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembleia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:
Art. 1°: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil.
Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.
Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.
O secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Publicas e interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1888, 67º da Independência e do Império.
O Treze de Maio talvez seja a medida institucional que promoveu o maior impactoeconômico, político, social e cultural na história do Brasil, depois da vinda da família real e da independência.
De forma pleonástica, às vezes, ouvimos alguns dizer que depois da abolição daescravatura a situação dos ex-escravos ficou pior, porque não tinha empregos ou porque muitos morreram de fome, muitos tiveram de voltar a trabalhar nas mesmas fazendas ou casas de antes. Na verdade, quase todos tinham suas vidas ceifadas, antes, pela fome, pelo excesso de trabalho forçado e pela desmoralização da falta de liberdade. Em seu livro, “O Abolicionismo”, Joaquim Nabuco define de forma simples a condição da escravidão: “Como se há de definir juridicamente o que o senhor pode sobre o seu escravo, ou o que este não pode, contra o senhor? Em regra o senhor pode tudo. Se quiser ter o escravo fechado perpetuamente dentro de casa, pode fazê-lo; se quiser privá-lo de formar família, pode fazê-lo; se,tendo ele mulher e filhos, quiser que eles não se vejam e não se falem, se quiser mandar que o filho açoite a mãe, apropriar-se da filha para fins imorais, pode fazê-lo. Imaginem que todas as mais extraordinárias perseguições que um homem pode exercer contra outro, sem o matar, sem separá-lo por venda de sua mulher e filhos menores de quinze anos - e ter-se-á o que legalmente é a escravidão entre nós”. Joaquim Nabuco se referia ao que estava definido em Lei em 1871, há relatos de mulheres escravizadas, recém paridas, terem seus bebês, crias como eles tratavam à época, retirados, vendidos ou doados, para mãe servir de escrava de aluguel como ama de leite e inúmeros relatos documentados de todo tipo de sevícia contra escravizados, que chegaram aos nosso dias e que destacam a importância que teve a Lei Áurea.
O Brasil e, em particular, o Rio de Janeiro, viveram um mês de comemoraçõesnunca vistas no país; a Princesa Isabel descreve a euforia do povo em carta a D. Pedro II, que se encontrava na Europa e todos os jornais da época retratam as manifestações populares. Entre o povo, os folguedos e a sensação que o Brasil havia mudado é indescritível; internacionalmente a imagem do Brasil, com o trabalho determinado do Barão do Rio Branco, mudou para melhor; mas… nem tudo eram flores! Uma conjunção de fatores anunciava, por bem ou por mal, o fim da monarquia. Entre os escravocratas, a maior parte dos fazendeiros e se podemos chamar assim, empresários da época, que deram sustentação política para o império desde a independência, mudaram o sinal. A crise do império que se agravava com a doença e as ausências de D. Pedro II, a possibilidade de a princesa Isabel assumir o trono tendo um marido odiado pelo exército e frequentemente denunciado por negócios avarentos; a posição republicana, histórica, de muitos abolicionistas, alguns então mortos como Castro Alves e Luiz Gama, outros na ativa como Rui Barbosa, José do Patrocínio, Joaquim Nabuco e discussão cada vez mais aguda da República entre todos os segmentos influentes da sociedade brasileira, criava-se um quase um consenso: teremos a República substituindo o Segundo Império. A Princesa Isabel, a “Redemptora” assim titulada por José do Patrocínio, não seria imperatriz. O baile da Ilha fiscal foi somente um estopim; nas coxias, personalidades como Deodoro (mais moderado preferia esperar o falecimento de D. Pedro), Quintino Bocaiúva, Benjamin Constant, Rui Barbosa, entre outros, aceleravam a queda do gabinete do Visconde de Ouro Preto, que rapidamente caminhou para a proclamação provisória da República e para o exílio da família real. Bem, mas este é assunto para outro artigo, voltemos ao treze de maio.
Os debates que antecederam ao treze de maio, e mesmo posteriormente, foram muito intensos, escravocratas reclamando da perda de valor das suas fazendas e querendo compensações pela perda do que eles consideravam propriedades, seus escravos. Desde a assunção de D. Pedro I a familia real trabalhava contra a escravidão, sem correlação de forças na sociedade para avançar; muitos fazendeiros libertaram escravos; o Barão de Mauá, como grande empresário, se posicionava contra a escravidão; o Estado do Ceará em resposta à luta abolicionista decretou o fim da escravidão em 1884; os movimentos culturais movidos por intelectuais da época e as ações tanto compra de alforrias, para obrigar os escravocratas a respeitarem as leis que mitigam aescravidão, como a libertação e apoio a quilombos, faziam parte da agenda brasileira de então. O Conde D'Eu, quando assumiu o comando das forças armadas brasileiras no Paraguai, proclamou o fim da escravidão naquele país. Todos estes acontecimentos, somados à luta renhida promovida pelos escravizados, com constituições de quilombos em várias partes do país, como em Palmares, com o ícone Zumbi, as revoltas de escravizados, como a revolta dos Malês, e diversos tipos de lutas e resistências que marcaram o Brasil desde o inicio da colonização, e, mesmo os avanços tecnológicos, pressionavam para por fim à escravidão no país. O mundo quase todo, à exceção de países na África, já tinham abolido o sistema escravista. Aqui esta instituição milenar, aprimorada pelos ibéricos, ia se moldando como parte de um modelo, miserável e atrasado de produção. José Bonifácio de Andrada escreveu em 1823 um longo discurso: “Generosos cidadãos do Brasil, que amais a vossa Pátria, sabeis que sem a abolição total do infame tráfico da escravatura africana, e sem a emancipação sucessiva dos atuais cativos, nunca o Brasil firmará a sua independência nacional, e segurará e defenderá a sua liberal Constituição; nunca aperfeiçoará as raças existentes, e nunca formará, como imperiosamente o deve, um exército brioso, e uma marinha florescente. Sem liberdade individual não pode haver civilização nem sólida riqueza; não pode haver moralidade, e justiça, e sem estas filhas do Céu, não há nem pode haver brio, força e poder entre as nações”.
A resultante das lutas e escaramuças, em todos os níveis, entre forças sociais que compreendiam mobilização dos escravizados, organizando fugas e refugiando-se em quilombos, mobilização dos grupos abolicionistas que davam apoio aos escravos que fugiam, mobilização e produção de intelectuais, até a princesa Isabel chegou a esconder escravos fugidos, tudo isto ainda sucubia numa vergonhosa convivência com a escravidão até pouco tempo.
Digo pouco tempo porque me lembro da minha bisavó materna. Dona Maria faleceu aos 103 anos, na decada de 70 do século passado, ela me contava a história de uma negra, Paula, que jovem e escravizada, certamente de forma ilegal, pois vigia a chamada Lei do Ventre Livre, fora vendida para o Rio de Janeiro no começo do ano de 1888, saiu da região onde ficava a Fazenda Santa Rosa, do pai da minha bisavó, aos prantos. No meio do caminho, já nas terras das Minas Gerais, veio a libertação dos escravos e, pouco tempo depois, Paula chegou em Uauá, cidade do interior da Bahia. Segundo a minha bisavó, foi uma grande festa feita pelos amigos da ex-escravas. Porém, infelizmente, não foi desenvolvida nenhuma política federal para qualificar e apoiar os ex-escravos, eles foram jogados à própria sorte e passaram a fazer parte da maioria à margem do desenvolvimento do Brasil que até hoje padece na miséria, com um agravante para os negros que são injustamente penalizados pelo racismo que teima em persistir como uma desgraça na nossa sociedade. Por tudo isto é que não podemos minimizar a importância do 13 de maio. Esta é uma data que merecia ser um feriado nacional.
No dia 13 de maio de 1889, as festas e comemorações continuaram de forma estridente no Rio e no Brasil, de certa forma, eram atividades pensadas para fortalecer a Princesa Isabel. O Marechal Deodoro da Fonseca em 1890 decretou o dia 13 de maio como feriado consagrado à comemoração da fraternidade dos brasileiros. Com a revolução de 1930, Getúlio Vargas, para destacar 1º de maio como a principal comemoração dos trabalhadores, revogou o dia 13 de maio da lista dos feriados nacionais.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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