A atração era Barbie, o filme, mas o show estava na plateia
"O que a sessão da Barbie me deixou, foi com a sensação de que ali estava um exército de meninas conscientes, fortes e dispostas a lutar ", escreve
Fui ver Barbie, o filme. Sim, repito: fui ver Barbie, e numa sessão da tarde, com uma plateia repleta de meninas na faixa de 10 a 17 anos, de trajes rosa, ou adereços no tom do tema. Nem que fosse uma bolsa, um laço, um sapato. Pensei: deu ruim. Vai ser um tal de tagarelar, comer pipoca de maneira ruidosa e acender os celulares na minha cara – nada mais irritante no cinema. E muitos adultos o fazem. Mesmo em filmes de arte.
O enredo todos já sabem. Uma boneca Barbie se pega tendo defeitos imperdoáveis, tais como celulite e pés sem a curva do salto alto, chapados no chão, aquele mesmo que a Barbie nunca pisou, pois sempre esteve metida num scarpin. Na luta por voltar ao padrão, ela descobre que ser de carne e osso era tudo o que buscava. Ainda que com a problemática feminina na cartela. O que não é pouco.
No escurinho do cinema, eu era uma das poucas que podia dizer que vi pela TV as cenas da Betty Friedan a queimar sutiãs pelas ruas de Nova Iorque, li “O Relatório Hite” - profunda pesquisa sobre a sexualidade feminina lançada em 1976 –, vi a chegada da pílula e enfrentei em conflitos com os pais na hora de sair de casa e me fazer independente. As mulheres adultas no cinema estavam acompanhadas (de suas filhas? Sobrinhas? Netas?) pré-adolescentes. Assim, com o sentimento de uma “dinossaura” na Disneylândia, tinha um olho na tela outro na plateia.
Grata surpresa! Elas entenderam tudo!
Foi com um sentimento difuso entre emoção (ou seria de satisfação, por ver nosso esforço recompensado?) que eu as vi vibrando no momento certo, pela “virada da Barbie”. Aplaudiram os discursos potentes da “boneca”, para convencer as demais a aderirem à mudança, e as vi rindo da fragilidade do Ken, dividido entre ser o macho Alfa e encarar a humanização com a mesma coragem e vontade de Barbie.
E, pasmem, como é típico nesta fase – a adolescência -, quando a luz da tela batia mais forte, pude perceber vários rostinhos banhados em lágrimas nas falas mais enfáticas a favor dos direitos femininos. (Vamos respeitar! Elas estão amadurecendo).
No final, não foram poucas as mães que tiveram de esperar as suas meninas se recomporem para sair, pois haviam se emocionado, de fato.
Naquele universo, entre o rosa bebê e o pink, fiquei me lembrando dos dados do relatório do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na véspera, que atestou o crescimento de todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes, em 2022 (ano ainda sob a batuta do inominável).
Cresceram o número de casos de abandono, maus tratos, lesão corporal e de crimes sexuais, apontava o estudo, que demonstrou também que os registros de crimes contra crianças e adolescentes já superam os números de antes da pandemia de Covid-19. Ao todo são mais de 102 mil menores de idade vítimas de violência no país e os especialistas destacaram que os números oficiais estão longe de representar o total, já que há grande subnotificação desse tipo de crime.
Fiquei pensando quantas já encontraram ou encontrariam o seu “predador” dentro de casa, entre os familiares, os maiores perpetradores desse tipo de crime? Vocês reagirão: elas não. São de classe média (garotas de família!). Pois eu lhes respondo que se existe algo perversamente “democrático” no país, é o estupro. Estão aí, nas páginas, as ex-mulheres de embaixador, de políticos com nomes de destaque do Congresso e muitas endinheiradas, que a gente nem imagina, passam por isso, pois preferem se calar, a denunciar e se verem enredadas em um escândalo.
Segundo o anuário, o estupro é o tipo de crime com o maior número de registros contra menores de 18 anos no Brasil e teve um aumento de 15,3% no ano anterior - passando de 45.076, em 2021, para 51.971. Atinge a todas as camadas sociais. Das classes mais altas, como já citado, às garotas de periferia, obrigadas a dormirem em casa de cômodos exíguos, às vezes até sem divisão de quartos.
O que a sessão da Barbie me deixou, foi com a sensação de que ali estava um exército de meninas conscientes, fortes e dispostas a lutar pela liberdade de escolha e por seus destinos. Há esperança!
Quanto ao filme, mostra uma Margot Robbie perfeita para o papel, e tem seu ponto alto no balé dos homens fragilizados, em que o ator Ryan Goslin dá um show de graça e talento. Gostei do que vi na tela – apesar de altamente previsível – e na plateia. Valeu o ingresso.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: