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    Elisabeth Lopes

    Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

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    A bela cidade e a fera corruptiva

    As suspeitas de corrupção na administração municipal geram desconfortos, tanto na sociedade política, como na sociedade civil, diz Elisabeth Lopes

    Praia da Guarita, Torres (RS) (Foto: Prefeitura de Torres)

    Numa bela cidade situada ao extremo norte do litoral atlântico do Rio Grande do Sul, farta em bens naturais, como a lendária Lagoa do Violão, a exuberante Praia da Guarita, a Praia dos Molhes, o majestoso Rio Mampituba, o Morro do Farol de onde se avista os encantos do mar adornado por uma vultosa vegetação, a enigmática Ilha dos Lobos, entre tantas e ternas graças que inundam os olhos de quem tem o privilégio de conhecê-la, apareceu, há cerca de duas semanas, uma fera muito conhecida no país por seus tentáculos corruptivos.

    Nem a bela Torres, que descrevi ligeiramente acima, cujo povo se diferencia pelo bom acolhimento de quem a visita, em que os pedestres podem andar pelas faixas de segurança com tranquilidade sem sobressaltos, pois os condutores de veículos seguem as regras de trânsito, ficou imune a graves suspeitas de corrupção por parte da atual administração municipal.

    Num país com dimensões continentais, como o Brasil tem sido recorrente conviver com atribulações de várias naturezas, como violências policiais inaceitáveis nas grandes cidades, ameaças graves à democracia, retrocessos inimagináveis como a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição, a PEC do estupro e fim do aborto legal pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal, como o processo de cassação injusta de um deputado federal, Glauber Braga, entre outras aberrações.

    Quando o copo já está transbordando em más notícias, o povo gaúcho é surpreendido por manchetes veiculadas no dia 04/12/24 com relatos de desvio de verbas públicas na prefeitura de Torres, anunciadas pela mídia local e fora do Estado em que o prefeito de Torres, Carlos Souza (PP) e a secretária Municipal de Saúde, Suzana Machado, foram alvos da Operação Quia Prius da Polícia Federal por suspeita de desvio de recursos públicos e irregularidades em licitações que deveriam ser empregados na área da Saúde.

    O problema da corrupção nos municípios de acordo com José Costa Miranda Júnior “decorre de atos irregulares de gestão que vão de encontro aos princípios da boa aplicação de recursos públicos – atos que visam o desvio desses recursos, beneficiando o próprio prefeito ou mesmo alguém do seu grupo” (A corrupção nos municípios brasileiros: uma análise a partir dos relatórios de fiscalização produzidos pela Controladoria-Geral da União, p. 63).

    Segundo informações pesquisadas no site gov.br: “A investigação começou com indícios de supostas irregularidades que foram constatadas durante a adesão, pela Prefeitura de Torres, a uma Ata de Registro de Preços de outra prefeitura, a qual teria resultado na contratação, por ambas os municípios, de uma mesma empresa relacionada a serviços médicos. As irregularidades, que teriam se iniciado na contratação, passariam, ainda, pelo sobrepreço dos serviços contratados, fragilidades na fiscalização e nas prorrogações igualmente eivadas de vícios” (Disponível em: https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2024/12/pf-deflagra-operacao-contra-crimes-licitatorios-na-prefeitura-de-torres).

    Outras preocupações, além dos últimos acontecimentos que movimentaram a cidade irritaram a vida dos moradores naturais de Torres ou dos que a elegeram para morar ou veranear por ser uma cidade litorânea incomum, que atrai turistas do país e do estrangeiro. Torres possui expressiva parte da sociedade civil ativa em defesa do ambiente, por meio de organizações, entidades associativas e políticos progressistas, tendo em vista a especulação imobiliária que avança, não raro, a despeito da ideal preservação dos bens naturais. Recentemente, o município preencheu espaços da mídia na luta empreendida contra futuros danos paisagísticos e ecológicos em protesto a uma futura obra da construção civil, o empreendimento imobiliário Guarita Park Home Resort projetado em duas torres de 44 metros de altura e 14 pavimentos em ruas próximas ao Parque Estadual da Guarita José Lutzenberger. Na ocasião, 350 pessoas, de mãos dadas, deram um abraço simbólico na praia da Guarita movidos pela luta socioambiental.

    Nesse sentido, há questões importantes a serem pensadas sempre que os municípios pretenderem realizar mudanças em seus Planos Diretores (PD). As alterações devem ser exaustivamente debatidas e analisadas pela sociedade para não resultar em riscos irreparáveis à qualidade ambiental e de vida da população.

    A respeito dessa polêmica que movimentou o município de Torres, o vereador Moisés Trisch (PT), que tem realizado um trabalho reconhecido pela população torrense por sua atuação dedicada em defesa do bem estar do povo, em pronunciamento numa das sessões da Câmara Municipal advertiu: “nesse projeto (Guarita Park Home Resort), em específico, foi viabilizado por conta de emendas ao Plano Diretor e a gente se preocupa com a segurança jurídica dos projetos aqui em Torres, a gente sabe que o investidor precisa dessa segurança, é muito complicado quando um projeto dessa envergadura teve como base emendas que não passaram pelos debates públicos, não passaram pelo estudo de impacto e não passaram pelas audiências públicas. Eu sempre imaginei que as emendas poderiam ser mais restritivas, jamais, mais permissivas, porque ao serem mais permissivas elas demandariam esses trabalhos prévios, como debates públicos como audiências públicas, estudos de impacto que não existiram quando a gente votou as emendas nessa casa e isso dá margem a insegurança jurídica que é tão ruim e prejudicial para um setor que investe pesado” (pronunciamento integral disponível no Instagram, aplicativo utilizado pelo vereador para comunicações – (mmoisestrisch).

    Torres tem muitas deficiências em áreas básicas, como na educação, com índices precários em qualidade de ensino, se comparados com outros municípios de menor porte, cuja arrecadação de impostos é bem inferior a de Torres. Na saúde, além das recentes suspeitas que suscitaram as investigações da Polícia Federal, as recorrentes licitações para prestação de serviços terceirizados precarizam a continuidade e a eficiência esperada no cuidado preventivo e na promoção da saúde dos usuários do SUS.

    No espaço urbano há uma concentração de investimentos vultosos na estética central da cidade e nos bairros ocupados pelas classes mais abastadas. Existe uma constante tensão entre o setor da construção civil que gera empregos e movimenta a economia, mas que especula além de um horizonte de desenvolvimento qualitativo do município, mote defendido pelas organizações civis que lutam pela preservação ambiental e por um crescimento equilibrado, que não afete a sustentabilidade urbana, como vem acontecendo em outros municípios litorâneos pelo acúmulo de edificações.

    Adicionadas a essas inconformidades, as suspeitas de corrupção na administração municipal geram desconfortos, tanto na sociedade política, como na sociedade civil. A indignação toma conta dos cidadãos, sobretudo, quando a percepção dos problemas no funcionamento dos serviços da cidade é visível. O caso de Torres está sob investigação, as diligenciais estão sendo rigorosamente realizadas de acordo com a lei e a devida justiça, restando ao povo aguardar e ao prefeito e sua equipe apresentarem suas defesas.

    Num país em que todos os dias nos deparamos com o mau uso do dinheiro público, é imprescindível a absoluta transparência nas transações municipais, estaduais e da União. No dia 10/12/24 foi anunciado mais um escândalo envolvendo fraude no uso dos recursos públicos. Foi preso um vereador da Bahia e 14 pessoas, pela Operação da Polícia Federal - Overclean por suspeita no desvio de R$ 1,4 bilhão no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), na Coordenadoria Estadual da Bahia (CESTBA). A investigação foi motivada por denúncias de lavagem de dinheiro de sócios de uma empresa que prestava serviços ao Dnocs. Foram constatadas graves irregularidades em licitações, com desvios de valores públicos.

    De norte ao sul deste imenso país, cabe aos cidadãos estarem atentos sobre o uso honesto dos recursos públicos. Como segmento mais próximo dos cidadãos é crucial que os representantes do povo nas câmaras municipais mantenham diálogos permanentes com a comunidade, ouvindo suas reivindicações, fiscalizando as ações do executivo, recebendo e verificando denúncias sobre o uso indevido das verbas públicas. Há vários canais disponíveis para as eventuais denúncias, que devem ser informados pelas próprias instituições públicas. O acesso a informações está previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal.

    Por fim, cito um trecho significativo presente na Cartilha “O combate à corrupção nas prefeituras do Brasil. Este estudo realizado em 2003 foi dedicado ao povo de Ribeirão Bonito, uma pequena cidade do interior do Estado de São Paulo, que conforme os autores enfrentou a praga da corrupção na administração municipal:

    “A corrupção é um dos grandes males que afetam o poder público, principalmente o municipal. E também pode ser apontada como uma das causas decisivas da pobreza das cidades e do país. A corrupção corrói a dignidade do cidadão, contamina os indivíduos, deteriora o convívio social, arruína os serviços públicos e compromete a vida das gerações atuais e futuras. O desvio de recursos públicos não só prejudica os serviços urbanos, como leva ao abandono obras indispensáveis às cidades e ao país” Disponível em: https://cfc.org.br/wp-content/uploads/2018/04/combcorrup.pdf).

    Cumpre salientar que o título deste artigo ao contrário do clássico conto de fadas francês La Belle et la Bête - A Bela e a Fera em que a Bela mocinha descobre que por traz da aparência da Fera, havia apenas um homem que precisava de amor para voltar a ser um belo príncipe, no caso da Bela cidade de Torres e da Fera Corruptiva que a intimida, se não for combatida, a sucumbirá.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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