A cartilha do PT e o evangelho segundo a política cirandeira
Não pronunciar o santo nome dos evangélicos em vão, é o novo mandamento do partido
Não bastasse o viés imperialista que o governo brasileiro incorporou em seu discurso para adotar cautela quanto às eleições na Venezuela, e, até mesmo, para sugerir novas eleições naquele país, nos deparamos agora com uma tal de cartilha criada pelo PT para orientar os filiados sobre como lidar com os evangélicos. O significativo segmento social que, sob a regência de muitos lobos em pele de pastores, planeja se tornar a casta mais nobre a ocupar o topo da pirâmide na sociedade brasileira. Como eu não serei regido pela tal cartilha, permitam-me escrever mais uma vez a respeito da teologia do domínio que vem sendo difundida no país, e que será ainda mais potencializada pela lista de bons modos estratégicos produzida pelo Partido dos Trabalhadores.
Segundo apuração do site Metrópoles, uma das recomendações da cartilha é não tratar evangélicos como fundamentalistas, como se quem segue a dogmas e doutrinas, tem um livro sagrado como norma de fé e regra, devendo total obediência a seus textos, pudesse ser classificado de outra forma. O que existe de diferente são evangélicos parcialmente fundamentalistas, como, por exemplo, aqueles que não querem impor sua religião sobre os outros, mas no fundo acreditam que os outros não são iguais a eles por não professarem a mesma fé religiosa. Ou seja, eu não quero lhe obrigar a aceitar a “salvação” que a minha fé oferece, mas sei que sua alma não irá para o céu junto com a minha, caso você não aceite o “meu deus”. Politicamente falando, eu não tenho nada contra quem é de esquerda, mas jamais votaria em alguém do segmento. Racialmente falando, eu não tenho nada contra pretos, mas prefiro evitar a convivência.
“Ainda que haja vários evangélicos conservadores ou moralistas, não convém unificá-los sob essa classificação, muito menos como fundamentalistas, pois, como já dizia o pastor Harry Emerson Fosdick, ‘todo fundamentalista é conservador, mas nem todo conservador é fundamentalista'”, afirma o texto da cartilha que o Metrópoles teria tido acesso. Aqui temos uma espécie de “sou conservador nos costumes, mas liberal na economia”, como se conservar padrões e supostos valores morais, éticos, religiosos, culturais, sociais e econômicos, não tivesse um viés fundamentalista de perpetuação das injustiças sociais, raciais e das tragédias pessoais daqueles que pertencem aos grupos historicamente oprimidos, cuja liberdade dessa opressão representa uma ameaça ao paraíso dos conservadores. Conservador e fundamentalista pertencem à mesma espécie. E a cartilha deveria orientar cautela no trato com eles.
Outra pérola da cartilha é a recomendação para não exagerar em falar o nome de Deus, pois não tomar o nome d’Ele em vão é um dos Dez Mandamentos conhecidos pelos cristãos. Nesse caso, podemos supor que apenas os evangélicos detêm os direitos autorais sobre o uso do nome do “Senhor”, uma vez que a orientação é destinada a não evangélicos filiados ao partido. Até porque, o que a maioria deles faz é usar o nome de Deus em vão. Como diria o saudoso compositor Almir Guineto, “Deus já deve estar de saco cheio” de tanto que colocam o seu nome no meio de tudo que se faz na terra. Não associar a religião aos erros cometidos por “pastores específicos”, como roubar, matar, abusar sexualmente, ou ter relações extraconjugais, é uma recomendação até sensata, desde que a religião não acabe servindo como salvo conduto, excludente de ilicitude ou uma jurisprudência pessoal que relativize ou naturalize tais “erros”, sob a falaciosa narrativa da perseguição religiosa. Ou então, tais líderes religiosos cometerão crimes e quando a justiça for aplicar as devidas penas, eles dirão que estão sendo perseguidos por serem evangélicos. Algo que, historicamente, tanto na cartilha conservadora, como na fundamentalista, sempre serviu como álibi para os próceres do segmento.
Obviamente que os evangélicos, assim como os demais segmentos religiosos existentes, fazem parte da diversidade brasileira e precisam ser respeitados. Porém, o mesmo precedente que Lula abre ao se alinhar ao imperialismo norte-americano e questionar a lisura das eleições na Venezuela, o PT o faz ao estabelecer regras de conduta para se aproximar de um grupo social como qualquer outro da sociedade brasileira. Teremos cartilha para se aproximar dos budistas, dos umbandistas, dos candomblecistas, dos espíritas, dos católicos, dos mórmons, dos muçulmanos? Ou esses segmentos sociais não têm tanta importância dentro da nossa sociedade? Se isso não for uma espécie de submissão ao imperialismo que a igreja evangélica, assim como o cristianismo (sem Jesus) de um modo geral, representa no país, eu não sei mais de nada. Devemos entender ou aceitar, que o projeto de poder teocrático deu mais certo do que o projeto político da esquerda para o país?
Faltou a cartilha determinar que não se deve falar em cobrar impostos das igrejas e nem questionar projetos de lei como a PEC do aborto, porque isso pode aborrecer o segmento religioso em questão. Faltou também a sugestão do uso da Bíblia como adereço de mão, para que a aproximação seja visual e mais interativa. Se bem que o governador do Ceará, Elmano de Freitas, do PT, já está providenciando a sua distribuição nas escolas públicas do estado, conforme prometido durante o congresso evangélico “Ceará Pentecostal”, onde se debateu o projeto “Bíblia nas escolas”, de autoria do deputado estadual Apóstolo Luiz Henrique, do Republicanos. O triste é saber que muitos, até mesmo não evangélicos, interpretam a defesa da laicidade do estado como um ataque ao cristianismo. Não conseguem entender que orientações religiosas, sejam de qualquer cunho, não devem pautar o debate político. Não percebem o quanto a nossa sociedade é falida em função de dogmas e doutrinas criadas por homens, que nunca pensaram no bem-estar coletivo, mas sim em suas convicções pessoais, morais e sociais, por vezes, ou, quase sempre, alicerçada na hipocrisia dos mesmos.
Não existe e nunca existiu perseguição aos evangélicos pelo fato de eles “amarem” a Jesus e “defenderem a verdade”. O que sempre houve, e sempre deve haver, é um discurso de resistência ao mal que essa ideia de superioridade moral representa para o todo. Aqueles que se julgam perseguidos, não conseguem perceber o quão são chatos, inconvenientes, mal-educados, preconceituosos, arrogantes, prepotentes, desagradáveis e até criminosos, quando tentam invalidar a existência de quem não reza na sua mesma cartilha, disseminando discurso de ódio disfarçado de vontade de Deus contra as diferenças. Quem alguém pensa que é para saber qual é a vontade de Deus para a vida do outro? Se o próprio Deus sendo onipotente, onipresente e onisciente, já deveria saber o que cada um de nós seríamos e faríamos neste mundo. Se ele quisesse padronizar a humanidade, não permitiria que as pessoas nascessem diferentes, seja racial, cultural, social, sexual e economicamente. A cartilha de Deus é outra, e não orienta que se privilegie determinados grupos sociais. O diálogo deve ser com a coletividade, e não com castas que querem se separar dela.
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