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    Weiller Diniz

    Jornalista especializado em cobertura política, ganhador do prêmio Esso de informação Econômica (2004) com passagens pelas redações de Isto É, Jornal do Brasil, TV Manchete, SBT. Também foi diretor de Comunicação do Senado Federal e vice-presidente da Radiobrás, atual EBC.

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    A caserna ladra

    "Acossado, o 'braço forte' ameaça golpes sempre que se sente sitiado. Se não podem fazê-lo, cessem os ladridos", escreve Weiller Diniz

    Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello (Foto: Carolina Antunes/PR)

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    A caserna virou uma caverna obscurantista, incompetente e golpista. As digitais desonestas de uma legião de altos oficiais das Forças Armadas estão esparramadas em investigações múltiplas, da CPI, do Ministério Público, do TCU e da PF. A alegoria maior do despreparo, da insipiência e do descaminho sob investigação atende pelo nome de Eduardo Pazuello, um general medíocre e, até agora, no mínimo omisso. Comandadas por um corneteiro autoritário, setores das Forcas Armadas, ao invés de baterem continência às apurações sobre eventuais malversações da tropa, optam por notas desafinadas e intimidantes.

    Não compreendem, sequer, a realidade que os cerca. Possuem um inapreensível sentimento de donatários da Nação e o monopólio inalienável do patriotismo. Ninguém é melhor do que eles ou incorruptível como eles. Mas a realidade é crua, nua, implacável e inarredável.

    A CPI do Senado sobre a pandemia eviscerou entranhas purulentas dos milicos aliados a Bolsonaro, de ética gelatinosa e ineficientes. Pazuello tem um histórico público da incapacidade. Em sua gestão a pandemia explodiu e a corrupção emergiu. A compra de 20 milhões de doses da Covaxin expôs ilegalidades e rastros deixados por governistas.

    O capitão pediu 20 milhões desse imunizante em carta enquanto “cagava” para as ofertas de 170 milhões da Pfizer e Coronavac. Nas barbas de Pazuello o contribuinte bancou R$ 1,6 bi para adquirir um imunizante superfaturado, nunca entregue e intermediado por um caloteiro ligado ao líder do governo, Ricardo Barros. Barros não é o último tijolo desse porão malcheiroso. Alertado do escândalo pelos irmãos Marinho – um servidor de carreira do MS e um deputado Federal -, o autointitulado “incorruptível” capitão nada fez. Prevaricação indesmentível. Os crimes ensurdecem, mas não se ouve um pio na caserna.

    A tragédia Eduardo Pazuello é a síntese do escárnio e do morticínio. Foi desautorizado publicamente na aquisição de 46 milhões de doses da vacina Coronavac, em outubro de 2020. Diante da CPI do Senado, desmascarado impiedosamente, mentiu e mentiu muito. Contrariando fatos irrefutáveis, afirmou descaradamente: “nunca o presidente me mandou desfazer qualquer contrato”. Referia-se ao “já mandei cancelar, o presidente sou eu” de Bolsonaro sobre a Coronavac, ao qual ele respondeu com um vexatório “um manda, o outro obedece”.

    Três dias após o falso testemunho na CPI, em maio de 2021, Pazuello desfilou em um comício ao lado do capitão, sem máscara. Militar da ativa é proibido de participar de atos políticos. A anarquia foi óbvia e a disciplina militar atirada no esgoto. O antes zeloso comando do Exército deu um mau exemplo ao estender a mão amiga e não punir Pazuello pela transgressão militar. Um general da ativa faz e desfaz e tem a impunidade garantida pelos superiores. Essa capitulação é historicamente vergonhosa. Silêncio na caserna, novamente.

    O enrolado braço direito de Pazuello, coronel Élcio Gomes, hoje no Planalto, acelerou o contrato da Covaxin. Enquanto o governo desprezava mais de 80 mensagens do laboratório Pfizer por mais de 300 dias e outras tantas ofertas do Instituto Butantan, o Ministério da Saúde precisou de apenas 15 tratativas para fechar, a toque de caixa, a Covaxin, com severas restrições da Anvisa. A compra antes do aval da agência sanitária implodiu outro falso discurso governamental. Entre o pedido do capitão ao governo indiano (08/01/2021) e a assinatura do contrato superfaturado (25/02/2021) foram apenas 47 dias.

    O preço inicial da vacina era de U$ 10 dólares, negociáveis para baixo, mas acabou custando U$ 15. 50% mais que imunizantes como Pfizer, Coronavac e Janssen. Entre as mais de 20 irregularidades já detectadas até agora, tentou-se o pagamento antecipado em nome de uma offshore em paraíso fiscal, totalmente anômalo e estranho ao contrato. A caserna emudeceu.

    O presidente da CPI que esfola o governo hemorragicamente, Senador Omar Aziz, verbalizou a convicção da ampla maioria dos brasileiros – 70% – sobre o carimbo de corrupção estampado na testa dos oficiais recrutados por Pazuello. O ladrido estridente da caverna fardada veio em letras intimidadoras: “O ministro de Estado da Defesa e os Comandantes da Marinha do Brasil, do Exército Brasileiro e da Força Aérea Brasileira repudiam veementemente as declarações do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, Senador Omar Aziz, no dia 07 de julho de 2021, desrespeitando as Forças Armadas e generalizando esquemas de corrupção. Essa narrativa, afastada dos fatos, atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável”. Aí a caserna se manifestou.

    Irresponsável, vil, leviana e desrespeitosa é a ameaça orquestrada por Braga Neto, vassalo acrítico de Bolsonaro. Os comandantes que subscrevem a intimidação foram escalados exatamente para ecoar as pregações fascistas de Jair Bolsonaro. O poder é efêmero, mas sempre enseja a sensação de blindagem e imprescritibilidade. Bolsonaro derrete e terá sérias dificuldades em chegar ao 2 turno da eleição democrática de 2022.

    Os quepes sabujos, cavalariços subservientes e aproveitadores, enfrentarão a justiça pelos crimes que tenham praticado na orgia do servilismo remunerado. A vergonha os acompanhará pelo resto de suas vidas e pelas gerações que os sucederá. A sociedade brasileira, nem o mundo, tem medo dos ladridos de golpistas de fancaria.

    Um coronel Marcelo Blanco discutiu descaradamente a compra de vacinas com um trambiqueiro que foi recebido inúmeras vezes no Ministério da Saúde enquanto grandes laboratórios, com ‘compliance’, mendigavam reuniões diante da oferta de vacinas eficazes e seguras. O estelionatário Luiz Paulo Dominguetti, associado a um reverendo do pau oco e outros malandros, acusou a cúpula do Ministério da Saúde de cobrar propina de 1 dólar por dose na intermediação de 400 milhões de imunizantes inexistentes da Astrazeneca.

    Mais do que a corrupção escancarada, estarrece a inépcia dos mais altos escalões da Saúde ao recepcionar vigaristas que não representavam vacina alguma no auge da pandemia. A tragédia atual não é casual. É resultado da cobiça, da corrupção e da incompetência. Mas a caserna se calou diante de inúmeros coronéis e generais acusados de corrupção com as vacinas.

    A empulhação da quartelada, entretanto, é recorrente. Ao fazer deambulações esquizofrênicas sobre os expedicionários na segunda guerra, o General Braga Neto, expediu outra nota ameaçadora: “A “cobra fumou” e, se necessário, fumará novamente”. Padrão golpismo de outro ocioso, Augusto Heleno, na nota de 22/5/2020: “O pedido de apreensão do celular do Presidente da República é inconcebível e, até certo ponto, inacreditável.

    Caso se efetivasse, seria uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro Poder na privacidade do Presidente da República e na segurança institucional do País. O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”.

    Outro valente oficial das Forças Armadas brasileiras, que ameaçam nossas instituições democráticas, é o ministro e general Luiz Eduardo Ramos, hoje chefiando a Casa Civil. Medrado, tenta discretamente contornar uma eventual convocação à CPI. Gravado em uma reunião, que pensava ser reservada, o destemido general brasileiro disse que tomou a vacina contra a Covid-19 “escondido” e que tentaria convencer Jair Bolsonaro a se imunizar também: “Tomei escondido, né, porque a orientação era para todo mundo ir pra casa, mas vazou. Não tenho vergonha, não.

    Eu tomei e vou ser sincero. Como qualquer ser humano, eu quero viver, pô. Se a ciência e a medicina tá (sic) dizendo que é a vacina, né, Guedes, quem sou eu para me contrapor?”. Ele pode, de fato, não ter “vergonha”. Não se ouviu um pio dos colegas de farda quanto ao comportamento vergonhoso.

    As Forças Armadas também passam vergonha nos desperdícios. Apenas em gastos supérfluos em 2020, eles mastigaram R$ 2,2 milhões com chicletes, torraram R$ 32 milhões com pizzas e refrigerantes e entornaram R$ 15,6 milhões em leite condensado para suas tropas. Um levantamento feito por deputados do PSB no orçamento mostrou que as Forças Armadas adquiriram 80 mil unidades de cerveja e 700 mil quilos de picanha. O estudo aponta um superfaturamento superior a 60%. No cardápio do rancho foram incluídos ainda bacalhau, uísque 12 anos e conhaque para o alto comando.

    Esses dados engrossam a farra de R$ 1,8 bilhões gastos para a ração da tropa. Os militares de pijama com função gratificada no governo passaram a ganhar muito mais, rompendo o teto constitucional (R$ 39,2 mil). Braga Neto, Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno foram beneficiados. De acordo como TCU, as Forças Armadas também desviaram R$ 4 bi destinados ao combate da Covid para outros fins. A bagunça é “generalizada” e a farda se refestela na mudez.

    O general das pantufas, Augusto Heleno, é a síntese da política da generalização. Parece que onde há general há caos. Heleno manda no Gabinete de Insegurança Institucional. Augusto – cada país tem o Augusto que merece – também foi autor da nota ameaçadora após o STF cogitar apreender o celular de Bolsonaro. Voltou atrás dizendo que não disse o que disse. Também é apontado como participante de uma reunião de um órgão de Estado para blindar o senador Flávio Bolsonaro na investigação por crime de peculato e escudou Eduardo Bolsonaro após o deputado defender a volta do AI-5. O chefe da Aeronáutica, ao invés de trabalhar e punir o tráfico de drogas no avião presidencial, também arremete com notinhas golpistas e ameaça com armas. Mas quanto ao narcotráfico nas asas da FAB o silêncio ensurdece as turbinas.

    O ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, contou uma versão, segundo a qual, em abril de 2018, o Alto Comando teria tramado postagens com ameaças a Suprema Corte para não conceder um habeas corpus que poderia ter impedido a farsa da prisão do ex-Presidente Lula. A prisão se consumou por 6×5 votos e Lula foi riscado da cédula eleitoral após a trapaça jurídica de Sérgio Moro, abrindo a trincheira do fascismo bolsonarista. O presidente do STF, Luiz Fux, disse ter recebido uma mensagem do ex-ministro da Defesa desautorizando Villas Bôas: “foi declaração isolada do ministro Villas Bôas no momento de fazer sua biografia, não há nenhuma concordância das Forcas Armadas em relação a pressão sobre o Supremo”. O desmentido é reservado, privado e discreto.

    A farda é uma farra nepotista. A Casa Civil, quando tocada pelo general Braga Neto, autorizou a nomeação da filha dele para uma gerência na Agência Nacional de Saúde. O recuo veio depois da granada explodir na mídia. A filha de Pazuello emplacou no governo do Rio. A filha de Eduardo Villas Bôas ganhou um posto na pasta de Damares, onde gravitam ultradireitistas relacionados ao golpe tentado em 2020. O filho do vice Mourão teve 2 promoções em 6 meses no Banco do Brasil. Carlos Bolsonaro, o medíocre, comentou: “Nova promoção! Parabéns”. O comando é do próprio capitão: “Se eu puder dar um filé para meu filho, eu dou”. Seletivamente esquecido de que o Erário é público, não doméstico. As Forças Armadas não divulgaram nota. O assunto ficou em família.

    Pelos dados do Tribunal de Contas da União perto de 6 mil quepes acanalharam suas patentes, desprezaram a Nação e expuseram as Forças Armadas ao enxovalho diário em nome de uns trocados a mais no soldo dos que se alistaram no batalhão genocida e incompetente. Jair Bolsonaro, escorraçado dos quartéis em 1988, é incapaz e mal-intencionado. Empilha fracassos em todas a áreas e, por isso, busca se proteger da ruína na fortificação do “braço forte, mão amiga” e aposta na solidariedade verde-oliva para delirantes quarteladas. Para toda crise – são inúmeras – ele tem a trapaça padrão da vassalagem fardada: generalizar. As estrelas militares mais visíveis da anarquia gerencial do Brasil são as mais foscas, as mais toscas.

    São os mitos assassinos. Entre os carniceiros mais cruéis da selvageria estão torturadores notórios, os ídolos do capitão: coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (chefe do DOI-CODI) e o major Sebastião Curió (responsável pela morte de 41 pessoas na guerrilha do Araguaia). Sádicos que usaram as divisas para matar e cometer crimes. “Nasci em 1963, não sei nem o que é AI-5, nunca nem estudei para descobrir o que é”, disse o ignorante Pazuello assim que invadiu o ministério. O AI-5 foi o auge da repressão. Fechou o Congresso, baixou a censura, suspendeu o habeas corpus e proibiu reuniões. A “mão amiga” disparou contra o próprio povo e os quartéis espalharam tortura, morte, exílio, desaparecimento e outras atrocidades. Nunca foram punidos. Acossado, o “braço forte” ameaça golpes sempre que se sente sitiado. Se não podem fazê-lo, cessem os ladridos.

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    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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