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    Maria Luiza Franco Busse

    Jornalista há 47 anos e Semiologa. Professora Universitária aposentada. Graduada em História, Mestre e Doutora em Semiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com dissertação sobre texto jornalístico e tese sobre a China. Pós-doutora em Comunicação e Cultura, também pela UFRJ,com trabalho sobre comunicação e política na China

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    A China que chega

    Ela não vem de mãos vazias

    Bandeira chinesa em Pequim (Foto: REUTERS/Florence Lo)

    _Um romance chinês? Deve ser bem singular.

    _ Não tanto como seríamos tentados a acreditar. Esses homens pensam e sentem quase como nós, e rapidamente percebemos que somos iguais a eles

    _Mas, talvez este romance chinês seja um dos mais excepcionais?

    _De jeito nenhum. Os chineses têm milhares deles, e até os tinham quando nossos ancestrais ainda viviam na floresta.

    Bingo para Goethe. Esse diálogo se deu em 1827 entre o escritor alemão e seu amigo e secretário Johann Peter Eckermann que tinha a China como um país de gente de olho puxado por onde não caberiam passar a poética das letras cultivadas. 

    A surpresa cultural que pegou Eckermann hoje se dá em relação ao complexo técnico-social que a China vem apresentando desde as reformas iniciadas em 1978. O impacto tem sido traumático para os exteriores que ainda enxergam a China como o país humilhado, subserviente, subalterno, retaliado no século XIX pelas potências estrangeiras, as oportunistas nem tão potentes, e inculto. 

    A China não nasceu ontem nem agora. Vem de XIII séculos a.C trazendo na bagagem o estado moderno centralizado e organizado que o ocidente conheceu a partir do século XIV d.C. E quando a nossa base civilizatória grego-romana estava se formando como sociedade, a China estava constituída como tal em instituições educacional, literária, jurídica e política. Os séculos IV e III a.C foram de expansão econômica e invenções tecnológicas fixadas no projetamento estatal racional e científico voltado para a produção agrícola e aplicado por engenheiros hidrográficos e agrônomos. A tarefa dos especialistas era mapear os diferentes tipos de solo em bacias de rios e identificar as melhores datas de arar e semear, o uso de fertilizantes adequados, drenagem, secagem de pântanos e equipamentos de irrigação como a construção mecanizada de tanques para armazenamento de água em períodos de seca. Para aumentar a produção, investimento na pesquisa de material permitiu que as ferramentas agrícolas feitas em madeira e pedra fossem substituídas por ferro que permitia arado mais profundo  aumentando a produtividade. Graças à experiência com o fogo, o ferro era fundido, e não forjado. Como disse um estudioso do assunto, “o ferro acostumou muito cedo o mundo chinês à ideia de modelo e de reprodução em série da mesma ferramenta, que só se tornou familiar para nós a partir da indústria moderna”. No século V d.C a siderurgia chinesa produziu aço, tecnologia que a Europa só desenvolveu no século XV com o fim da Idade Média.  O trabalho na terra demandava braços, as áreas ao longo dos rios indicavam baixa densidade demográfica, o que levou a China a realizar o primeiro censo demográfico de que se tem notícia.  

    Então, a China. Os equívocos de determinadas dinastias não mataram a originalidade constitutiva do povo coletivista, gregário, cordial, sofisticado sem afetação e, sobretudo, amante de sua “Mother land”, a terra Mãe. A revolução de 1949 consolidou a herança do sentimento nacional no que há de forte, universalista, e receptivo a quem é de paz. “Sem o Partido Comunista não haveria a Nova China”, diz a letra do hino do PCChinês. Com a vitória, o mundo percebeu que não havia mais chance de rendição naquele acontecimento guiado por Mao Zedong e Zhou Enlai, o primeiro-ministro da então República Popular da China, artífice e executor da política de divulgar a novidade para além de sua muralha a partir do que a própria tinha a dizer. Para isso, criou um canal direto de comunicação com jornalistas estrangeiros. Edgar Snow e Anna Louise Strong entenderam direitinho do que se tratava e prestaram extraordinário serviço de informação pública como presa ser o trabalho jornalístico. 

    O movimento iniciado por Zhou Enlai está de volta. A China tem intensificado o intercâmbio jornalístico transoceânico.  O objetivo é que a realidade se apresente e possa ser vista para além de leituras de opinião corrente e cristalizadas. 

    Em algumas áreas há a tediosa e renitente questão sobre se a China é capitalista ou socialista e prática o imperialismo. A China nunca foi capitalista e imperialista, sempre foi imperial, soberba que lhe valeu cegueiras responsáveis por abusos cometidos pelos países invasores. A China é “uma nova forma histórica de socialismo” como chama atenção o estudo seminal do professor Elias Jabour, também responsável pela adoção do conceito de Projetamento para explicar o corrente desenvolvimento chinês. 

    Não são poucos os que dizem ser difícil entender a China. É compreensível. A China é um Outro fundido em base civilizatória de valores e referências ainda pouco conhecidos e que soam muito estranhos. Coisas assim como fluxo comercial em que todos ganham conforme sua necessidade, em respeitoso entendimento multilateral e unidos numa Comunidade de futuro compartilhado.  

    O escritor LuXun, expoente intelectual que pavimentou o caminho cultural para a revolução de 49, deixou uma dica:

    ‘Quando vemos a evolução da China, nos encontramos diante de dois fatos muito peculiares. Um deles demonstra que o velho volta a aparecer muito depois que o novo tenha saído à luz, o que em outras palavras é uma regressão. O outro fato nos mostra que o velho se perpetua por muito tempo depois que o novo apareceu, o que seria um amálgama”. 

    Essa China que chega não vem de mãos vazias. Traz uma história de longa duração que o seu supraveloz trem bala atravessa sem atropelar. Nem a ela nem ao outro Outro dela.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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