A cidade do crescimento desordenado
Causou espécie na nova estrutura administrativa da Prefeitura do Rio de Janeiro, a separação operada entre o licenciamento de construções e o planejamento urbano, competências que, necessariamente, devem caminhar juntas para o ordenamento adequado do território. Não sou eu quem diz isso, está na Constituição! Foi consagrado na nossa Carta Magna que o ordenamento territorial – competência estritamente municipal – se dá mediante o planejamento e o controle do uso e da ocupação do solo urbano (Art. 30, inc. VIII).
Na concepção da atual gestão da Prefeitura do Rio, a Secretaria Municipal de Planejamento Urbano elabora planos e projetos, que até podem se transformar em leis, mas, na prática, quem controla o uso e a ocupação do solo é a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação (SMDEI), que concentrará todo o licenciamento – ambiental, urbanístico e de atividades econômicas – e, consequentemente, a concessão de alvarás e a fiscalização. Com efeito, o organograma do órgão passa a contar com a Subsecretaria de Controle e Licenciamento Urbanístico, para a qual foi transferido todo o corpo técnico e administrativo que compunha a Coordenadoria de Licenciamento e Fiscalização da antiga Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU).
Igualmente apreensivos nos sentimos com o brutal esvaziamento da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC), face à transferência de grande parte de suas competências para a Subsecretaria de Controle e Licenciamento Ambiental, que passa também agora a integrar o organograma da SMDEI. Em uma cidade que possui mais de 30% do seu território composto por unidades de conservação ambiental, retirar do órgão a quem compete a gestão das áreas protegidas as funções de licenciar e fiscalizar atividades aí localizadas, significa inviabilizá-lo, torná-lo absolutamente inócuo.
Mais surpreendente ainda é notar que, a despeito desta concentração de funções de controle sobre o que se passa no espaço urbano, nenhuma das competências anunciadas da SMDEI dizem respeito ao adequado ordenamento urbano e ambiental. Tal fato sugere a subordinação, portanto, do licenciamento urbanístico, não a este último, ou à melhoria da qualidade da vida urbana, que seria o seu objetivo maior, e sim ao fomento das atividades econômicas na cidade, esta sim, uma das competências elencadas para a SMDEI.
Esta subordinação do urbanismo ao imperativo do crescimento econômico é justamente o cerne do debate que se trava em torno da Resolução CGSIM n° 64, elaborada pelo Ministério da Economia de Paulo Guedes, retirando dos municípios a atribuição do licenciamento de construções supostamente de “baixo risco”. De acordo com esta Resolução, as empresas interessadas em construir edificações de até 1.750 m2 estão isentas de apresentar qualquer projeto, ou solicitar qualquer autorização às prefeituras. Em nome da agilidade e da desburocratização, as próprias empresas declaram que estão atendendo à complexa legislação urbanística e ambiental vigente, e obtém o alvará de obras on line.
Em nome da desburocratização, o que se quer, na verdade, é a desregulamentação. Os riscos são gigantescos. Bairros inteiros poderão surgir da noite pro dia sem que os municípios e os cidadãos tenham conhecimento, e possam debater ou mitigar os seus impactos. Sim. Porque um prediozinho ao lado de outro prediozinho, e mais e mais prediozinhos, é o que tem sido feito em tantos bairros e comunidades do Rio. É o que a milícia faz. A cidade que cresce desordenadamente, crescerá agora com a chancela do Ministério da Economia. No campo ambiental, os prejuízos serão incalculáveis em uma cidade com as peculiaridades e o patrimônio natural do Rio. E as gerações futuras que se virem?
Os efeitos que poderão resultar deste descontrole da atividade imobiliária na cidade também são expressivas. O adensamento excessivo, a saturação da infraestrutura urbana - notadamente o saneamento básico e os transportes -, o aumento da poluição atmosférica e sonora advinda do desmatamento desenfreado, a perda da qualidade de vida, entre outros impactos negativos, podem culminar com a desvalorização dos ativos e a perda de atratividade turística e de interesse para empresas de eventos.
Não, este não é o legado que queremos deixar para nossos filhos e netos. Este não é o futuro que queremos para a cidade que amamos, que é o Rio de Janeiro. Patrimônio da humanidade por sua paisagem absolutamente peculiar, que integra a cidade construída com a natureza. É nosso dever preservar esta característica que torna o Rio uma cidade única no mundo. Não iremos permitir que destruam nossas encostas, nossos parques e florestas. Este modelo ultraliberal de desenvolvimento econômico é míope e, definitivamente, não nos interessa!
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