A classe operária e a esquerda
“Frente democrática” com mortos-vivos é o caminho do fracasso. Nossa aliada é a classe operária internacional
Por Juca Simonard
A situação grevista que explodiu na França nas últimas semanas aponta uma tendência geral da classe operária no mundo. Essas greves colocaram o governo neoliberal de Emmanuel Macron na corda bamba.
A mobilização desta terça-feira, 18, quando os trabalhadores atenderam a um chamado de greve de 24 horas, foi, até o momento, o ponto mais alto do movimento popular. Mais de 100 mil trabalhadores participaram de uma passeata em Paris. Mais de 300 mil cruzaram os braços em toda a França, segundo a principal central sindical do país, a CGT – Confederação Geral do Trabalho.
Entre as principais reivindicações estão o reajuste salarial, mais investimentos em escolas, hospitais e previdência social, abandono das reformas do seguro-desemprego e da mudança da aposentadoria de 62 para 65 anos. Reivindicações contra a política neoliberal. Há também a participação nos lucros das empresas – que, apesar de um engodo capitalista, faz parte do processo natural de luta dos trabalhadores.
O caráter revolucionário da inflação
A origem da greve desta terça foi o movimento dos operários das refinarias francesas da Esso e da Total Energies, contra a explosão inflacionária que assola o país. Em setembro, a inflação oficial do país foi calculada em 6,2%. Os operários iniciaram nas últimas semanas um movimento grevista que ocasionou uma gigantesca crise política através da escassez de combustíveis – vista já em mais de um terço dos postos de gasolina na França, principalmente em Paris.
A reação de Macron, com sua ditadura neoliberal, foi de atacar o direito de greve dos trabalhadores com a requisição do pessoal de um novo depósito de combustível para aliviar a escassez. Tática tradicional da burguesia. Contratar fura-greves para forçar os trabalhadores a voltarem a postos.
A greve desta terça também foi uma reação às medidas autoritárias do protótipo de ditador, que enfrenta sua maior crise política desde as manifestações dos coletes amarelos anteriores à pandemia da Covid-19.
A tentativa de forçar os trabalhadores a voltarem a trabalhar foi a gota d’água para incentivar as mobilizações de terça, enquanto Macron é visto, cada vez mais, como um ditador, diante da repressão brutal a passeatas desde que assumiu o governo e também, durante a pandemia, da imposição do passaporte sanitário.
Nas refinarias e nos transportes, segundo a imprensa francesa, a participação dos trabalhadores foi quase total. Sem gasolina e sem transporte, até mesmo quem não aderiu à greve não pôde trabalhar – ou teve dificuldades para isto. O prejuízo para os capitalistas foi enorme e mostra a força da classe operária – refutando as teses acadêmicas pós-modernas que apontam a inexistência desse setor social atualmente.
A rápida explosão grevista na França, que pegou o governo Macron de surpresa, não é, no entanto, apenas uma característica francesa. Em toda a Europa – e também nos Estados Unidos – a situação inflacionária tem corroído o poder de compra da classe operária. Na Alemanha a inflação em setembro foi de 10,9%, no Reino Unido, 10,1%, na Itália, 9,5%, e na Espanha, 9,3%. Já nos EUA, a inflação foi 8,2%. Em alguns destes países, são os maiores números em 40 ou 50 anos. Em todos esses países, movimentos grevistas estão começando a surgir. Junto a isso, mobilizações contra a OTAN, que fortaleceu a crise econômica através do fracasso das sanções à Rússia pela guerra na Ucrânia.
Como diria Lênin, a inflação é o fator mais revolucionário da situação política. É ela que impulsiona a mobilização da classe operária, que vê sua situação de vida se deteriorando, e é contra ela que a burguesia constantemente deve lutar para impedir a agitação dos trabalhadores. No entanto, se a política neoliberal conseguiu artificialmente conter com a deflação a tendência revolucionária que dominou as décadas de 1970 e 1980, esta saída para os capitalistas se encontra no seu maior ponto de esgotamento.
A falência do “centro democrático”
A política neoliberal fracassou e nem mais os tradicionais métodos de arrocho salarial e ataques aos trabalhadores estão funcionando. O centro político da democracia burguesa está totalmente esgotado, fazendo com que importantes setores da burguesia se distanciem da política oficial do imperialismo – rentista –, deslocando-se para a extrema-direita.
Os políticos tradicionais do imperialismo, assim como seus partidos, estão totalmente desmoralizados. A polarização política é a lei. Isso explica o crescimento da extrema-direita mundialmente, ao mesmo tempo em que a esquerda no mundo inteiro é incapaz de se desvincular da política do “centro democrático” burguês, empurrando os trabalhadores para o colo do fascismo.
As recentes eleições brasileiras mostram claramente esse fenômeno. Os principais partidos da burguesia após a chamada “redemocratização”, PSDB e MDB, reduziram consideravelmente suas bancadas parlamentares e perderam importantes estados. Junto a eles, todos os seus ‘puxadinhos’, como PDT, PSB, etc.
A situação dos tucanos, antes o principal partido da direita no Brasil, é esclarecedora. Agora, eles têm uma bancada do tamanho da do PSOL e perderam o estado de São Paulo após 30 anos de controle total da máquina pública. Ainda, os setores mais importantes do partido estão indo para o bolsonarismo.
Os mortos-vivos
A esquerda, por sua vez, não tem sido capaz de usar a crise neoliberal a seu proveito. A política no mundo inteiro tem sido de ficar à reboque do programa do capital financeiro – o “centro democrático” – em nome da “civilização” e da “democracia” contra o fascismo.
A pandemia, neste sentido, exemplificou bem essa tendência. A defesa do passaporte sanitário, da obrigatoriedade da vacina, da censura “do bem”, da política do “fique em casa”, etc. jogou muitos trabalhadores no colo da extrema-direita, que faz demagogia com os direitos democráticos. No Brasil (mas foi uma tendência internacional), por exemplo, a esquerda ficou à reboque da direita supostamente “científica”; de João Doria e outros picaretas que nada fizeram para resolver a hecatombe sanitária. O correto seria ter uma política própria, popular e independente das duas alas da burguesia.
Nas eleições brasileiras, isso também fica claro. A esquerda acredita na “frente democrática contra fascismo”, empurrando um monte de peso morto para a campanha de Lula. Gente que não traz voto, como o candidato a vice Geraldo Alckmin (PSB). Três vezes eleito governador de São Paulo, a aliança com o ex-tucano deveria garantir a vitória do PT (com Fernando Haddad) no principal estado do país. A situação real é totalmente diferente. O mais provável é que o estado seja governado por um desconhecido, Tarcísio de Freitas, ex-ministro de Bolsonaro que nasceu no Rio de Janeiro.
Outros mortos-vivos que foram ressuscitados, como FHC, Henrique Meirelles e Márcio França também não serviram de nada. Marina Silva, por exemplo, que já foi uma candidata artificialmente impulsionada pelo imperialismo para tirar votos do PT, nem mesmo teve votos para se eleger, entrando para a Câmara dos Deputados através dos votos de Guilherme Boulos.
Em grande medida, as alianças feitas pelo PT nas eleições serviram para prejudicar o partido e a campanha de Lula. Enquanto não trouxeram votos para a eleição presidencial, também fez o principal partido da esquerda brasileira abrir mão de candidaturas em diversos estados. E detalhe importante: na maioria destes estados, mesmo se aproveitando da popularidade de Lula como trampolim, nem mesmo se elegeram.
Quem são os nossos aliados?
Por este motivo, atrelar-se aos mortos-vivos do centro-democrático é o caminho para a derrota. Lula percebeu isso após o resultado apertado no primeiro turno da eleição e decidiu dar uma guinada à esquerda na sua campanha. Chamou grandes mobilizações de rua e foi às favelas e periferias. A base petista, por sua vez, sempre mais radical que a direção, também acompanhou e está sendo mais vista nos bairros pobres do Brasil.
A história mostra que as frentes com a burguesia – conhecidas como frente popular – são o caminho do fracasso e da vitória para o fascismo. Na Espanha, as concessões permitiram a vitória de Francisco Franco; na França, o desmonte da mobilização revolucionária da classe operária em 1936 levou à capitulação da burguesia francesa a Adolf Hitler em 1940.
Ao contrário, a esquerda deve se aliar aos trabalhadores. Muitos acadêmicos pedantes acreditavam que a classe operária estava morta, que ela havia desaparecido. A situação na França mostra que ela está viva e continua com uma força poderosa. E é essa força que pode derrotar os capitalistas. Ademais, aliar-se ao “centro democrático” é perder uma parte dos trabalhadores para o fascismo. Por isso, é necessário um programa classista independente. Apenas isso pode vencer o imperialismo e o fascismo.
Nossa aliada é a classe operária internacional.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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