A construção do Império Americano no começo de seu fim
Apenas seis meses antes, os planejadores estavam no máximo conformados com um papel hemisférico em um mundo futuro liderado pelo Eixo. A partir daí, eles partiram para "o vencedor leva tudo"
Por Pepe Escobar, para o Asia Times
Tradução de Patricia Zimbres, para o 247
No momento em que o Império Excepcional se prepara para enfrentar um novo ciclo - destrutivo e autodestrutivo - com consequências tenebrosas e imprevisíveis, que fatalmente irão reverberar por todo o mundo, agora, mais que nunca, é absolutamente essencial retornar às raízes desse império.
Essa tarefa é integralmente cumprida pelo livro Tomorrow, the World: The Birth of U.S. Global Supremacy (Amanhã, o Mundo: o Nascimento da Supremacia Global dos Estados Unidos) de autoria de Stephen Wertheim, Diretor-Adjunto de Pesquisa e Políticas no Instituto Quincy para Governança Responsável e pesquisador no Instituto Salzman de Estudos sobre Guerra e Paz, da Universidade de Colúmbia.
Encontramos aí, descrito em exaustivos detalhes, quando, por quê e, principalmente, quem traçou os contornos do "internacionalismo" dos Estados Unidos em uma sala de espelhos que tentavam disfarçar o verdadeiro e supremo objetivo: o Império.
O livro de Wertheim foi magnificamente analisado pelo Prof. Paul Kennedy. Aqui, enfocaremos principalmente as reviravoltas que ocorreram durante toda a década de 1940. A principal tese de Wertheim é que a queda da França em 1940 - e não Pearl Harbor - foi o acontecimento catalisador que levou a todo o projeto de Hegemonia Imperial.
O livro não trata do complexo industrial-militar dos Estados Unidos nem do funcionamento interno do capitalismo americano e do capitalismo financeiro. Sua grande utilidade é a de apontar o preâmbulo da era da Guerra Fria. Mas, acima de tudo, ele é uma fascinante história intelectual que revela como a política externa dos Estados Unidos foi fabricada pelos atores reais e de carne-e-osso que realmente contam: os planejadores econômicos e políticos congregados no ultra-influente Conselho de Relações Exteriores (CFR, em inglês), o cerne conceitual da matriz imperial.
Eis o nacionalismo excepcionalista
Se tivéssemos que escolher uma frase capaz de captar o ímpeto missionário norte-americano, essa frase seria: "Os Estados Unidos nasceram do nacionalismo excepcionalista, imaginando-se providencialmente escolhidos para ocupar a vanguarda da história do mundo". Wertheim acertou na mosca ao se basear em uma pletora de fontes sobre o excepcionalismo, em especial Manifest Destiny: American Expansion and the Empire of the Right (Destino Manifesto: A Expansão Americana e o Império do Correto), de Anders Stephanson.
A ação começa em inícios da década de 1940, quando o Departamento de Estado formou uma pequena comissão consultiva, em colaboração com o Conselho de Relações Exteriores, constituído de fato como um estado de segurança proto-nacional.
O projeto do CFR para o planejamento pós-guerra era conhecido como os Estudos sobre Guerra e Paz financiados pela Fundação Rockefeller e ostentando a nata de diversos setores da elite americana, dividida em quatro grupos.
Os mais importantes eram o Grupo Econômico e Financeiro, encabeçado pelo "Keynes americano", o economista de Harvard Alvin Hansen, e o Grupo Político, chefiado pelo empresário Whitney Shepardson Os planejadores do CFR, como não poderia deixar de ser, foram transpostos para o cerne da comissão oficial de planejamento montada depois de Pearl Harbor.
Um ponto crucial: o Grupo dos Armamentos era encabeçado por ninguém menos que Allen Dulles, então um mero advogado empresarial, anos antes de ele se tornar o nefasto e onisciente cérebro da CIA, devidamente desconstruído por David Talbot em The Devil's Chessboard ( O Tabuleiro do Diabo).
Wertheim narra em detalhes as fascinantes escaramuças intelectuais que se desenvolveram durante os oito primeiros meses da Segunda Guerra Mundial, quando o consenso entre os planejadores era enfocar apenas o Hemisfério Ocidental, sem se dar ao luxo de se envolver em aventuras ultramarinas de "equilíbrio de poder". O que significava: deixe que os europeus guerreiem, enquanto isso, nós lucramos".
A queda da França, em maio-junho de 1940 - o maior exército do mundo derretendo em cinco semanas - foi o que virou o jogo, muito mais que Pear Harbor, dezoito meses depois. A interpretação dos planejadores foi: se a Grã-Bretanha for a próxima a cair, o totalitarismo passaria a controlar toda a Eurásia.
Wertheim centra-se na definição de "ameaça" usada pelos planejadores: O Eixo, como força dominante, evitaria que os Estados Unidos "assumissem o controle da história mundial. Essa ameaça se mostrou inaceitável para as elites norte-americanas". Foi isso que levou à ampliação da definição de segurança nacional: os Estados Unidos não podiam se dar ao luxo de simplesmente "se isolar" no Hemisfério Ocidental. O caminho adiante era inevitável: plasmar a ordem mundial na condição de potência militar suprema.
Portanto, foi a perspectiva de uma ordem mundial dominada pelo Nazismo - e não a segurança dos Estados Unidos - que sacudiu as elites da política externa no verão de 1940 e as levou a construir as fundações intelectuais da hegemonia global.
É claro que havia um componente "ideal elevado": os Estados Unidos não seriam capazes de cumprir sua missão determinada por Deus de conduzir o mundo a um futuro melhor. Mas havia também uma questão prática muito mais urgente: que essa ordem mundial não fosse fechada ao comércio liberal norte-americano.
Mesmo depois de as marés bélicas terem mudado, o argumento intervencionista acabou por prevalecer: afinal, a totalidade da Eurásia poderia (os itálicos estão no livro) cair sob o totalitarismo.
O que está em questão é a "ordem mundial"
Inicialmente, a queda da França forçou os planejadores de Roosevelt a se concentrarem em uma área hegemônica mínima. Então, no verão de 1940, os grupos do CFR e as forças armadas inventaram o chamado "quarto de esfera": do Canadá ao norte da América do Sul.
Eles ainda supunham que o Eixo iria dominar a Europa e parte do Oriente Médio e do Norte da África. Com o observa Wertheim, "os intervencionistas americanos costumavam retratar o ditador da Alemanha como um estadista de grande mestria, presciente, sagaz e ousado".
Então, a pedido do Departamento de Estado, o Grupo econômico e Financeiro da CFR trabalhou febrilmente de agosto a outubro para projetar o passo seguinte: integrar o Hemisfério Ocidental à Bacia do Pacífico.
Esse foi um foco eurocêntrico totalmente míope (por sinal, a Ásia mal aparece na narrativa de Wertheim). Os planejadores supunham que o Japão, mesmo se rivalizando aos Estados Unidos, e já há três anos invadindo a China continental, poderia de alguma maneira ser incorporado ou subornado a adotar uma postura não-nazista.
Eles então, por fim, acertaram na mosca: conectem o Hemisfério Ocidental, o império britânico e a bacia do Pacífico em uma chamada "grande área residual": quer dizer, todo o mundo não-dominado pelos nazistas, exceto a URSS.
Eles descobriram que caso a Alemanha Nazista viesse a dominar Europa, os Estados Unidos teriam que dominar todo o restante do mundo (itálicos meus). Essa foi a conclusão lógica com base na premissa inicial dos planejadores.
Foi aí que nasceu a política externa norte-americana que vigoraria pelos 80 anos seguintes: os Estados Unidos teriam que brandir um "poder inquestionável", tal como afirmado na "recomendação" dos planejadores da CFR ao Departamento de Estado, entregue em 10 de outubro em um memorando intitulado "As Necessidades da Futura Política Externa dos Estados Unidos".
Essa "Grande Área" foi a cria intelectual do Grupo Econômico e Financeiro da CFR. O Grupo Político não aprovou. A Grande Área implicava um acerto pós-guerra que seria, na verdade, uma Guerra Fria entre a Alemanha e a Anglo-América. Isso não era o bastante.
Mas como vender dominação total à opinião pública norte-americana sem que isso soasse "imperialista", algo semelhante ao que o Eixo vinha fazendo na Europa e na Ásia? Temos aí um imenso problema de Relações Públicas.
Ao final, as elites dos Estados Unidos sempre voltavam à mesma pedra fundamental do excepcionalismo norte-americano: caso houvesse a supremacia do Eixo na Europa e na Ásia, o destino manifesto dos Estados Unidos de definir o caminho futuro da história mundial seria derrotado.
Como Walter Lipmann, sucinta e memoravelmente colocou: "Nossa é a nova ordem. Foi para fundar essa ordem e desenvolvê-la que nossos ancestrais vieram para cá. É nessa ordem que existimos. Apenas nessa ordem poderemos viver".
Isso estabeleceria o padrão para os próximos 80 anos. Roosevelt, dias após ser eleito para seu terceiro mandato, afirmou que os Estados Unidos que "verdadeira e fundamentalmente... eram a nova ordem".
Dá frio na espinha lembrar que trinta anos atrás, mesmo antes de lançar a primeira operação Choque e Terror sobre o Iraque, Papa Bush a definiu como o cadinho de uma "nova ordem mundial" (Por sinal, esse discurso foi proferido exatamente onze anos antes do 11 de setembro).
Henry Kissinger vem fazendo marketing dessa "ordem mundial" há seis décadas. O principal mantra da política externa dos Estados Unidos é "ordem internacional baseada em regras". Regras, é claro, unilateralmente estabelecidas pelo Hegêmona ao final da Segunda Guerra.
O Século Americano revisitado
O resultado da orgia de planejamento político da década de 1940 foi encapsulado em um mantra sucinto que surgiu no lendário ensaio publicado no Life Magazine em 17 de fevereiro de 1941, de autoria do editor magnata Henry Luce: "O Século Americano".
Apenas seis meses antes, os planejadores estavam no máximo conformados com um papel hemisférico em um mundo futuro liderado pelo Eixo. A partir daí, eles partiram para "o vencedor leva tudo": "uma oportunidade de liderança total", nas palavras de Luce. Em inícios de 1941, meses antes de Pearl Harbor, o Século Americano entrou na ordem do dia - e nunca mais saiu.
Isso selou a primazia da Política de Poder. Se os interesses americanos eram globais, o poderio político e militar norte-americano também deveria ser.
Luce chegou a usar terminologia do Terceiro Reich: "As tiranias talvez exijam um vasto espaço vital. Mas a Liberdade exige e exigirá um espaço vital muito maior que o da Tirania". Diferentemente da de Hitler, a ambição ilimitada das elites americanas prevaleceu.
Até agora. Tem-se a sensação de que o império está entrando em um momento James Cagney, tipo Made it, Ma. Top of the World! (Consegui, mamãe. Topo do Mundo!) – apodrecendo a partir de dentro, o 11 de setembro se fundindo ao 6 de janeiro em uma guerra contra o "terrorismo interno" - ao mesmo tempo em que ainda cultivando sonhos tóxicos de impor uma "liderança" global incontestada.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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