A cultura da irresponsabilidade
Ética, cidadania, respeito ao espaço público e às instituições estão em processo de desconstrução
Vários exemplos ilustram a cultura da irresponsabilidade em que vivemos, desde pais que vão à escola tentar desresponsabilizar o filho de algo abusivo, defender filhos dos malfeitos. É aliviante imputar ao outro erros, fracassos, inverter fatos e se desculpar.
Presidente que planeja golpes contra o estado, desrespeita leis ambientais, nega vacinas, falsifica documentos, rouba joias do erário e, depois, reivindica Anistia. Contudo, a mensagem que transmite é que a ilegalidade, desobediência às normas e ao crime compensam.
Ética, cidadania, respeito ao espaço público e às instituições estão em processo de desconstrução.
Temos a sensação de que vivemos a simulação do inferno. Os arautos do neoliberalismo cansaram de nos enganar com a promessa do paraíso e resolveram editar, de vez, as trevas medievais.
É triste assistir a vida que importa escorrer da panela. Nos resta raspar as sobras?
Na política, o fim do debate, do contraditório confluindo à síntese. O método dialético cedeu à safadeza, desfaçatez. A política das pautas cidadãs tornou-se "narrativa de comunista".
A educação sequestrada por fundamentalistas - a bíblia, livro paradidático substituindo filosofia sociologia, história. A arte, reduto do sertanejo-brega-fuleiro. A República do entretenimento e a vida cibernética baniram o tempo de reflexão, do fazer, aprender, experimentar. Emoção, tesão? Nos dedos, nas telas - o gozo dos internautas solitários.
Impossível construir vida interior sem revisitar entranhas, subterrâneo onde cochila faíscas do inconsciente. Sem investigar a gênese da maldade, sem a prática de transcender a objetividade, nos resta a realidade dura, desidratada. Muitos se agarram ao irracional - dogmas, falsos profetas. Mercadores da fé deitam e rolam prometendo a volta do "Messias" - fake, faca, capataz da extrema-direita.
Se o mal é promessa não cumprida, pecado é acreditar que exista alívio sem se responsabilizar pelas escolhas, atos e desejos. Pastor nenhum pode decidir por nós.
Diante da lógica trágica, nova ordem amorosa é orientada. Comandadas por igrejas neopentecostais, entram em ação estratégias de controle. O biopoder, em roupagem moralista, orienta o show machista, misógino. Garotas estupradas por pastores, padrasto, pais, são condenadas ao inferno ao impedirem o aborto legal.
A biopolítica em nome de Deus, pátria e família - significantes utilizados como dispositivo de saber/poder.
Assim caminha a população vulnerável ao verdadeiro estupor.
A condução da vida em mãos dos manipuladores dos ingênuos - gente alheia às tramoias de um congresso fascista, condena o Brasil à barbárie.
O cinturão moralista construído pelas fake news destruiu a crença no amor, nos bons sentimentos - a vida que rola fora da lógica do mercado, dos nichos de produção de ódio.
O atual código moral reza dirigir alcoolizado, alta velocidade, atropelar, matar, depredar congresso. Atos terroristas ameaçando por perdão. Legitimaram a irresponsabilidade. Anistia é recurso de covarde, criminosos que não respondem pelos seus atos.
Aos descontentes, resta raspar o que sobrou da vida bonita, alegre, ética, amorosa, charmosa, pujante. Vida que transborda espuma das bocas do bem dizer - expressar entusiasmo pela beleza banal, fundamental e que nos marca, compõe. E que se esvai na primeira escrotice institucionalizada.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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