A derrota de Bolsonaro e uma Esquerda ampliada
"Boulos e PT juntos podem enfrentar Covas em São Paulo; em Belém e Porto Alegre, nasce uma frente de esquerda. A direita fascista afunda, a direita moderada avança, e a esquerda fica no mesmo lugar - com derrotas numéricas e algumas vitórias políticas", escreve o jornalista Rodrigo Vianna
Por Rodrigo Vianna
Fechadas as urnas, o balanço das eleições municipais aponta algumas tendências claras...
1 - O PT se recupera parcialmente do desastre de 2016. Disputará segundo turno em duas capitais (Recife e Vitória), além de ter avançado em cidades de médio porte Brasil afora (Santarém, Juiz de Fora, Contagem, Feira de Santana, Guarulhos, Diadema, São Gonçalo, Caxias do Sul).
A imprensa conservadora, pela enésima vez, cantou o fim do PT, que não veio. Parece até o samba de Nelson Sargento: "agoniza mas não morre, alguém sempre te socorre..." No entanto, no balanço numérico de prefeituras e vereadores eleitos, o partido recuou mais um pouco.
Importante anotar, para não brigar com sua excelência, o fato, que o PT colheu dura derrota na capital paulista. O balanço dos métodos que levaram ao resultado ruim de Jilmar Tatto será decisivo para o futuro do partido.
Ainda assim, é ao PT e sua rede de militantes nas periferias que Boulos poderá recorrer no segundo turno, para equlibrar o jogo com a máquina do PSDB.
Feitas as contas, Boulos e Tatto, juntos, conseguiram quase a mesma quantidade de votos que o PSDB. A esquerda voltou a fazer a disputa de projetos na maior cidade brasileira, e isso se deve tanto à memória das administrações petistas (defendida por Tatto), quanto à atualização de linguagem política representada por Boulos.
PT e PSOL parecem ser complementares (e não concorrentes) para enfrentar a direita no Brasil. Pode sair das urnas uma esquerda ampliada, com rostos novos e outras siglas dividindo o tabuleiro com os petistas.
Manuela (PCdoB) em Porto Alegre, e Edmilson (PSOL) em Belém são exemplos de que é possível construir uma aliança de esquerda que inclua as conquistas e o patrimônio político do Partido dos Trabalhadores, mas que olhe para o futuro, incorporando novas demandas. Importante observar que Edmilson e Manuela têm petistas como vices.
O caminho parece indicar o seguinte arranjo: "com o PT, mas para além do PT", formula sugerida pelo governador Flávio Dino.
Lula segue a ser o jogador que dita o ritmo no meio de campo, ainda que não precise fazer todos os gols: tem gente mais nova para receber o lançamento lá na frente, tanto no PT (Haddad, Rui Costa, Marília Arraes), quanto em outras legendas de esquerda.
2 - Ainda na esquerda, o PSOL mudou de patamar em 2016. Não só porque pode ganhar a primeira capital, em Belém, e porque criou o grande fato político desta eleição com Boulos em São Paulo. Mas pelo fato de que, em algumas cidades importantes, aceitou costurar alianças amplas.
O PSOL ficou mais maduro e deixou de ser coadjuvante menor. Mas não tem capilaridade nacional.
Importante ressaltar que o PSOL (e também PT e PCdoB) ajudaram a levar para as Câmaras Municipais uma turma nova de mulheres feministas, negras, militantes LGBT, jovens anti-racistas. Em São Paulo, fica clara uma diferença entre as bancadas eleitas do PT (com candidaturas de esquerda "tradicionais") e o PSOL (com uma bancada que dialoga com novas demandas).
Uma certa decepção vem do Rio, onde Marcelo Freixo parece ter errado feio ao evitar entrar na disputa. Deixou o caminho livre para a direita tradicional disputar o jogo com os destroços do bolsonarismo.
3 - O campo PDT-PSB sai mais fraco. Vai disputar pra valer no Recife e em Fortaleza, ou seja: não consegue ampliar horizontes para além dos tradicionais redutos dos dois partidos (Ceará cirista; e Pernambuco dos socialistas, desde Arraes).
Ciro perdeu força no jogo para 2022, apesar de ter a vice na chapa vitoriosa de ACM Neto em Salvador. O pedetista não tem espaço pra ser protagonista na centro direita.
Importante notar que não só p PT perdeu prefeituras e vereadores. O mesmo ocorreu com PCdoB, Rede, PDT e PSB. Este último, aliás, foi o que mais perdeu.
4 - Os candidatos outsiders, de "fora da política", que pegaram carona no bolsonarismo em 2018, minguaram agora. O desastre de Witzel no Rio, do bombeiro Moisés em Santa Catarina, e o oportunismo deslavado de personagens como Joyce, Kim et caterva reduziram o alcance dos cacarecos de extrema direita.
5 - O bolsonarismo também perdeu força. Não conseguiu criar um partido próprio, apoiou candidatos em várias capitais que encolheram justamente ao levar a imagem de Bolsonaro para a TV.
Em São Paulo, Russomano (Rep) terminou humilhado. No Recife, delegada Patricia (Pode) e Mendocinha (DEM) usaram a imagem do presidente e se arrebentaram. Em Porto Alegre, ninguém se apresentou para carregar o caixão bolsonarista.
Mas o desastre poderia ser pior. Bolsonaro e sua tropa conseguiram empurrar o rejeitado Crivella ao segundo turno no Rio. Em Fortaleza e em Belém, candidatos vinculados a forças policiais vão disputar o segundo turno.
6 - A direita tradicional tentará cantar vitória, e tem bons trunfos para isso. O balanço numérico e político favorece a narrativa repetida à exaustão pela Globo News.
Mas atenção: o PSDB vai suar para manter São Paulo e, ao lado do MDB, viu cair substancialmente o números de vereadores eleitos Brasil afora. É cada vez mais um partido paulista, com conquistas menos importantes fora do território de Dória.
O DEM de Rodrigo Maia, registre-se, sai mais forte do que os tucanos. Em torno de Maia, Paes e ACM Neto, com auxílio da Globo, deve-se decidir o futuro da candidatura de Huck/Moro/Doria.
Os grandes vencedores do dia 15 foram PP/DEM/PSD (a nova/velha ARENA da época da ditadura): todos explodiram em número de vereadores eleitos. É nesse cipoal de "delegados", "capitães", "sargentos", "zés da farmácia" e pequenos líderes regionais que se ancora a força do conservadorismo.
Curiosmente (ou nem tanto) é esse conservadorismo que deve fornecer a base partidária para Huck se apresentar como o salvador em 2022, após o desastre bolsonariano na economia e na saúde.
Por fim, quem estuda a fundo eleição diz que pleito municipal não condiciona de forma absoluta a eleição presidencial seguinte. Mas aponta pistas.
Esse é o resumo de 2020, goste-se ou não: a direita fascista afundou, a direita moderada avançou, e a esquerda ficou no mesmo lugar - com derrota nos números gerais, mas algumas vitórias políticas que apontam na direção de se construir unidade e um programa atualizado para os novos tempos.
Sem motivos para euforia nem depressão, a batalha está no meio.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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