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    André Del Negri

    Constitucionalista, professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).

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    A divisão no espaço urbano

    Pouco se falou de uma certa precariedade plantada na remodelação do território por um olhar da geografia humana

    Região de deslizamento em São Sebastião (Foto: Daniela Andrade/PMSS)

    Desde a manhã do domingo de Carnaval (19/02), após o forte temporal que provocou tragédia na região de São Sebastião, Litoral Norte de São Paulo, viu-se uma paisagem virada do avesso por efeito de rios de lama que engoliram casas, automóveis e pessoas. É ao acompanhar sites de notícias e jornais sobre o que aconteceu acerca da região que se descobre que caiu no litoral a maior chuva de que se tem notícia no país desde que se fazem as medições (ver aqui). 

    Mas a chuva torrencial não foi, por evidente, o único ponto analisado em debates. A desigualdade notória também ganhou textos e análises, mas pouco se falou de uma certa precariedade plantada na remodelação do território por um olhar da geografia humana. Caso seria, então, de se recordar de Milton Santos, um dos expoentes do movimento de renovação crítica da Geografia, que dedicou extraordinárias conclusões voltadas aos elementos de estruturação do espaço (ver aqui e aqui – veja aqui também).

    De se rememorar que Milton Santos pensava as cidades não como um todo maciço, mas sim como um organismo vivo e cindido em dois circuitos econômicos responsáveis pelo processo de organização do espaço. Note-se que São Sebastião é um município de estrutura e serviços nos dois lados da Rio-Santos. Vem ao primeiro lado uma faixa estreita entre o mar e a montanha, cenário ocupado por condomínios de arquitetura exuberante e, portanto, com praia especial “pé na areia”. Vem ao segundo, a extrema precariedade urbana que recorre a atividades de pequena escala devido ao acesso esporádico ou insuficiente ao dinheiro. À vista disso, é saliente, aliás, a extensão do tecido periférico. São realidades segregacionistas que surgem, crescem e se propagam num pano de fundo prestes a ruir, já que proscrito pela especulação imobiliária.

    E é certo que a divisão no espaço urbano é um atuar das formas de mercancia estratégico-predatória (mercado-dinheiro-poder). A divisão é corriqueira, cotidiana, flagrante, implacável e anabolizada pela cultura do consumo, a fim de criar vigorosamente mundos separados, o aqui e o lá (ver aqui).

    É uma realidade incômoda, comovente. E, apesar de dolorosa, a única coisa certeira é que ela tem de ser enfrentada para a remoção de violências visíveis e invisíveis. E acrescente-se, ou, pelo menos, necessariamente esforcemo-nos em deixar claro: o episódio ativo que matou em São Sebastião foi a desigualdade (!). Vai demorar algum tempo, e nem se imagine quantos anos, mas o Brasil terá que enfrentar essa conjuntura, pois, de contrário, jamais veremos o rompimento dessa rede mortífera que estabelece o caos em escala acelerada. E, com a licença de Bukowski, na maioria das vezes quando se percebe é tarde demais, “e não há nada pior que o tarde demais”.

    Referências

    DEL NEGRI, André. A divisão no espaço urbano. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

    SANTOS, Milton. O espaço dividido. São Paulo: Edusp, 2008.

    SANTOS, Milton. Pobreza urbana. São Paulo: Edusp, 2009.

    SANTOS, Milton. A urbanização desigual. São Paulo: Edusp, 2010.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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