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    Wagner Iglecias

    Professor do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM) e da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

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    A Economia de Francisco III

    "Uma vez no poder Bergoglio empreendeu uma política interna corajosa, partindo para o enfrentamento de interesses poderosos há muito tempo estabelecidos na Igreja", escreve Wagner Iglecias, professor do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM) e da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

    Contra as versões falsificadas de Francisco, o Papa dos Pobres (Foto: REUTERS/Filippo Monteforte/Pool)

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    O Catolicismo foi tomado por duas grandes surpresas em 2013. A primeira foi a renúncia do cardeal alemão Joseph Ratzinger (Bento XVI) ao cargo de Papa, fato que não ocorria desde 1294, quando Celestino V abdicou ao posto de mais alta autoridade da Igreja. E a segunda foi a escolha, como sucessor de Ratzinger, do cardeal argentino no Jorge Bergoglio. Seu nome causou desconfianças à esquerda e à direita.

    Entre os progressistas por conta de suas relações controversas com a última ditadura argentina (1976-1983) e pela convivência tumultuada com os governos Kirchner nos anos 2000. Suspeitava-se, além disso, que a chegada do primeiro latino-americano ao cargo de Papa seria uma manobra da direita mundial para, a partir do Vaticano, travar a disputa pelos corações e mentes de centenas de milhões de pessoas na América Latina, naquele momento sob governos de esquerda em alguns de seus principais países.

    À direita a escolha de Bergoglio também causou desconfiança, tanto por sua origem de jesuíta quanto pelo longo sacerdócio junto aos pobres em seu país natal, quase sempre com uma pregação voltada às questões sociais.

    Uma vez no poder Bergoglio empreendeu uma política interna corajosa, partindo para o enfrentamento de interesses poderosos há muito tempo estabelecidos na Igreja. Levou a cabo o saneamento do Banco do Vaticano, há décadas envolvido em escândalos, combateu o simbolismo luxuoso da cúria romana e autorizou investigações sobre denúncias de pedofilia envolvendo a Igreja em diversos países.

    Na política externa o Papa dirigiu ao mundo uma mensagem de combate à intolerância e à desigualdade, reintroduzindo no discurso católico as noções de misericórdia e acolhimento que pareciam esmaecidas nas últimas décadas.

    Para este 2020 Francisco faz mais uma aposta ousada: tenta posicionar a Igreja Católica na vanguarda de um debate urgente e necessário sobre o neoliberalismo. Um modelo econômico que tem concentrado renda e riqueza em proporções inéditas na História. E, porque baseado numa cultura de consumo e descarte, tem apontado para uma trajetória de esgotamento talvez irreversível dos recursos naturais como a água, a terra e biodiversidade, comprometendo o bem-estar das futuras gerações e de todas as formas de vida existentes no planeta.

    Na simbólica cidade de Assis, na Itália, onde São Francisco (1181-1826) despojou-se dos bens materiais e abraçou uma vida dedicada aos pobres e à natureza, o Papa vai presidir, em março, um encontro de jovens economistas, lideranças sociais e lideranças empresariais de todo o mundo. Os objetivos do evento são pensar e propor um modelo econômico alternativo ao atual, com uma forte mudança de paradigmas na formação de economistas e na atuação das grandes empresas. Um modelo econômico baseado no combate à pobreza e à desigualdade, na sustentabilidade ambiental e na dignidade humana. Bandeiras similares, diga-se de passagem, àquelas que anos atrás eram debatidas nas várias edições do Fórum Social Mundial e que foram enfraquecidas depois da crise de 2008 pelo consequente fortalecimento global do neoliberalismo em sua versão mais radicalmente rentista.

    A tarefa de Francisco, obviamente, não é fácil. O mundo hoje é marcado não somente pelo largo emprego de instrumentos de ortodoxia econômica pelos governos, mas também pela primazia, no setor privado, dos acionistas das corporações transnacionais e dos fundos de investimento globais, a quem interessam, antes de mais nada, minimização de riscos e maximização de rentabilidade e lucros.

    Mais do que isso, estamos diante de um mundo marcado pela hegemonia neoliberal também no domínio das ideias, das práticas e das aspirações, tanto de sociedades quanto de pessoas, fortemente caracterizadas pelo individualismo, pelo hedonismo e pela ostentação. Por outro lado, caminhamos para graus de desigualdade, desemprego e exclusão social alarmantes, que inclusive já colocam sob risco a própria democracia liberal. Talvez esteja ai a janela de oportunidade identificada pelo Papa.

    Com o encontro de Assis, Francisco olha, a um só tempo, tanto para o mundo quanto para o Vaticano. Talvez ele enxergue, neste momento histórico, a chance de conferir um papel de protagonista à Igreja Católica, em crise após os vinte e sete anos de papado de Karol Wojtyla (João Paulo II), que desmontou o caráter social e progressista dos pontificados de João XXIII (1958-1963) e Paulo VI (1963-1978), mas não conseguiu frear a perda de fiéis para denominações cristãs mais conservadoras, como o protestantismo neopentecostal que tem crescido de maneira vigorosa na própria América Latina. Com Francisco o Catolicismo vai tentando reinventar-se neste início de século, às voltas com um mundo desigual, violento e desesperançado.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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