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    Ana Perugini

    Deputada federal pelo PT/SP, coordenadora-geral da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres e 2ª vice-presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados

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    A escola entre jabutis e jabuticabas

    A militarização da educação não é um fenômeno recente

    Escola civico militar (Foto: Alesp)

    “… a primeira função da educação é ensinar a ver.”
    (Rubem Alves)

    E agora, tudo o que estou vendo sobre a educação no Estado de São Paulo me causa espanto. Todavia, a militarização da educação não é um fenômeno recente. Houve várias tentativas entre o período de 1964 a 1985. Neste sentido, a Constituição Federal de 1988, sob o horizonte da democracia, afastou os ranços de autoritarismo. Tanto é verdade que a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e o PNE (Plano Nacional de Educação) não contemplam esta abordagem “militar” na educação.

    Existe atualmente uma tentativa de ressuscitar um modelo autoritário e ultrapassado. Em 2019, o Programa Nacional das Escolas Cívico-militares foi instituído por decreto presidencial. O Governo Lula interrompeu o programa que absorvia recursos da União justificando que havia desvio de função dos militares. 

    Em 6 de dezembro de 2023, no lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Escolas cívico-militares no Congresso Nacional, o governador Tarcísio destacava o objetivo do projeto maior:

    “Vocês vão ter as ferramentas para se tornarem os líderes que nós precisamos. A gente olha aqui os alunos das escolas cívico-militares e, eventualmente, a gente está diante de um novo Bolsonaro lá na frente”.

    Portanto, não se trata de um objetivo ou projeto pedagógico.

    Também não se trata de uma oposição de Tarcísio a Lula, mas de querer fazer o que o governo anterior não conseguiu: transformar o país em uma sociedade armada e militarizada. 

    Um retrato: no último dia 6 de agosto, na convenção do PL em Cuiabá, um candidato, após a  sua fala, mostra a sua arma. A mensagem é real e simbólica. 

    Como dizia Darcy Ribeiro, “a crise na educação não é uma crise, é um projeto”. A proposta das escolas cívico-militares não é um projeto pedagógico e educacional. 

    Trata-se, sim, de um projeto ideológico e político.

    A Secretaria Estadual de Educação tem ido por esse caminho de desprezo da educação: tentou substituir os livros didáticos por material digital; tentou inventar um aplicativo para controlar a gestão e sufocar a atividade dos professores e tem tentado, insistentemente, retirar R$ 9 bilhões do orçamento anual da Educação, diminuindo a transferência para a pasta de 30 para 25%.

    E agora, a Secretaria colocou um jabuti na árvore chamado escola cívico-militar. O jabuti começou a subir na árvore através de um projeto de lei enviado pelo governador quatro meses depois de imaginar que isso ajudaria a surgir um “novo Bolsonaro lá na frente”.

    O projeto de lei complementar (PLC 9/2024) foi enviado à Alesp no dia 7 de março de 2024. O registro fotográfico do evento é coerente e sintomático: havia uma mulher e 11 homens. O extremo oposto do ambiente escolar onde é preponderante a presença de mulheres.

    A exposição de motivos do PLC deixava claro que prioriza as escolas “em regiões de maior índice de criminalidade” (2º parágrafo). Depois fala do “ensino-aprendizagem” (3º parágrafo) e, já no 4º parágrafo, a solução: “contará com pelo menos um militar da reserva” que atuará em um “projeto de valor”.

    As justificativas são fracas. Ademais, não há um diagnóstico dos reais problemas da educação. 

    Reforçam o preconceito: associam infantilmente a criminalidade à falta de disciplina dentro das escolas da periferia. Em decorrência, jogam no colo das escolas o problema da vulnerabilidade social, da violência e das drogas. 

    A verdade é que se há crise na Educação, os problemas do aprendizado e do ensino estão fora do muro da escola, lá onde o Estado está ausente e onde a Segurança Pública falha. Vamos olhar para fora do muro da escola:

    Se a criança ou adolescente vê que em sua casa não tem comida suficiente, ele não aprende…

    Se vê o seu pai sendo violento com sua mãe, ele não aprende…

    Se vê seus avós ou pais na cama, sofrendo dores e à espera da fila do Cross, ele não aprende…

    Se vê que a consulta no posto de saúde ou exames clínicos para os seus demoram demais, ele não aprende...

    Se vê que seu conhecido ou vizinho é executado pelos criminosos ou pela polícia, ele não aprende…

    Se vê que devido a sua pele e condição social é sempre considerado suspeito, ele não aprende...

    Se vê sua casa sem espaço e sem conforto, ele não aprende…

    Se vê seu bairro sem área de lazer e abandonado, ele não aprende...

    Se vê que seus pais estão desempregados ou subempregados, ele não aprende...

    Se precisarem mudar de bairro por não terem pago o aluguel, ele não aprende...

    Se vê seus professores sendo desvalorizados e não ouvidos, ele não aprende.

    Este aluno vê, mas não enxerga a história e as causas daquela realidade, estando na atual educação em crise e, principalmente, se frequentando o modelo cívico-militar. Este aluno poderá até ser um líder “que precisamos”, no entendimento de Tarcísio.   

    No entanto, cabe perguntar: por que um militar aposentado? Por que não os professores e profissionais da educação aposentados? Por que não os orientadores escolares, os professores de filosofia, os assistentes sociais ou psicólogos?

    O objetivo é a educação? Vendo tudo isto tenho espanto.

    O desembargador do Estado parece ter visto alguma fumaça. Em Direito, há um provérbio que diz: “fumus boni iuris” ou seja, se há fumaça (um sinal), podemos alcançar o bom direito e chegar à justiça. Corresponde popularmente ao “onde há fumaça, há fogo”. Pois bem, vamos ver alguns sinais:

    Três sindicatos da categoria dos profissionais de educação no Estado de São Paulo, as entidades, as universidades que estudam e pesquisam a Educação o tempo todo, professores, coordenadores, diretores de escola; todos, em sua grandíssima maioria, concluem que:

    A escola cívico-militar não é uma solução para os problemas da Educação em nosso país, pelo contrário, é um retrocesso, um atraso. 

    Cláudia Costin, professora da Fundação Getúlio Vargas, diz que a escola cívico-militar é um erro, é uma jabuticaba que não encontra eco em nenhum dos 40 países com melhor educação no mundo.

    Entre jabutis e jabuticabas há sinais, fumaças, que nos indicam que o caminho não é por aí.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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