A esquerda destila veneno do neoliberalismo
A comunicação da esquerda tem de explicar os ganhos de empreiteiras nos governos do PT e uma gestão aquém do esperado no sentido de taxar grandes fortunas. O eventual uso de conceitos históricos como “socialismo” também aumenta a responsabilidade de partidos teoricamente alinhados à classe trabalhadora de reelaborar o discurso ao povo no contexto neoliberal
Em época de crise e, principalmente, em período eleitoral as diferenças entre o que se chama de esquerda e direita ficam mais evidentes, com as posições desses dois espectros ideológicos sobre temas como desigualdade social e condução da política econômica. O chamado campo progressista tem dificuldades de enfrentar críticas a respeito do que os opositores entendem como hipocrisia por causa dos ganhos dos ricos nos governos presidenciais do PT.
A desigualdade de renda no Brasil não caiu entre 2001 e 2015, de acordo com um estudo feito pelo World Wealth and Income Database, instituto de pesquisa codirigido pelo economista Thomas Piketty, conhecido por seus estudos sobre desigualdade com a obra "O Capital no Século 21". O levantamento apontou que os 10% mais ricos da população aumentaram de 54% para 55% a sua participação na renda nacional. Os 50% mais pobres ampliaram sua fatia de 11% para 12% no mesmo período. Os números sugeriram que, apesar de a pobreza ter diminuído muito em função de programas de transferência de renda, as diferenças entre pobres e ricos não caíram na mesma proporção da queda da pobreza. Quem já tinha muito dinheiro ganhou mais.
Uma vez, neste ano de 2020, eu estava conversando com um sargento, eleitor do ex-presidente, que teve sentença condenatória extremamente repudiada por uma parte da comunidade jurídica, principalmente, após a Vaza Jato. “Você quer que eu resuma o programa de governo de Lula?”, perguntou o policial a mim, acrescentando que a gestão do petista ‘botou rico e pobre pra ganharem mais. Quem era rico ganhou e quem era pobre ganhou’.
O posicionamento do eleitor faz sentido na medida em que grandes empresários aumentaram suas rendas no Brasil durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Porém membros da esquerda tendem a não relacionar os ganhos das pessoas de maior renda na gestão dele com o discurso antes de o petista chegar ao Planalto. De 1989 a 2002, as falas do ex-presidente foram se aproximando de um campo mais “centrista”, mais centro-esquerda, diferentemente de pronunciamentos antes dos anos 90, com uma pegada mais voltada para o campo progressista, mais “radical” na compreensão de apoiadores de direita. Não por coincidência, ele também não demonstrou, por exemplo, a disposição necessária para responder a questionamentos feitos pelo jornalista Glenn Greenwald sobre esquerda e o capitalismo, conforme publicou o Intercept Brasil, em 21 de maio do ano passado.
Socialismo x Neoliberalismo
O conflito com o neoliberalismo também faz a esquerda repensar o conceito de socialismo, uma reflexão que não necessariamente envolve um partido específico. Em julho de 2019, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), foi questionado sobre uma eventual incoerência em dizer que é comunista no contexto atual – de capitalismo. "Alguns querem que a tecnologia seja para poucos, nós queremos que seja para todos", respondeu ele no programa Segunda Chamada, disponibilizado no canal do Youtube MyNews. "Comunhão, justiça social são valores que devem ser sempre atualizados. Se a gente olhar que esses princípios são fora de moda, significa que a sociedade fracassou", disse.
Não se trata de fazer juízo de valor sobre a declaração, que citou a distribuição de mercadorias de forma mais justa como um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento de uma economia capitalista, o que é verdade. E o chefe do Executivo maranhense é um dos políticos mais inteligentes do campo progressista. Mas a comunicação dos integrantes da esquerda na esfera nacional terá de explicar um governo federal aquém do esperado no sentido de taxar grandes fortunas e os ganhos de grandes empresários nas gestões do PT. Essa dificuldade ficou evidente ao decorrer das administrações Lula e Dilma até 2016, quando a legenda sofreu um golpe.
A ideia do texto não é defender uma forma de governo ou outra. Agora fazer do socialismo uma discussão no campo moral – se foi mais positivo ou negativo na época da União Soviética (URSS) – é diferente de se analisar a totalidade dos fatos. Sem um regime socialista, a URSS seria invadida. E o crescimento de seus ideais teve como uma das principais causas a crise de 1929, também chamada de Grande Depressão, provocada pela superprodução de mercadorias nos Estados Unidos. Produtores tinham de vendê-las, mas faltavam mercados. Sem compra, a economia perdia credibilidade. Nos anos 40, a Segunda Guerra Mundial viria também com o objetivo de garantir mercados para as nações envolvidas nos conflitos.
A esquerda não precisa necessariamente falar em socialismo para combater e/ou ganhar uma determinada eleição. Dois motivos são a estagnação econômica (agravada pela pandemia), que dá vários motivos para críticas, e a falta de argumentos mais bem elaborados conceitualmente para explicar um eventual regime socialista. Sobre esse último item, algumas perguntas importantes seriam qual o caminho para atingir esta forma de governo e como funcionariam as instituições. Até porque discutir socialismo científico e socialismo real, de um lado, e o cenário socioeconômico global, do outro, requer anos de pesquisa pela comunidade acadêmica.
As bandeiras tidas como "radicais" por movimentos oposicionistas à esquerda devem continuar no imaginário popular e nas universidades. O mesmo vale para a direita em uma democracia. Agir para "matar" o conhecimento é assinar o recibo da ganância e das más intenções futuras. No entanto, além dos prejuízos em caso de uma política sectária nos dois campos ideológicos, o uso de conceitos históricos como socialismo e comunismo aumenta a responsabilidade de partidos teoricamente alinhados à classe trabalhadora de criar canais de diálogo, para ter detalhes e objetividade sobre como reelaborar expressões dentro do contexto atual.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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