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    Juca Simonard

    Jornalista, tradutor e professor de francês. Trabalhou como redator e editor do Diário Causa Operária entre 2018 e 2019. Auxiliar na edição de revistas, panfletos e jornais impressos do PCO, e também do jornal A Luta Contra o Golpe (tabloide unificado dos comitês pela liberdade de Lula e pelo Fora Bolsonaro).

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    A Frente Ampla é pelo “Fica Bolsonaro”

    A Frente Ampla é apenas uma manobra política. Isso ficou claro com o caso do PDT e do PSDB, que não querem o “Fora Bolsonaro”, mas buscam aproveitar-se da impopularidade do governo para crescer

    Ciro Gomes, Marina Silva e FHC, em debate pró Frente Ampla organizado pela Globo - 07/06/2020 (Foto: Reprodução)

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    Algumas semanas atrás, a esquerda comemorava a vitória da Frente Ampla quando foi assinado o manifesto “Estamos Juntos”, que supostamente seria em defesa da democracia e dos direitos democráticos. O manifesto, entretanto, destacou-se por dois motivos. O primeiro pelo fato de ter sido assinado tanto por lideranças da esquerda, quanto por articuladores do golpe de Estado contra Dilma Rousseff. As assinaturas vão desde Guilherme Boulos (PSOL) até Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com a presença de outros renomados golpistas, como Cristovam Buarque.

    Muitos elogiaram o documento. Outros, como o ex-presidente Lula e o PCO, denunciaram que o manifesto não colocava a luta contra o governo Bolsonaro e pela retomada dos direitos retirados pelo golpe. O PCO, acertadamente, foi mais longe e denunciou que a frente apenas resgataria politicamente setores da direita que são diretamente responsáveis por Bolsonaro e o crescimento da extrema-direita.

    A festa de muitos (não de todos, é claro…) acabou neste final de semana, quando um dos partidos que compõem a frente firmou posição clara contra o impeachment de Bolsonaro: o PSDB. O presidente dos tucanos, Bruno Araújo, disse em entrevista à Folha de S. Paulo, ser contra interromper o governo Bolsonaro, pois isso potencializaria uma crise no País. FHC, o “democrata”, também se colocou contra o Impeachment, mesmo tendo assinado o manifesto abstrato “em defesa de democracia”.

    Isso foi uma novidade apenas para aqueles que esqueceram o que é o PSDB. Recapitulando um pouco. Antes de Bolsonaro - e talvez ainda, pelo fato que ficaram 8 anos no governo - o partido foi responsável pelo governo que mais atacou os trabalhadores após a derrubada da ditadura militar. Em 1995, o então presidente FHC (um dos signatários dos “Estamos Juntos”) reprimiu brutalmente a greve dos petroleiros - uma das maiores da história - que lutava contra a privatização da Petrobras, o motor econômico do Brasil. A repressão oficializou, na prática, o fim do direito de greve no País. Se hoje, os tribunais dão multas milionárias aos sindicatos que realizam greves, o “democrata” FHC tem sua grande contribuição nisso. Isso sem falar nas privatizações, nas demissões em massa e na fome generalizada do interior nordestino.

    Mas enfim, não precisamos voltar no tempo para conhecer o caráter anti-popular e reacionário do PSDB. Em 2014, o PT ganha as eleições presidenciais pela quarta vez seguida, com Dilma. Pouco depois, o principal oponente da presidenta eleita, Aécio Neves (PSDB) pediu recontagem dos votos, afirmando as eleições terem sido fraudadas a favor do PT. O PSDB mostrava sua cara golpista, reforçando nos meses seguintes a campanha pelo impeachment de Dilma.

    Neste momento, o PSDB também aparece como uma das principais forças na organização dos atos contra o governo. Mas fica o problema: não existem militantes tucanos. Foi necessário então organizar a extrema-direita amarelista, a atual base do bolsonarismo. Se hoje temos nas ruas fascistas agredindo enfermeiras e militantes de esquerda, grande culpa disso é desses atos, que reuniram, além dos direitistas tradicionais, grupo neonazistas, skinheads fascistas, bolsonaristas e toda a escória do povo brasileiro. A linha dura dos fascistas cresceu ao ponto de se tornar uma das principais forças políticas do País atualmente.

    Complementando, todos os parlamentares do PSDB foram favoráveis ao impeachment, exercendo a linha de frente do golpismo. Desta forma, os “democratas” do PSDB são responsáveis pela articulação política que permitiu o crescimento do fascismo no Brasil, tendo apoiado a prisão do ex-presidente Lula, que foi fundamental no sentido de manobrar a fraude eleitoral que colocou Bolsonaro no poder. 

    Resumindo, são responsáveis pela extrema-direita e por um governo ilegítimo, e agora procuram se apresentar como “oposição”, mesmo mantendo-se a favor da permanência dos fascistas no poder.

    Como afirmou o presidente do PSDB em entrevista à Folha:

    “Entre Bolsonaro desconhecido e o PT, que nós conhecíamos profundamente, era preferível apostar num fio de esperança, que não funcionou, do que em algo que, na minha concepção e de muitos nossos, também não iria funcionar”. Em outras palavras, contra o PT, era preferível um fascista (e todos no meio político já sabiam quem ele era).

    A Frente Ampla do “Fica Bolsonaro” para eleger um inimigo dos trabalhadores

    A Frente Ampla, todavia, não se resume apenas a uma tentativa de fazer aliança com o PSDB. Até porque os tucanos entraram nesta empreitada recentemente (ou pelo menos, o anúncio foi mais recente). Inicialmente, a campanha começou em defesa de uma frente “de esquerda” com partidos que já não eram considerados de esquerda há muito tempo, mas que a esquerda teve o prazer de ressuscitar. A aliança seria com partidos como PDT, PSB e Rede.

    O PSB e o PDT, de Ciro e Cid Gomes, também foram favoráveis ao impeachment, e portanto são tão responsáveis quanto o PSDB pela ascensão de Bolsonaro e da extrema-direita. Marina Silva, principal liderança da Rede, igualmente. O PDT ainda apoiou a intervenção militar no Rio de Janeiro em 2017, que promoveu uma brutal repressão à população pobre carioca, fortalecendo a participação ativa das Forças Armadas na situação política.

    Mas enfim, alguns dirão que todos estes três partidos apresentaram pedidos de impeachment do Bolsonaro e outras ações parlamentares e judiciais contra o governo - e é fato. Para o ingênuo, isso seria uma prova de que são contra o bolsonarismo (mesmo se foram responsáveis pelo governo).

    A festa dos defensores da Frente Ampla foi mais uma vez golpeada quando, na última segunda-feira, 15, Cid Gomes, irmão de Ciro Gomes - considerado por muitos como seu porta-voz - também colocou-se contra o impeachment de Bolsonaro.

    "Eu, pessoalmente, sou contra. A nossa democracia é muito recente, pouco tempo contínua. Ela requer um aprendizado, e o mecanismo de afastar, pressão, impeachment, sempre foi usado por forças dominantes no país", disse em entrevista ao UOL para os colunistas Carla Araújo e Tales Faria.

    Ou seja, por um lado, o PDT apresenta um pedido de impeachment; por outro lado, um dos senadores do partido (que votaria o pedido no Congresso, uma vez pautado) coloca-se abertamente contra. Não há outra conclusão de que o PDT apresentou o impeachment para ganhar capital político com o crescimento do “Fora Bolsonaro”, mas que na realidade não querem que a medida vá adiante. Oportunismo puro. 

    A posição da oligarquia dos Gomes no Ceará é reforçada pelo governador petista, Camilo Santana. Para quem não sabe, Santana faz parte da ala direita do PT e sua vitória no Ceará se dá principalmente pela sua profunda aliança com a oligarquia estadual de Ciro, Cid e sua família. Durante sua campanha eleitoral, em 2018, o candidato à reeleição chamou para participar de seus comícios Cid Gomes, que como bom sabotador e abutre desferiu ataques contra o próprio PT e declarou “Lula está preso, babaca” aos apoiadores do ex-presidente, preso político da Lava Jato (que, vale salientar, os Gomes defenderam).

    A tese é simples: a Frente Ampla é apenas uma manobra política. Isso ficou claro com o caso do PDT e do PSDB, que não querem o “Fora Bolsonaro”, mas buscam aproveitar-se da impopularidade do governo para crescer.

    Manobra eleitoral

    Qual seria, então, o sentido deste Frente Ampla? Como destaquei recentemente em artigo sobre a frente ampla da campanha por “Diretas Já”, na época da ditadura, geralmente o objetivo é dar uma sobrevida para setores do regime vigente, que sairão mais fortes com o apoio dado pelas organizações ligadas à luta popular (isto é, a esquerda).

    Assim como naquela época, existem os partidos integrantes do regime golpista. Na época, era o MDB - junto com diversas frações do stalinismo. Atualmente, são todos aqueles que se colocaram em defesa do impeachment de Dilma e da prisão de Lula, abrangendo desde Ciro Gomes ao próprio Jair Bolsonaro.

    A manobra, por sua vez, também consiste no mesmo: fazer uma oposição de mentira, puramente parlamentar e institucional, contra o atual governo, enquanto aliam-se com setores da esquerda. Uma forma de ganhar capital político para estes partidos que, indo contra a maré da radicalização (polarização, se preferirem), estão totalmente falidos - uma vez que direita se organiza no fascismo e a esquerda está cada vez mais radicalizada querendo combater os responsáveis pela política de terra arrasada e repressão.

    O pedido de impeachment de Bolsonaro do PDT iguala-se à proposta parlamentar por eleições diretas do MDB. Finalmente, Ciro Gomes não quer o impeachment, da mesma forma que Tancredo Neves não queria “Diretas Já”. Igualmente, assim como a “Diretas Já” serviu como palanque político para defender a manutenção de inimigos dos trabalhadores (responsáveis pela ditadura militar) no poder - com outra face, naturalmente - a campanha “contra Bolsonaro” da frente ampla servirá para manter os responsáveis pelo golpe na presidência com o aval da esquerda.

    A direita quer o governo Bolsonaro sem Bolsonaro. Apenas isso. Isso fica absolutamente claro na declaração do presidente do PSDB à Folha. Após ter se colocado contra o “Fora Bolsonaro”, Araújo disse que a candidatura de João Doria para a Presidência em 2020 “está colocada”, sem afirmar oficialmente.

    “O nosso papel é que, em 2022, possamos chegar com uma frente construída”, afirmou. “O PSDB quer participar de um conjunto de discussões de partidos políticos e da sociedade, que acredite que nós possamos chegar com uma alternativa fora do bolsonarismo e fora do lulopetismo” (com ‘lulopetismo’ leia-se que podem apoiar algum setor do PT, mas o Lula - que não assinou o manifesto frenteamplista - de jeito nenhum).

    Fica muito claro com isso que o objetivo da (extremamente recente) “oposição” de Doria a Bolsonaro tem objetivo puramente eleitoral. E é isso que pensam todos os articuladores da Frente Ampla, de Dino ao PSDB. O governador de São Paulo, porém, foi eleito por meio da campanha BolsoDoria - slogan que ele mesmo criou para se comparar com o fascista. E da mesma forma, usou o tempo eleitoral para atacar as organizações de esquerda, como o PT, a CUT, o MST e assim por diante. Ou seja, se for eleito, será um governo Bolsonaro com Doria à frente.

    Finalmente, a frente vai servir para manter Bolsonaro até 2022 e buscar eleger algum inimigo dos trabalhadores, que manterá o centro da política bolsonarista, sendo que sem Bolsonaro e com o apoio da esquerda - portanto, será um governo Bolsonaro ainda mais forte, pois não enfrentará tanta oposição. A Frente Ampla brasileira, então, é eleitoral e quer o “Fica Bolsonaro” e da manutenção do regime golpista.

    Apenas como objetivo de constatação… Alguém ainda duvida que, assim como em 2018, se for a ala “lulopetista” (por mais que não seja Lula) contra o bolsonarismo nas eleições de 2022, a Frente Ampla fará de tudo para manter o bolsonarismo por mais quatro anos?

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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