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    José Álvaro de Lima Cardoso

    Economista

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    A grande empulhação do debate sobre juros e inflação no Brasil

    Juros altos não controlam inflação nem déficit; só enriquecem bancos e especuladores, agravando problemas. Esse é o jogo em prática no Brasil

    Inflação sobe em setembro em todas as faixas de renda, aponta Ipea (Foto: Joédson Alves/Agência Brasil)

    Por decisão unânime, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BCB) aumentou os juros em 1 ponto percentual no dia 11 de dezembro, levando a Selic (taxa básica de juros da economia) ao patamar de 12,25%. O aumento foi cantado em prosa e verso antes da reunião, dentre outras razões pela depreciação do real, que por sinal acelerou depois que o governo apresentou o pacote de redução de gastos, ao final de novembro. A especulação com o câmbio foi um sinal de que o chamado “mercado” desaprovou o pacote, decepcionado com o nível de corte de gastos sociais, que queria mais profundo.

    Com taxa nominal Selic em 12,25% o Brasil assumiu o segundo lugar no infame ranking dos maiores juros reais do planeta. O atual patamar de juros reais (após o desconto da inflação) no Brasil é de 9,48%, atrás apenas da Turquia, com taxa de 13,33%. A Rússia, que enfrenta uma guerra que completará três anos em fevereiro, caiu para a terceira posição, com taxa real de 8,29%. O Copom já avisou que a tendência é de alta de mais um ponto percentual nas próximas duas reuniões, agendadas para janeiro e março. O Brasil, provavelmente, encerrará o primeiro trimestre de 2025 com taxa de juros nominais em torno de 15% e, quem sabe, no topo do ranking mundial dos juros. Com Gabriel Galípolo, o novo presidente, e tudo.

    A condição do Brasil, de segunda maior taxa de juros do planeta, se refere à taxa básica de juros na economia. No varejo, para as transações do dia a dia, os juros cobrados no país são, de longe, os mais elevados do mundo. Segundo o Banco Central, o juro médio total cobrado pelos bancos no rotativo do cartão de crédito estava, em novembro, em 445,8% ao ano. A taxa do parcelado estava em 183,3% ao ano, no mesmo mês. Não há nada parecido em todo o mundo. A taxa máxima de juros no rotativo, ao ano, em alguns países é: EUA (17,03%); Turquia (24,27%); Rússia (27,9%); Índia (30%). Mesmo na Argentina, cuja economia está sendo arrebentada pela motosserra de Javier Milei, lá conhecido como “El Loco”, essa taxa é menor que a do Brasil: 53,2% ao ano.

    O Conselho Monetário Nacional (CMN) determinou que a meta para a inflação para 2025 é de 3%, mesmo percentual do ano passado, com intervalo de tolerância, para mais ou para menos, de 1,50 ponto percentual em relação à meta; ou seja, a inflação pode variar entre 1,50% e 4,50% e se manter dentro da meta. Os representantes do BCB têm afirmado que o tamanho do arrocho monetário irá depender do retorno da inflação à meta. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), índice oficial de inflação, está em 4,87% em 12 meses (dezembro de 2023 a novembro de 2024), ou seja, pouco acima da meta, incluída a faixa de tolerância. Isso significa que o BCB irá manter a taxa de juros brasileira nas alturas, ou até aumentá-la, enquanto a inflação não convergir para o centro da meta.

    O argumento dos membros do Copom é que o cenário internacional no que diz respeito à inflação, se deteriorou, havendo mais fatores que podem provocar uma alta dos preços. Parar justificar a hipótese o Copom menciona a piora nas “expectativas” dos “agentes econômicos” (entenda-se aqui economistas ligados ao setor financeiro e às grandes empresas em geral). A tese que está por detrás do aumento dos juros é que o aumento da demanda, acima da capacidade de oferta, ou seja do atendimento à essa demanda, provoca o aumento de preços. Porém, teríamos que discutir se a tese é correta, ou seja, se a inflação no Brasil, essencialmente, decorre de um excesso de demanda por bens e serviços.

    O aumento generalizado de preços (também conhecido como inflação) é um fenômeno multicausal, ou seja, possui inúmeras causas, que variam no espaço e no tempo. Por exemplo, a inflação na Argentina, que é a mais elevada do mundo neste momento, chegou a 166% em 12 meses. Nesse caso, uma razão central e direta da inflação foi a retirada de subsídios fundamentais, pelo governo de Javier Milei, às tarifas de água, gás, luz, transporte público etc. Como se trata de serviços essenciais, dos quais ninguém pode prescindir, o efeito multiplicador da medida sobre o conjunto dos preços é enorme. Mas essa, sabidamente, não é a razão da inflação na Turquia (47,09% em novembro), que tem seus próprios determinantes.

    Sabidamente a redução da oferta de determinados produtos, em relação à demanda, aumenta os preços desses produtos. Na cesta básica de alimentos, os produtos que dependem do ciclo agrícola são casos típicos de elevação de preços em decorrência da menor oferta do produto. A situação clássica, em se tratando de produtos alimentares básicos, é a do tomate, que pode aumentar 50% em um mês e reduzir 40% no mês seguinte, em ambos os casos, pelas diferentes combinações entre oferta e procura do produto, em geral por variações de oferta (no caso, safra). Mas tais desequilíbrios são pontuais tanto no tempo, quanto em relação aos produtos afetados. O fato de a batata inglesa aumentar 100% em um mês não significa que a inflação vai aumentar nessa magnitude, porque o peso desse item na composição dos preços é modesto.

    É exatamente por esses aspectos sazonais e outros, que é recomendável que os países disponham de políticas adequadas para enfrentar os problemas. O Brasil dispõe, por exemplo, da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), empresa pública que opera na gestão de políticas agrícolas e de abastecimento, que, dentre outras, tem as funções de manter o abastecimento interno e atenuar as oscilações de preços decorrentes da sazonalidade, acidentes climáticos etc., através dos chamados “estoques reguladores”. Porém, desde meados da década passada, a política de estoques reguladores e os esquemas de armazenamento foram sendo desmontados pela lógica da liberdade de preços e do ajuste fiscal.

    O raciocínio básico da defesa dos juros altos para controle da inflação é o de que juros altos encarecem o custo do dinheiro, o custo do crédito. Isso estimularia empresas e famílias a adiarem o consumo e investimentos, reduzindo a demanda por bens e serviços, esfriando um pouco a economia. Mas a maioria da população brasileira, ou pelo menos uma parte expressiva dela, estaria consumindo em excesso, a ponto de a elevação dos juros ter o efeito de reduzir expressivamente o consumo? Será que esse diagnóstico é verdadeiro no Brasil nesse momento? Teria problemas de excesso de demanda um país no qual quase 30% da população tem seu rendimento referenciado no salário-mínimo e cerca de 54 milhões de pessoas (acima de um quarto da população) dependem do Bolsa Família para não passar fome?

    É muito irrealista imaginar que, numa economia como a brasileira - dominada por grandes empresas, boa parte estrangeiras - a relação entre preços e juros seja uma relação direta. Por exemplo, o grau de ociosidade existente na economia, ou seja, o potencial de capacidade produtiva que não é utilizado, é fator importante na formação de preços de uma economia, portanto na definição do nível inflacionário. Como é conhecido, o Nível de Utilização da Capacidade Instalada da Indústria (Nuci) em dezembro, foi de 81,1%, o que significa que o Brasil trabalha com quase 20% de ociosidade na indústria.

    Além disso, todo o debate sobre juros e inflação, que se assiste na imprensa econômica, é realizado com base em uma absoluta empulhação: a de que as variações de preços são definidas pela oferta e demanda, que funcionariam tal como no capitalismo do século XIX. Como é fartamente conhecido, há uns 150 ano, as chamadas commodities, essenciais para a economia mundial (energia, minerais, alimentos), são dominados por grandes oligopólios, ou monopólios, que definem os preços através de mecanismos especulativos e políticos, e a nível mundial. O poderio dessas imensas transnacionais, que obtém lucros superiores à produção de riqueza da maioria das economias do mundo, os países não têm como enfrentar individualmente. Todo o debate sobre inflação e juros, em um país subdesenvolvido e dependente como o Brasil, é dominado pelos interesses desses grandes grupos econômicos, que operam a partir de uma estratégia mundial.

    Muito claramente, uma taxa de juros escorchante como a praticada no Brasil provoca mais danos à economia, do que resolve os problemas. Teoricamente, a elevação dos juros inibiria o consumo por conta do custo do crédito, levando à perda de receita por parte das empresas, que, ao vender menos, são forçadas a demitir trabalhadores. Com desemprego mais elevado, as empresas investem menos e são forçadas a diminuir preço, ou mantê-los para vender seus estoques. Nesse cálculo, esse processo levaria à redução da inflação.

    Resulta que a inflação no país é muito mais de custos do que demanda. Por exemplo, o Brasil tem uma inflação de alimentos de 7,63%, que é a quinta maior do G-20, atrás apenas da Argentina (147%); Turquia (43,58%); Rússia (9,85%); e Índia (9,04%). Certamente a inflação de alimentos no Brasil não decorre de um excesso de demanda, já que o Brasil está entre os três maiores produtores de alimentos do mundo, ao lado da China e EUA. A desvalorização cambial, por exemplo, tende a ter muito mais impacto na inflação, do que um suposto excesso de demanda em relação à oferta. Os preços das commodities agrícolas (carnes, soja e derivados, café, milho e outros) está dolarizada, por sua vinculação (e dos grandes produtores domésticos) ao mercado internacional.

    O real foi uma das moedas que mais se desvalorizou no mundo em 2024, com queda de 21,82% perante o dólar. Entre os países do G20 foi a moeda que mais se desvalorizou. Também foi a 6ª que mais perdeu valor entre 118 divisas mundiais, não tendo sido pior apenas que as moedas de Sudão do Sul (-72,0%), Etiópia (-56,5%), da Nigéria (-41,7%), do Egito (-39,2%) e da Venezuela (-30,8%).

    A desvalorização da moeda nacional é uma benção para as empresas exportadoras, que têm seus produtos rapidamente barateados em dólar em decorrência da desvalorização (no caso de exportadores de manufaturas). No caso de exportadores de commodities (agrícolas, minerais ou energéticas), cujos preços são dados pelos mercados internacionais, a desvalorização aumenta sua rentabilidade em moeda nacional. A cotação do dólar decorre da oferta e demanda da moeda. Quando há uma elevação do preço dessa moeda, é sinal de que há uma escassez no mercado de moedas; quando cai o preço do dólar, seria o momento de enxugar o mercado, ou seja, reduzir a oferta da moeda para estabilizar o seu preço.

    O sistema de câmbio no Brasil é o flutuante sujo, isto é um tipo de controle cambial que permite ao BCB intervir no mercado de câmbio, no sentido de evitar a volatilidade da taxa de câmbio. Esse tipo de câmbio é muito comum nos países subdesenvolvidos, que dependem das moedas fortes, especialmente o dólar, para suas transações comerciais e financeiras. O preço da moeda nacional não pode oscilar demais em relação ao dólar, que é a principal moeda de referência no mercado de câmbio mundial, apesar da perda de prestígio nos últimos anos.

    Para intervir no mercado de câmbio, o BCB dispõe de alguns instrumentos. O Brasil dispõe de reservas internacionais de US$ 332,306 bilhões, que, apesar da queda recorde no final de 2024, são muito expressivas. A operação mais comum do BCB para intervir no mercado de câmbio é o swap cambial, na qual o BCB promove a troca de posição quando há riscos para os investidores. No mecanismo de swap, o BCB se compromete a pagar ao detentor a variação do dólar, acrescida de uma taxa de juros (cupom cambial). Em contrapartida, o BCB recebe a variação da taxa Selic do mesmo período. A operação não envolve dólares físicos, é toda feita em reais. Ou seja, o mecanismo de swap cambial é um adicional à utilização (venda direta) de reservas.

    O fato é que, apesar do Banco Central dispor de mecanismos para controlar a especulação com o dólar, a partir do agravamento da situação, principalmente de novembro em diante, a política do banco foi de omissão, até os últimos dias de 2024. Só a partir da semana que antecedeu ao Natal o BCB interveio no mercado de câmbio, realizando leilões de dólares. A disparada do dólar, em típico movimento especulativo liderado por grandes empresas, encurralou o ministério da Fazenda, que acabava de divulgar o pacote fiscal. Ademais, criou as condições para justificar a continuidade da trajetória de aumento da taxa Selic nos próximos meses.

    Enquanto nos distraímos, calculando quanto será a perda de massa salarial, decorrente do novo mecanismo de correção do salário-mínimo trazido pelo pacote fiscal, o país se prepara para desembolsar cerca de R$ 1 trilhão anual com despesas de juros da dívida pública, marca que pode ser atingida já no primeiro trimestre de 2025. Juros estratosféricos, não resolvem sequer uma vírgula do problema inflacionário, ou do déficit público no Brasil, pelo contrário os agravam muito. Porém, são uma verdadeira mina de ouro para bancos e especuladores em geral, que é única no mundo. Esse é o jogo que está valendo.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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