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Pedro Desidério Checchetto

Psicologo Clínico, Pesquisador em Psicologia Social e Professor Universitário. Doutorando em Psicologia Social pela PUCSP/URV - Espanha

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A ideia de “controle emocional” na boca de picaretas serve a quem?

"O modelo econômico atomizado, desregulamentado e potencializado pelo algoritmo tem gerado um descolamento do meio em que se vive"

Pablo Marçal (Foto: Reprodução/YouTube/Jornalismo TV Cultura)

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Após assistir às grotescas cenas do debate para a prefeitura de São Paulo, no qual Datena se descontrolou ao ser ironicamente acusado de estuprador, abusador e covarde pelo estelionatário Pablo Marçal, vi seu exército robótico na internet insistir que Datena não tinha o “controle emocional” necessário para exercer o cargo ao qual está concorrendo.

Para além do ocorrido no debate da TV Cultura, no qual Datena alegou que a falsa acusação gerou tanto transtorno que acabou causando a morte de sua sogra, analisemos de que forma essa noção de "controle emocional" tem sido dissimuladamente usada sob o disfarce de inteligência. 

Em primeiro lugar, o uso desse conceito parte de uma premissa equivocada: a de que todas as pessoas possuem, de maneira inata e irrestrita, a capacidade de gerir suas emoções de forma isolada e padronizada, desconsiderando a influência de fatores externos, como condições de vida, trabalho, desigualdades econômicas, e a pressão de uma cultura que valoriza a produtividade acima do bem-estar. Essa visão contribui para a naturalização do sofrimento psíquico como um fracasso exclusivamente pessoal, quando, na verdade, ele é frequentemente o reflexo de condições sociais adversas. O pano de fundo ultraliberal por trás dessa ideia é evidente.

Além disso, essa visão reforça uma postura de negação do "outro" e do "comum". Ao promover a ideia de que a solução para problemas emocionais está no indivíduo e em sua capacidade de autocontrole, essa abordagem desvaloriza as interações coletivas e a importância das redes de apoio. Ela reduz as relações humanas a contratos egoístas e competitivos, ignorando que o bem-estar emocional também está profundamente ligado à construção de vínculos, solidariedade, e à existência de uma comunidade.

O "equilíbrio emocional", como propagado por esses coachs, é mais um produto que favorece a alienação e a despolitização, tornando as pessoas menos propensas a enxergar as causas de seu sofrimento no sistema em que estão inseridas, enquanto fortalece o individualismo e o conformismo. Em vez disso, a verdadeira saúde emocional deveria englobar o reconhecimento da nossa interdependência, da necessidade de mudança social, e do direito de expressar indignação e resistência frente às injustiças.

Parte da Psicologia também tem se alinhado com essa lógica. O modelo econômico atomizado, desregulamentado e potencializado pelo algoritmo tem gerado um descolamento do meio em que se vive. Não à toa, quanto mais falamos sobre prevenção à saúde mental, setembro amarelo, e conscientização, além dos imperativos como “faça terapia”, mas aumentam os índices de medicalização, burnout e crises de ansiedade.

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