A militarização das escolas públicas não é o caminho
A militarização das escolas não é o caminho. É a educação pública, gratuita, laica, democrática, inclusiva e de qualidade social que oferece formação ampliada para os sujeitos que vão transformar nossa realidade
A educação de qualidade, que fomenta a humanização de cada pessoa, é capaz de transformar vidas. Muito além de um espaço para aprender a ler e escrever, uma escola deve ser lugar de liberdade, de livre expressão, que instigue a criatividade, a autoria, a produção de conhecimentos científicos, artísticos e tecnológicos, o senso crítico e a convivência humana solidária. A escola é o lugar onde nossas crianças, adolescentes, adultos/as e idosos/as podem sonhar, desenhar, falar ou escrever sobre a construção de uma nação justa, autônoma e com desenvolvimento socioambiental. Portanto, a escola não pode ser local de silenciamento. Não por acaso, nosso patrono da educação, Paulo Freire, educador celebrado mundialmente, afirmava que o ensino precisa ser emancipatório: “a escola não transforma a realidade, mas pode ajudar a formar os sujeitos capazes de fazer a transformação, da sociedade, do mundo, de si mesmos[1]”. Nós, educadores/as, acreditamos que o ensino, antes de tudo, é um ato de amor e respeito aos saberes e às culturas produzidas por diferentes sujeitos ou grupos sociais, estruturado pelo diálogo.
Mas esta educação que batalhamos para construir, e que está ancorada na legislação vigente, nas experiências dos/as profissionais e nos resultados de pesquisas desenvolvidas por pesquisadores/as da área da educação, está em risco. Na semana passada, trabalhadores/as da escola municipal Hilda Leão Carneiro, localizada no bairro Morumbi, denunciaram a decisão do governo municipal de transformar a escola em uma unidade cívico-militar. Do dia para noite, literalmente, a comunidade escolar foi informada da mudança e receberam uma cartilha recheada de normas e condutas do novo modelo escolar. Trabalhadores/as começaram a ser afastados/as para que militares da reserva pudessem ser contratados/as. Mal completamos um mês desde a vinda do presidente à Uberlândia, e uma série de medidas de censuras e militarização foram colocadas em prática. Começou com as intimidações de pessoas contrárias ao presidente nas redes sociais até a implementação de um aparato militar na periferia, que é a escola cívico-militar.
Impor a “pedagogia dos quartéis” nas escolas não é solução para os problemas da educação pública. Em primeiro lugar, a implementação deste modelo fere as diretrizes do Plano Municipal da Educação, que estabelece que haja democratização dos processos educativos e da gestão escolar, bem como a autonomia intelectual dos/as alunos/as. Além disto, colocar militares da reserva como monitores/as didáticos-pedagógicos, educacionais e administrativos sem formação adequada na área vai ao contrário do citado no Plano Municipal da Educação, que orienta a criação de planos de cargos e carreiras que valorizem, estimulem a permanência, e formem continuamente os/as trabalhadores/as da área. Ou seja, profissionais com formação inicial e continuada em educação, terão militares, leigos em pedagogia, como monitores do seu trabalho. Vale ressaltar que o aporte financeiro destinado para a implementação desta escola é voltado para contratação de militares, não para aumentar a remuneração de professores/as.
O argumento usado por defensores/as da escola militar, de que a disciplina resolveria a violência no âmbito escolar, é raso. A violência que se reproduz em escolas faz parte de um contexto social de desigualdade e exaltação da violência, vide o entusiasmo do próprio presidente com a liberação de armas. Não podemos imaginar que a escola por si só resolva um problema decorrente do sistema vigente. A lógica do controle e restrições das liberdades de expressões de alunos/as e professores/as vai ao contrário do expresso nos princípios orientadores da rede municipal de ensino, que visam uma formação humana para a cidadania, a autonomia, a criticidade, a reflexão, o desenvolvimento de potencialidades e da criatividade. Para constar: disciplina não é sinônimo de silenciamento. Regras como corte de cabelo padrão, proibição de adereços, ou impedimento de manifestações políticas, só corroboram para uma padronização estética e censura. E são normas recorrentes, ao ponto do ministério Público Federal da Bahia em 2019 determinar que as escolas cívico - militares estaduais não interferissem na vida privada dos/as alunos/as.
Ainda assim, muitos acreditam que a escola cívico-militar é o melhor modelo educacional baseado nos índices de aprovações e notas, sem a compreensão do por que destes resultados. Esse resultado, observado principalmente em escolas goianas, não leva em consideração que há reserva de vagas para filhos de militares e que são cobradas taxas “voluntárias” para uniformes e manutenção dos colégios. Tampouco os processos de exclusão no momento de destinação de vagas. Ou seja, o que ocorre na prática é a criação de uma escola pública elitizada, em que a condição profissional e econômicas das famílias são critérios de seleção. Na cartilha da escola-cívico militar é expresso que alunos com “maus” comportamentos serão transferidos, logo crianças e adolescentes que não se adequam as normas são excluídos da escola, o que é uma atitude que fere diretamente sua autoestima e diverge das bases da educação nacional, Lei nº 9.394, que prevê “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”.
Por esta série de problemáticas, concluímos que a militarização das escolas não é o caminho. É a educação pública, gratuita, laica, democrática, inclusiva e de qualidade social que oferece formação ampliada para os sujeitos que vão transformar nossa realidade, por isto não abrimos mão do ensino crítico, criativo e emancipatório. O ensino militar vai na contramão do que significa a educação transformadora de mentes e corações. E neste cenário de tanta dor, morte, é a esperança de que juntos e juntas vamos construir um amanhã melhor que nos move. E este novo amanhã começa dentro de uma escola que humaniza e rejeita as violências como estratégias pedagógicas.
[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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