A nossa saúde ou o lucro do agronegócio?
A realidade é que, enquanto os países desenvolvidos caminham, cada vez mais, para a agricultura sustentável, o PL do Veneno pretende transformar o Brasil no grande lixão de agrotóxicos do mundo
*Escrito com José Agenor Álvares da Silva, assessor da FioCruz / Brasília, ex-ministro da Saúde e diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
O avanço da tramitação, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei que estabelece um novo marco regulatório para o uso de agrotóxicos no Brasil representa um risco iminente para a segurança dos alimentos consumidos em nosso país. Caso aprovado, o projeto também irá expor milhares de trabalhadores rurais e de pessoas que vivem ou trabalham nas imediações das áreas tratadas a agravos de saúde irreparáveis.
Ao retirar a competência regulatória da Anvisa e do Ibama sobre o tema, o PL do Veneno ignora os efeitos noviços que os agrotóxicos podem gerar na saúde das pessoas e no meio ambiente. Não é razoável que, sob o argumento da morosidade dos órgãos públicos em liberar a entrada de novos agrotóxicos no mercado nacional, seja aberta a possibilidade de nossos campos serem inundados por produtos que comprovadamente causam câncer, malformação em fetos, desregulação endócrina, desiquilíbrios permanentes em ecossistemas, entre outros.
Por definição, o agrotóxico é um produto químico aplicado de forma proposital para matar uma determinada praga. A linha que separa os benefícios do uso desses produtos e os efeitos maléficos que eles podem causar na saúde e no meio ambiente é muito estreita. Justamente por isso, a atual legislação do setor prevê que agrotóxicos só podem ser autorizados se forem eficazes no combate a pragas específicas, sem destruir o meio ambiente e o alimento tratado, nem deixar resquícios em quantidades tóxicas para os consumidores.
Daí o entendimento da necessidade da atuação integrada de três esferas de governo na regulação do tema: agricultura, saúde e meio ambiente. Do ponto de vista da saúde, a segurança da qualidade dos alimentos, se baseia nos conhecimentos científicos e na observação dos efeitos tóxicos, agudos e crônicos que os resíduos desses produtos podem gerar nas pessoas. Os efeitos agudos aparecem nos trabalhadores rurais e as doenças crônicas podem ocorrer em pessoas que se expõem a pequenas doses durante um tempo prolongado.
Por isso, na questão da intoxicação aguda, a Anvisa estabelece quais métodos de aplicação e quais equipamentos de proteção devem ser utilizados para manipulação de um determinado agrotóxico. No campo das doenças crônicas, determina o limite máximo de resíduos de agrotóxicos em alimentos e a quantidade total de cada agrotóxico que pode ser ingerido diariamente pelas pessoas, sem que haja risco para sua saúde.
Tratam-se de medidas protetivas fundamentais para que os agrotóxicos sejam utilizados de maneira segura, sem comprometer a saúde dos consumidores e dos próprios trabalhadores rurais. Mesmo assim, os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações Tóxico- Farmacológicas, de 2016, revelam que 39% dos óbitos por intoxicação humana no país foram por agrotóxicos.
O que os defensores do PL do Veneno não falam é que, uma vez concedidos, o registro de novos agrotóxicos, no Brasil, tem prazo eterno, enquanto na Europa tem validade de 10 anos e nos Estados Unidos de 15 anos. Ademais, o tempo de análise de avaliação toxicológica por parte da Anvisa é compatível com o de demais países, sendo de três anos para produtos de maior complexidade e de três meses para os de menor complexidade.
Nesse quesito, o gargalo entre o Brasil e os demais países está no tempo em que o processo passa parado na fila. Entretanto, não se pode desconsiderar que os Estados Unidos, por exemplo, dispõem de 750 funcionários para analisar processos de agrotóxicos e a Anvisa conta com pouco mais de 30 servidores. A diferença entre as taxas de primeiro registro também é gritante. No Brasil, esses valores chegam até U$ 1mil, nos Estados Unidos são de até US$ 600 mil e no Reino Unido de até US$ 300 mil.
A realidade é que, enquanto os países desenvolvidos caminham, cada vez mais, para a agricultura sustentável, que agrega valor ao produto por meio do uso de tecnologia no campo, do manejo integrado, do aperfeiçoamento do vazio sanitário e da priorização do uso de produtos com menor toxicidade, o PL do Veneno pretende transformar o Brasil no grande lixão de agrotóxicos do mundo. Manter e fortalecer a atuação dos órgãos de saúde e do meio ambiente na regulação dos agrotóxicos é assegurar o bom funcionamento do Estado. Acima de tudo, é não negligenciar as futuras gerações e garantir uma sociedade em que os lucros do agronegócio não sejam mais importantes que a saúde das pessoas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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