A 'Nova Equação' do Irã vai muito além do Oeste Asiático
"Um Santo dos Santos foi esmagado na Terra Santa quando o Irã deu uma resposta bastante comedida e altamente coreografada ao ataque terrorista de Israel"
Um Santo dos Santos foi esmagado na Terra Santa quando o Irã deu uma resposta bastante comedida e altamente coreografada ao ataque terrorista de Israel à residência de seu cônsul/embaixador em Damasco, uma evisceração de fato da imunidade diplomática colocada na Convenção de Viena.
Esse divisor de águas irá interferir diretamente na maneira como o sistema anglo-americano administrará suas conflagrações simultâneas com Rússia, China e Irã – três dos principais membros dos BRICS.
O problema central é que as escaladas já estão incorporadas – e serão difíceis de eliminar. A Guerra de Cancelamento Total contra a Rússia; o genocídio em Gaza – com sua política explícita magistralmente decodificada pelo Professor Michael Hudson; e o desacoplar/configurar o terreno contra a China não irão simplesmente desaparecer – enquanto todas as pontes de comunicação com Maioria Global continuam a ser incendiadas.
Mas a mensagem iraniana de fato estabelece uma "Nova Equação" – como Teerã a batizou, e prevê muitas outras surpresas vindas do Oeste Asiático.
O Irã queria mandar – e de fato mandou – uma mensagem clara. Nova equação: se a entidade bíblica psicopata insistir em atacar os interesses iranianos, de agora em diante o contra-ataque atingirá o território de Israel. E tudo em uma questão de "segundos" - uma vez que o Conselho de Segurança de Teerã já liberou todos os procedimentos.
No entanto, a escalada parece inevitável. Segundo o antigo primeiro-ministro de Israel Ehud Barak: "Netanyahu é influenciado por seus parceiros políticos [fundamentalistas] que querem que ele mantenha a escalada a fim de se sustentar no poder e acelerar a chegada do Messias".
Compare-se a isso a afirmação do Presidente iraniano Raisi: "O menor ato contra os interesses de Teerã provocará uma resposta maciça, ampla e dolorosa a todas as suas operações".
Adeus a seu "invencível" labirinto de defesa
Para a Teerã, regular a intensidade do choque que ocorre no Oeste Asiático entre Israel e o Eixo da Resistência e, simultaneamente, estabelecer uma contenção estratégica para substituir a "paciência estratégica", implicou o lançamento de uma onda tripla: um enxame de drones abrindo caminho para mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos.
O desempenho dos tão alardeados Iron Dome, Arrow-3 e David's Sling – apoiados por jatos de combate e pela força naval dos Estados Unidos e do Reino Unido – não foi exatamente brilhante. Não há vídeos da "camada externa" do sistema Arrow-3 abatendo coisa alguma no ar.
Pelo menos nove mísseis balísticos penetraram a densa rede de defesa israelense e atingiram as bases Nevatim e Ramon. Israel não pronunciou uma única palavra sobre o destino de suas instalações de inteligência nas Colinas de Golan – atingidas por mísseis de cruzeiro.
Em meio ao clássico nevoeiro de guerra, é irrelevante se Teerã lançou centenas ou dezenas de drones e mísseis. Apesar das mentiras da mídia do OTANistão, o que ficou provado além de qualquer dúvida é que o supostamente "invencível" labirinto de defesa de Israel – indo desde sistemas AD/ABM de fabricação estadunidense até falsificações israelenses – são indefesos em uma guerra real contra um adversário tecnologicamente avançado.
O que foi alcançado por uma única operação fez com que muitos cenhos profissionais se franzissem. O Irã forçou Israel a esvaziar furiosamente seu estoque de interceptadores e a gastar pelo menos 1,35 bilhões de dólares – ao mesmo tempo em que viu se estilhaçar por completo seu domínio de escalada e sua estratégia de contenção.
O golpe psicológico foi ainda mais violento.
Como seria se o Irã tivesse lançado uma série de ataques sem um generoso aviso prévio de diversos dias? Como seria se os Estados Unidos, o Reino Unido, a França e a – traiçoeira – Jordânia não estivessem preparados para uma defesa coordenada? (O fato surpreendente de esses países terem usado poder de fogo em benefício de Tel Aviv não foi de modo algum analisado). Como seria se o Irã houvesse atingido seriamente alvos industriais e de infraestrutura?
Criando uma equação sem perturbar a pivotagem
Como seria de se prever, não houve o mínimo debate em todo o OTANistão sobre o súbito colapso do Mito da Fortaleza Israel – que embasa o mito maior de o sionismo oferecer Segurança Impenetrável aos habitantes de Israel. Isso acabou. Essa narrativa mentirosa está morta e enterrada.
O Irã, de sua parte, não dá a mínima importância às narrativas do OTANistão. A mudança rumo à Nova Equação, na verdade, foi generosa o bastante a ponto de oferecer a Tel Aviv uma rota de fuga para evitar a escalada – rota que não será tomada para o risco de Israel.
Para Tel Aviv, tudo o que aconteceu até agora mostra que houve Derrota Estratégica por todo o espectro: em Gaza, no Líbano, na economia entrando em colapso, na total perda de legitimidade aos olhos do mundo e, agora, com a dolorosa perda da contenção.
Todos os olhos agora se voltam para o que irá acontecer em seguida: ficará finalmente claro se o Hegêmona prevalecerá ou se é Israel que comanda o show do "abana o cachorro"?
É de importância essencial levar em conta a visão da parceria estratégica Rússia-China. O consenso entre os acadêmicos chineses é que o Hegêmona prefere não comprometer recursos demais no Oeste da Ásia, uma vez que isso afetaria o Projeto Ucrânia já em colapso e o planejamento estratégico de se contrapor à China na Ásia-Pacífico.
Quando se trata da Rússia, o Presidente Raisi, em pessoa, ligou para o Presidente Putin, e os dois discutiram todos os detalhes relevantes por telefone. Calmos, de cabeça fria e com total comedimento.
Adicionalmente, mais para o fim da semana, o Chanceler Adjunto iraniano Ali Bagheri Kani – que disse que o Irã responderia "em poucos segundos" a qualquer novo ataque israelense – visita Moscou para a Conferência sobre Não-Proliferação e se reunirá também com o primeiro escalão do Ministério das Relações Exteriores russo.
É de se notar que o Irã conseguiu criar a Nova Equação sem perturbar sua política de pivotar para a Eurásia – após o colapso do acordo nuclear de 2015 – ao mesmo tempo em que protegia a complexa estrutura engajada na defesa da Palestina.
As opções do Hegêmona são lamentáveis. Elas vão desde acabar sendo expulsos do Oeste Asiático e do Golfo Pérsico até um choque impossível de ser vencido contra três estados-civilização – Rússia, China, Irã.
O que resta como o principal cenário praticável é uma retirada cuidadosamente calculada rumo a um quintal mais fácil e controlar: a América Latina, principalmente a América do Sul, manipulando seu ativo privado de soberania, a Argentina.
E, é claro, manter o controle sobre uma Europa desindustrializada e privada de soberania.
O que não muda o fato de que a projeção de poder dos Estados Unidos está em declínio em termos globais, e é para esse lado que o vento sopra. A psicodemência dos neocons straussianos é insustentável. A questão é se eles poderão ser progressivamente expurgados da estrutura de poder dos Estados Unidos antes de tentarem mergulhar a Maioria Global em nas profundezas irracionais de sua perdição.
E não se esqueçam da nova Equação dos BRICS
Em contraste, no front da Maioria Global, mais de 40 países querem se juntar aos BRICS – além de outros mais, segundo o chefe da Comissão de Assuntos Internacionais do Conselho Russo, Grigory Karasin.
Após uma reunião dos presidentes das comissões de assuntos internacionais dos Parlamentos dos BRICS, na semana passada em Moscou, Karasin observou que muitos países-membros dos BRICS entendem que não devem se apressar para criar uma carta rígida, "percebendo o quão contraproducente e até provocadora vem sendo a atuação da União Europeia". O nome do jogo é flexibilidade.
Alastair Crooke levantou um tema de importância chave, presente ao longo de todo o meu novo livro, Eurásia versus OTANistão: "Tudo o que era bom e verdadeiro na civilização ocidental está preservado e em pleno florescimento na Rússia. É essa percepção não expressa em palavras que tanto enfurece as elites do Ocidente. E, em parte, é por essa mesma razão que os estados dos BRICS evidentemente olham para a Rússia em busca de liderança".
A Nova Equação criada pelo Irã, membro soberano dos BRICS, terá um poderoso efeito na solidificação desse estado de cooperação – multilateral, multicultural – enquanto o Império e seu "porta-aviões" no Oeste Asiático, exceto no departamento de operações sigilosas, veem-se cada vez mais reduzidos à condição de um tigre de papel.
Tradução de Patricia Zimbres
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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