A semana em que começamos a resgatar o Brasil
"Começamos a resgatar o Brasil, embora falte tanto a fazer. Embora falte a grande tarefa de desbolsonarizar o país", afirma Tereza Cruvinel
Por Tereza Cruvinel
O suspiro de alívio que demos no domingo à noite prolongou-se por toda a primeira semana após a eleição de Lula no domingo à noite, depois da sofrida e rápida apuração dos votos. Apesar da poderosa máquina bolsonarista, venceram a democracia e o iluminismo, no sentido de oposição às trevas. E em apenas uma semana, muitos foram os sinais de acerto - o nosso ao escolher Lula, e os dele, com os primeiros passos.
Em uma semana tivemos sinais da volta do Brasil ao cenário global, da volta da política nas relações congressuais, da volta da liturgia no exercício do cargo, da volta do cumprimento de promessas em lugar do estelionato eleitoral.
Nos atos de campanha pró-Lula, foi muito cantado o refrão da música de Alceu Valença: "Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais". Estão aí os sinais de Lula na primeira semana.
Despontaram no primeiro discurso: "estamos dizendo ao mundo que o Brasil está de volta", disse Lula prometendo governar para todos e com todos para reconstruir e pacificar o país. Na campanha havia circulado um pequeno marca-bíblia com o versículo 5.9 de Mateus: "Bem aventurados os pacificadores porque serão chamados filhos de Deus". Os evangélicos manipulados por Bolsonaro vão reencontrar o caminho da paz mas será preciso trabalhar para resgatá-los.
No dia seguinte à eleição Lula foi convidado a participar da COP 27 no Egito, que começa neste domingo, e confirmou presença. Estará lá entre os dias 14 e 15, já levando o ministro, que deve ser a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Sinal importantíssimo, de que o mundo voltará a contar com o Brasil para a luta contra a crise climática, preservando a floresta e adotando medidas complementares para conter a emissão de gases de efeito estufa, a chamada mitigação. Essa não será uma COP de blá-blá-blá, mas de compromissos efetivos para conter o aquecimento global.O Brasil fará os seus, e precisará cumprí-los para voltar a ser relevante e respeitado.
Também na segunda-feira a presidente do PT, Gleisi Hoffman, telefonou ao chefe da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira, pedindo o início das tratativas para a transição de governo. Sinal de que o futuro governo começaria logo a tomar as rédeas do país.
Na segunda e na terça-feira esperamos em vão por uma palavra de Bolsonaro reconhecendo a derrota mas não tememos um golpe. As instituições nacionais já haviam respondido prontamente, assim como os principais líderes políticos do mundo. Os manifestantes golpistas que bloquearam as estradas causaram muitos danos mas encontraram a resposta enérgica do presidente do TSE, Alexandre de Morais, cuja atuação na campanha merecerá na História um registro de reconhecimento. Foi o homem certo no lugar e na hora certas. Já PRF terá de ser desinfectada e seu atual diretor terá que prestar contas dos desmandos.
Só na quarta-feira Bolsonaro se rendeu com uma fala canhestra, mas a transição teve início, acelerou-se e as equipes começarão a trabalhar amanhã, segunda-feira, 7 de novembro. Outro acerto de Lula foi escolher Geraldo Alckmin como coordenador do processo, honrando o que havia dito: o governo será amplo e o vice não será decorativo.
Na quarta-feira Lula foi descansar na Bahia depois de determinar os passos seguintes. Não vimos fotos dele na praia, andando de jet ski ou de moto. O recato é parte da liturgia do cargo.
Na quinta-feira Alckmin, Gleisi e Mercadante foram ao Planalto, acertaram ponteiros com Ciro Nogueira e no Congresso começaram a discutir mecanismos para o início do governo. O deputado José Guimarães (PT-CE), e o senador eleito Wellington Dias (PT-PI) também entraram em campo. Era a política voltando a ser praticada no Congresso, sob a forma de negociação e diálogo, e isso contentou até os que, sob Bolsonaro, foram rebaixados a mercadores de emendas e cargos. Será preciso continuar fazendo política com moral e ética.
A promessa de manter o Bolsa Família em R$ 600 esbarra na falta de recursos no orçamento de 2023 elaborado pela equipe de Guedes e no teto de gastos aprovado por Temer. Faltam recursos para a manutenção decente de outros programas sociais, como a merenda escolar e a Farmácia Popular.
Discute-se ainda a opção entre uma emenda constitucional, excluindo do teto estes gastos da transição, ou uma MP pedindo crédito extraordinário ao Congresso. Pessoalmente, não acho que Lula deva prorrogar o pretexto de um estado de emergência, usado por Bolsonaro para viabilizar seus gastos eleitoreiros. Créditos extraordinários exigem situação de emergência ou calamidade. Lula baterá o martelo amanhã, quando estará de volta a São Paulo.
A PEC terá o custo político de uma negociação com o Centrão, talvez o apoio à reeleição de Lyra para a presidência da Câmara, mas será o caminho juridicamente mais seguro, e ainda propiciará a Lula alguns recursos para investimentos iniciais, que gerem emprego e comecem a dinamizar a economia.
Na terça, em Brasília, ele fará as visitas protocolares aos presidentes da Câmara, do Senado, do STF e do TSE, sinalizando que o tempo do conflito entre os poderes ficou para trás. Não nos esqueçamos de que, em 2013, os vândalos da extrema direita nascente atacaram o Itamaraty e o Congresso, e que depois os bolsonaristas ameaçaram invadir o STF muitas vezes. Que fim levou Sarah Winter, que comandou a disparada de fogos sobre o Supremo?
Não teremos um jantar como aquele que FHC ofereceu no Alvorada ao Lula eleito em 2002, quando mostrou-lhe cada cômodo do Alvorada. Bolsonaro não vai passar a faixa a Lula mas isso não tem a menor importância. O juramento e a posse ocorrerão no Congresso.
Importante é que começamos a ter de volta a nossa pátria amada, que é de todos, assim como a bandeira e suas cores. É que começamos a resgatar o Brasil, embora falte tanto a fazer. Embora falte a grande tarefa de desbolsonarizar o país, desmontando as máquinas malignas da mentira e do ódio.
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