A soberania foi para o espaço
O sociólogo Marcelo Zero afirma que o acordo entre Brasil e EUA sobre Alcântara é o retrato da ausência de soberania brasileira. Ele diz: “as obrigações do governo norte-americano se resumem basicamente à emissão das licenças de exportação e ao controle sobre as suas empresas licenciadas, ao passo que os compromissos assumidos pela Parte brasileira são muito amplos.”
Um dos princípios básicos do Direito Internacional Público é o da igualdade jurídica entre os Estados e da não hierarquização da sociedade internacional. Partindo de tal princípio, as negociações de qualquer ato internacional devem resultar, normalmente, numa distribuição equilibrada das obrigações contraídas por intermédio do instrumento jurídico.
Por isto, acordos bilaterais, como este que ora apreciamos, definem, como regra, compromissos consensuais que devem ser obedecidos, de igual modo, por ambas as Partes Contratantes.
Contudo, o que mais chama a atenção numa primeira análise do “Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América sobre Salvaguardas Tecnológicas Relacionadas à Participação dos Estados Unidos da América em Lançamentos a partir do Centro Espacial de Alcântara” é justamente o fato de que as suas cláusulas criam obrigações exclusivamente, ou quase que exclusivamente, para o nosso país.
Com efeito, as obrigações do governo norte-americano se resumem basicamente à emissão das licenças de exportação e ao controle sobre as suas empresas licenciadas, ao passo que os compromissos assumidos pela Parte brasileira são muito amplos, extrapolando inclusive, como veremos a seguir, o objetivo manifesto de salvaguardar tecnologia norte-americana.
Por conseguinte, perguntamo-nos, em primeira instância, se há quaisquer motivos que justifiquem essa grosseira e gritante assimetria.
A este respeito deve-se considerar que o Brasil vem demonstrando, tanto no plano interno quanto no plano internacional, que tem inabalável e firme compromisso com a causa do desarmamento e da não-proliferação de tecnologia sensível ou de uso dual.
De fato, o nosso país tomou iniciativas muito importantes neste campo, a partir do final da década de 80. No plano interno, o Brasil desativou por completo o seu incipiente programa nuclear, inscreveu proibição de atividades nucleares que não sejam para fins pacíficos em sua própria Constituição Federal (a, XXIII, art. 21) e transferiu o seu programa espacial do âmbito militar para uma agência civil (a Agência Espacial Brasileira-AEB, subordinada ao Ministério da Ciência e Tecnologia). No plano internacional, o Brasil celebrou e ratificou uma série de acordos e tratados que assinalam, de maneira inequívoca, o nosso sério compromisso com o desarmamento.
Entre tais acordos e tratados, podemos destacar o Acordo Quadripartite firmado com a Argentina, a ABACC e a Agência Internacional de Energia Atômica, o Tratado de Tlateloco, o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), a Convenção para a Proibição de Armas Químicas e a Convenção de Ottawa sobre Minas Terrestres.
No que tange especificamente ao controle da tecnologia de mísseis, preocupação fundamental do presente acordo, é preciso considerar que, em 27 de outubro de 1995, o Brasil ingressou, por aclamação, no Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (Missile Technology Control Regime-MTCR).
Tal regime foi formado, em 1987, pelos países que compunham o antigo G7 e por pressão do governo norte-americano, com a finalidade de restringir a exportação e o repasse da tecnologia de mísseis capazes de, pelo menos, carregar carga útil de 500 quilos a mais de 300 quilómetros, assim como de qualquer sistema apto a lançar armas de destruição em massa. Embora a MTCR não seja um ato internacional, ele já conta, hoje em dia, com a participação voluntária de 35 países[1].
É preciso sublinhar que a adesão do Brasil ao MTCR foi precedida por longas negociações com o governo dos EUA que culminaram na publicação da Lei 9.112/95, a qual estabeleceu, na ordem jurídica interna, controles abrangentes e rigorosos sobre a exportação de tecnologias sensíveis, especialmente a de mísseis e componentes de mísseis.
Pois bem, a atitude brasileira no que tange à causa do desarmamento tem sido de tal forma coerente e consequente que o antigo embaixador dos EUA no Brasil, Sr. Anthony S. Harrington, afirmou, justamente por ocasião da celebração do acordo que precedeu o presente, que:
O notável desempenho do Brasil para controlar a proliferação de tecnologias sensíveis e armas de destruição em massa serve como modelo para o mundo (grifo nosso)[2].
Assim sendo, parece-nos que o acordo sobre salvaguardas tecnológicas é, especialmente quando levamos em consideração a mencionada assimetria, inteiramente dispensável, já que o Brasil assumiu compromissos solenes prévios que impedem o repasse, a divulgação e a apropriação indevida de tecnologias sensíveis ou de uso dual. Na realidade, o diploma em apreço só se justifica partindo-se do pressuposto de que o Brasil não honrará os seus compromissos internacionais anteriormente assumidos e procederá, assim que tiver a oportunidade, à construção de mísseis balísticos ou à exportação de tal tecnologia para outros países. Daí a necessidade, presente na maior parte das cláusulas do Acordo, da Parte brasileira ser alijada do controle proposto, o qual será efetuado primordialmente pela Parte norte-americana, mesmo em nosso território.
Do nosso ponto de vista, essa desconfiança é injustificável e desrespeitosa. A bem da verdade, se há um país que pode despertar suspeitas em relação aos seus compromissos relativamente ao controle da tecnologia de mísseis e ao desarmamento são os EUA, pois é fato notório que os norte-americanos repassaram mísseis de médio alcance para Israel e Taiwan. Ademais, a recusa norte-americana em assinar a Convenção de Ottawa sobre minas terrestres e a recente corrida armamentista promovida pelo presidente Trump demonstram a fragilidade do comprometimento dos EUA com a causa do desarmamento mundial.
Observe-se que o Brasil firmou com outros países (Ucrânia, Rússia, China, França e Argentina) acordos visando à cooperação mútua nos usos pacíficos do espaço exterior, os quais não preveem as salvaguardas tecnológicas draconianas previstas no diploma legal em apreço.
Pois bem, os principais argumentos utilizados pelo governo Bolsonaro para justiçar este “novo” Acordo de Alcântara são os seguintes:
a) Acordos como este são normais e há vários acordos idênticos em vigor.
b) Este Acordo é diferente do firmado em 2000, que fora rejeitado pelo Congresso Nacional.
c) A soberania nacional não será afetada por este Acordo.
d) Este Acordo não afetará negativamente o programa espacial brasileiro.
e) O Brasil terá grandes benefícios financeiros com este Acordo.
Todos esses argumentos são falaciosos e não resistem a qualquer análise séria.
No que tange à suposta “normalidade” do Acordo em apreço, é preciso lembrar que os EUA firmaram outros acordoe de salvaguardas tecnológicas, inclusive os seguintes:
a) Agreement between the Government of the United States of America and the Government of the Russian Federation on Technology Safeguards Associated with the Launch of U.S.-Licensed Spacecraft from the Russian Plesetsk and Svobodny Cosmodromes and From Kapustin Yar Test Site;
b) Agreement between the Government of the United States of America and the Government of Ukraine on Technology Safeguards Associated with the Launch by Ukraine of U.S- Licensed Commercial Spacecraft;
c) Agreement between the Government of the United States of America and the Government of Ukraine on Technology Safeguards Associated with Ukranian Launch Vehicles, Missile Equipment and Technical Data from the "Sea Launch" Program;
d) Agreement among the Government of the Republic of Kazakhstan, the Government of the Russian Federation and the Government of the United States of America on Technology Safeguards Associated with the Launch by Russia of U.S- Licensed Spacecraft from the Baikonur; e
e) Memorandum of Agreement on Technology Safeguards Between the Government of the United States of America and the People´s Republic of China.
Pois bem, um dos argumentos mais usados pelo governo brasileiro para defender o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara por parte de empresas norte-americanas nos moldes negociados é o de que esses e outros instrumentos são idênticos este Acordo de Alcântara. Por conseguinte, as cláusulas contidas no diploma firmado pelo governo brasileiro são absolutamente normais e não se constituem em dispositivos questionáveis.
Ora, análise acurada dos textos dos atos internacionais acima mencionados demonstra que eles são bem diferentes do Acordo de Alcântara.
Em primeiro lugar, nenhum dos acordos têm as seguintes cláusulas:
i) proibição de usar o dinheiro dos lançamentos no desenvolvimento de veículos lançadores (Artigo III, 2, do Acordo de Alcântara);
ii) proibição de cooperar com países que não sejam membros do MTCR (Artigo III, parágrafo 1.B, do Acordo de Alcântara);
iii) possibilidade de veto político unilateral de lançamentos (Artigo III,1, A do Acordo de Alcântara),
iv) obrigatoriedade de assinar novos acordos de salvaguardas com outros países, de modo a obstaculizar a cooperação tecnológica (Artigo III, parágrafo 1.E, do Acordo de Alcântara).
Em outras palavras: ao contrário deste Acordo de Alcântara, os atos internacionais em debate se restringem exclusivamente a estabelecer salvaguardas tecnológicas propriamente ditas e não impõem condições adicionais abusivas para que as empresas norte-americanas usem os centros de lançamento da Rússia, Ucrânia, Cazaquistão e China.
Em segundo lugar, os acordos em apreço estipulam que a responsabilidade pela proteção da tecnologia é de ambas as Partes Contratantes. Evidentemente, isto contrasta com este Acordo de Alcântara, o qual determina que o controle da tecnologia seja feito unilateralmente pelos representantes do governo norte-americano.
Tomemos como exemplo o acordo de salvaguardas tecnológicas firmado entre a Rússia e os EUA. Os parágrafos 4, 5 e 6 do seu Artigo III assinalam, com inteira clareza, que durante as atividades de lançamento as Partes Contratantes serão responsáveis, por igual, pela supervisão, monitoramento e implementação dos Planos de Segurança Tecnológica, e assegurarão que o seu pessoal adira aos procedimentos contidos nos referidos planos. Trata-se, como se pode facilmente observar, de situação muito distinta da estabelecida pelo Acordo de Alcântara.
Em terceiro lugar, os diplomas internacionais mencionados, ao contrário do Acordo de Alcântara, que é inteiramente assimétrico, ditam regras para a proteção tecnológica recíproca.
Voltando ao exemplo do acordo Rússia/EUA, o parágrafo 2.3 do seu Artigo IV proíbe que os norte-americanos recebam quaisquer informações referentes à tecnologia russa de veículos lançadores e satélites. Por sua vez, o parágrafo 4.2 do mesmo artigo estipula que o governo norte-americano proibirá que seus representantes repassem quaisquer informações referentes a dados técnicos russos.
Tal preocupação em proteger tecnologia que não seja de origem norte-americana é ainda mais evidente no acordo referente ao programa Sea Launch, já que os veículos lançadores utilizados por tal projeto são ucranianos.
Isto ocorre devido a motivo muito simples: Rússia, China e Ucrânia já dispõem de tecnologia avançada e inteiramente operacional de veículos lançadores e de satélites. Assim sendo, as salvaguardas tecnológicas estipuladas nos acordos destinam-se tanto a proteger os conhecimentos científicos norte-americanos quanto as informações técnicas russas, ucranianas e chinesas. Em contraste, o Acordo de Alcântara tem por objetivo manifesto unicamente a proteção de tecnologia norte-americana.
Mas o que é mais importante destacar aqui é que os acordos de salvaguardas firmados por aqueles países com os EUA não tendem a inviabilizar o desenvolvimento tecnológico dos programas espaciais russo, ucraniano e chinês.
Tais nações, como observamos, já têm tecnologia de ponta nessa importante área estratégica. Portanto, o governo dos EUA não tinha como impor dispositivos abusivos aos países mencionados. Diga-se de passagem, foi justamente a tecnologia espacial russa, ucraniana e chinesa que animou as empresas norte-americanas a utilizarem os centros de lançamentos desses países, pois tais centros não oferecem quaisquer vantagens comparativas, do ponto de vista geográfico.
Por conseguinte, este Acordo de Alcântara, tal como o antigo, representa um ponto fora da curva, no que tange a acordos de salvaguardas tecnológicas.
De fato, nenhum outro acordo têm as salvaguardas políticas (vetos políticos) que contam deste Acordo e que constavam do antigo que foi rejeitado pelo Congresso Nacional.
Embora mesmo as salvaguardas tecnológicas previstas sejam amplamente questionáveis, as cláusulas mais polêmicas do ato internacional em pauta não têm relação direta com a proteção das tecnologias sensíveis. Referimo-nos ao que está contido no Artigo III do acordo, o qual estabelece os Dispositivos Gerais. Tal conteúdo é praticamente cópia do que constava no antigo Acordo de Alcântara.
Em primeiro lugar, e este é um aspecto muito preocupante do Acordo, o Artigo III,1, A, estabelece que o Brasil:
A. (A República Federativa do Brasil se compromete) Em conformidade com obrigações e compromissos assumidos pelo Brasil no que tange a programas de mísseis balísticos com capacidade de transportar armas de destruição em massa que ameacem a paz e a segurança internacionais, não permitir o lançamento, a partir do Centro Espacial de Alcântara, de Espaçonaves Estrangeiras ou Veículos de Lançamento Estrangeiros de propriedade ou sob controle de países os quais, na ocasião do lançamento: i) estejam sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas; ou ii) tenham governos designados por uma das Partes como havendo repetidamente provido apoio a atos de terrorismo internacional. Caso uma das Partes notifique a outra Parte dúvidas sobre designação relativa ao item ii), as Partes deverão entrar em consultas e buscar solução mutuamente aceitável.
Trata-se, é claro, de salvaguarda política que não tem nenhuma relação com o resguardo de tecnologia norte-americana. Assim, pelo que está previsto no Acordo, os Estados Unidos poderão proibir que o Brasil possa, utilizando base instalada em território nacional e veículos de lançamento de sua propriedade (ou de propriedade de terceiros países), lançar satélites para nações desafetas dos EUA.
É preciso levar em consideração que o Departamento de Estado norte-americano utiliza critérios bastante elásticos e arbitrários para classificar uma nação como “terrorista”.
Embora se possa argumentar que o Brasil não teria interesse em cooperar com os países que constam da “lista negra” do Departamento de Estado norte-americano, o fato concreto é que o poder de veto dado aos EUA pelo citado dispositivo estabelece precedente muito perigoso. É nossa opinião que nenhuma nação estrangeira deva ter poder de decisão sobre o uso do Centro de Lançamento de Alcântara, base nacional construída com grande sacrifício. Deve ficar claro que, caso esse dispositivo seja aprovado, o Brasil perde a autonomia de utilizar a sua base como bem entenda.
Em segundo lugar, o Artigo III, parágrafo 1.B, reza que a República Federativa do Brasil:
B. Em conformidade com a participação do Brasil no Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR, na sigla em inglês) e outros arranjos e acordos internacionais e multilaterais sobre não-proliferação dos quais a República Federativa do Brasil seja parte, não permitir o ingresso significativo, quantitativa ou qualitativamente, de equipamentos, tecnologias, mão-de-obra ou recursos financeiros no Centro Espacial de Alcântara, oriundos de países que não sejam Parceiros (membros) do MTCR, exceto se de outro modo acordado entre as Partes.
Em outras palavras: o mencionado dispositivo proíbe que o Brasil estabeleça laços significativos de cooperação com países que não façam parte do MTCR. Ora, conforme já assinalamos em nossas considerações iniciais, o MTCR compõe-se, até o presente momento, de apenas 35 países. Assim sendo, esse dispositivo excluiria do uso do Centro de Lançamento de Alcântara a maior parte das nações do planeta, o que acarretaria prejuízos potenciais de monta para o País.
Trata-se, mais uma vez, de conferir a um país estrangeiro, os EUA, no caso, o poder de limitar o arbítrio da República Federativa do Brasil quanto à maneira de usar a sua base nacional.
É necessário colocar em relevo que a China não pertence ao MTCR, por considerá-lo injusto, irracional e pouco eficiente, além de ser um instrumento que tende a perpetuar as desigualdades tecnológicas entre as nações. Pois bem, o Brasil desenvolve, em conjunto com a China, em função de acordo bilateral firmado em julho de 1988, um importantíssimo programa de cooperação na área espacial: o desenvolvimento e lançamento dos Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (CBERS). É evidente que, caso esse dispositivo seja aprovado, os satélites sino-brasileiros não poderão ser lançados da base de Alcântara.
Em terceiro lugar, o Artigo III, 2, determina que a República Federativa do Brasil:
2. O Governo da República Federativa do Brasil poderá utilizar os recursos financeiros obtidos por intermédio das Atividades de Lançamento para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do Programa Espacial Brasileiro, mas não poderá usar tais recursos para a aquisição, desenvolvimento, produção, teste, emprego ou utilização de sistemas da Categoria I do MTCR (seja na República Federativa do Brasil ou em outros países).
Assim, o Brasil não poderá usar os recursos provindos do uso do CTA pelos norte-americanos para desenvolver um importantíssimo projeto do programa espacial brasileiro, a saber, o do Veículo Lançador de Satélites (VLS).
Segundo o nosso entendimento, e chamamos a máxima atenção dos nossos Pares para este ponto, o mencionado dispositivo deixa transparecer o objetivo verdadeiro e último do presente acordo: inviabilizar o programa do VLS e colocar a Política Nacional de Desenvolvimento de Atividades Espaciais (PNDAE) na órbita dos interesses estratégicos dos EUA.
Um veículo lançador de satélites operante permitiria com que o Brasil pudesse entrar, de maneira autônoma, no lucrativo e tecnicamente relevante mercado de lançamentos daqueles artefatos. Com toda certeza, teríamos condições de competir com êxito nesse mercado, já que dispomos do CEA, base de posição geográfica privilegiada, que permite a realização de lançamentos com economia de até 30% no uso de combustíveis. Concomitantemente, o VLS abriria inúmeras novas oportunidades de cooperação na área espacial, especialmente com países que ainda não dispõem dessa tecnologia.
Observe-se que, sem um veículo lançador, o Brasil só poderá aferir migalhas no lucrativo mercado de lançamentos de satélites. Nesse sentido, é fundamental ter em mente que as projeções de ganhos que este Acordo poderá proporcionar ao Brasil foram grosseiramente exageradas pelo governo.
Estima-se que o mercado de lançamentos aeroespaciais poderá render cerca de até US$ 350 bilhões por ano, na próxima década, segundo os dados apresentados pelo ministro de ciência e tecnologia do Brasil.
Este grande faturamento explica-se pelos altos custos dos veículos lançadores e dos satélites, bens de grande complexidade e tecnologia.
Acontece que, pelo Acordo em pauta, o Brasil não disponibilizará nem veículos lançadores e nem satélites. A única coisa que o Brasil disponibilizará neste mercado bilionário é uma commodity geográfica: a localização de sua base.
Assim sendo, é obvio que o Brasil não conseguirá US$ 10 bilhões com este Acordo, como argumenta o Relator da matéria. Tal cifra é ridícula. Na melhor das hipóteses, o Brasil poderá aferir, tal como se defendia por ocasião da tramitação do antigo acordo, cerca de US$ 35 milhões por ano. Trata-se, a nosso ver, de preço muito baixo para a venda da nossa soberania.
Em quarto lugar, o Artigo III, parágrafo 1.E, estipula que a República Federativa do Brasil:
E. Firmar acordos juridicamente vinculantes com os outros governos que tenham jurisdição ou controle sobre entidades substancialmente envolvidas em Atividades de Lançamento. O escopo substantivo e os dispositivos de tais acordos deverão ser equivalentes àqueles contidos neste Acordo, exceto no que se refere a esta alínea e se de outra forma for acordado entre as Partes. Em particular, tais acordos deverão obrigar os outros governos em questão a exigir de seus licenciados que cumpram compromissos substancialmente equivalentes aos previstos nos Planos de Controle de Transferência de Tecnologia, os quais o Governo dos Estados Unidos da América deverá assegurar sejam cumpridos pelos Participantes Norte-americanos, de acordo com o estabelecido no parágrafo 4 do Artigo IV deste Acordo.
Ou seja: o citado parágrafo obriga o governo do Brasil a assinar acordos de salvaguardas com o mesmo objetivo e do mesmo teor com outros países. Mais do que isso: estipula-se que tais acordos deverão obrigar os outros governos a exigir dos seus Licenciados (empresas que dominam tecnologia espacial) o que o governo norte-americano exige dos seus.
Trata-se, conforme nossa concepção, de verdadeira aberração jurídica que contraria os mais elementares princípios do direito internacional. Nações soberanas não podem ser coagidas a celebrar atos internacionais entre si em função de um acordo bilateral firmado por uma delas com outro país, e muito menos serem obrigadas a inscrever nesses atos o mesmo conteúdo do acordo. Saliente-se que as “Atividades de Lançamento” incluem, pela própria definição do Acordo, as operações com “Veículos de Lançamento Espacial”, que são foguetes (ou partes de foguetes) que foram autorizados para a exportação por um governo “que não o Governo dos Estados Unidos da América”.
Na realidade, essa cláusula tem um endereço certo: os acordos de cooperação nos usos pacíficos do espaço exterior firmados pelo País com a Rússia, a Ucrânia, a China e a Itália, além de outros. O temor do governo norte-americano é que esses países, em decorrência das atividades de cooperação ensejadas pelos acordos, repassem a sua tecnologia de veículos lançadores de satélites para o Brasil.
Ora, podemos admitir que o governo norte-americano, mediante o acordo em pauta, proíba o repasse da sua tecnologia espacial para o Brasil, embora não vislumbremos nenhum benefício de tal decisão para o nosso país. Porém, não podemos concordar que os EUA queiram, através do mesmo instrumento jurídico, um mero acordo bilateral, proibir que o Brasil busque o repasse de tal tecnologia em terceiros países e que essas nações tenham que exigir dos seus licenciados o mesmo que os norte-americanos demandam dos seus. Parece-nos que tal assunto deveria ser resolvido em negociações independentes entre o Brasil e aqueles países. Voltamos a salientar que o Brasil tem compromisso inarredável com o desarmamento e é membro do MTCR, de modo que a preocupação dos EUA a este respeito nos parece excessiva, infundada e talvez obedeça a interesses que não têm relação com a causa do pacifismo.
Salientamos que essas inadmissíveis salvaguardas políticas, que não constam de outros acordos de salvaguardas tecnológicas firmadas pelos EUA, estavam presentes, com diferenças secundárias de redação, no antigo acordo de Alcântara que foi rejeitado pelo Congresso Nacional.
A proposta de modificação aprovada por praticamente a unanimidade na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara na época (2001) foi a da total supressão dessas salvaguardas políticas do texto do ato internacional.
Essas cláusulas políticas manifestam o grande objetivo do Acordo para o governo norte-americano: colocar o programa espacial brasileiro na órbita estratégica dos EUA e impedir o desenvolvimento do Veículo Lançador de Satélites por parte do Brasil.
Aliás, isso foi dito com todas as letras, na negociação ocorrida em 2000. Os EUA afirmaram que não queriam que o Brasil desenvolvesse seu Veículo Lançador.
Essa determinação continua. Aliás a cooperação espacial do Brasil com a Ucrânia fracassou, em boa parte, por causa dessa pressão dos EUA.
Tal oposição dos Estados Unidos à cooperação entre Ucrânia e Brasil está registrada em telegrama que o Departamento de Estado enviou à sua embaixada em Brasília, em janeiro de 2009. Conforme esse telegrama, os EUA “não apoiam o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil..... ” “Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil".
Os Estados Unidos também se opuseram a lançamentos de satélites norte-americanos (ou fabricados por outros países, mas que contenham componentes estadunidenses) a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, por falta de um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas e "devido à nossa política, de longa data, de não encorajar o programa de foguetes espaciais do Brasil".
Observe-se que, com o veículo lançador, o Brasil poderia dominar todo ciclo da tecnologia espacial e ser um player importante no mercado de lançamentos de satélites. Afinal, temos uma base de localização privilegiada, que permite lançamentos comparativamente baratos, e um acordo com a China para o desenvolvimento conjunto de satélites. Só nos falta o veículo lançador para que o nosso grande potencial nessa área crítica da tecnologia possa se concretizar.
Só que Washington não quer.
No que se relaciona às salvaguardas tecnológicas propriamente ditas, contidas nos artigos IV, V, VI, VII e VIII, destacamos, em primeiro lugar, o parágrafo 3 do Artigo IV, o qual determina que:
Para quaisquer Atividades de Lançamento, as Partes deverão tomar todas as medidas necessárias para assegurar que os Participantes Norte-americanos possam acessar, e controlar o acesso a Veículos de Lançamento dos Estados Unidos da América, Espaçonaves dos Estados Unidos da América, Equipamentos Afins e/ou Dados Técnicos, a menos que de outra forma autorizado pelo Governo dos Estados Unidos da América. Para esse fim, o Governo da República Federativa do Brasil deverá deixar disponíveis Áreas Restritas e Áreas Controladas, cujos limites deverão ser claramente definidos.
Assim, por meio de tal dispositivo, o governo norte-americano controlará diretamente áreas do Centro de Lançamento de Alcântara, as quais serão inacessíveis para os próprios técnicos brasileiros que lá trabalham. Ressalte-se que o parágrafo 2 do Artigo VI estabelece claramente que:
2. As Partes deverão assegurar que apenas pessoas autorizadas pelo Governo dos Estados Unidos da América deverão ter acesso a: (1) Veículos de Lançamento dos Estados Unidos da América, Espaçonaves dos Estados Unidos da América, Equipamentos Afins e/ou Dados Técnicos, localizados nas Áreas Controladas, Áreas Restritas ou em outros locais, durante transporte de equipamentos/componentes, construção/instalação, montagem/desmontagem, teste e finalização, preparativos de lançamento, lançamento e retorno dos Equipamentos Afins e/ou Dados Técnicos aos Estados Unidos da América ou a outro local aprovado pelo Governo dos Estados Unidos da América; e (2) Áreas Restritas.
Determina-se, ademais, que os representantes norte-americanos poderão realizar inspeções, a qualquer tempo, tanto nas áreas restritas, quanto nas demais áreas reservadas para lançamento de espaçonaves. (§ 3, Artigo VI). Da mesma forma, permite-se que o governo norte-americano instale equipamentos de vigilância eletrônica para tal finalidade.
O acordo é de tal forma minucioso e rigoroso no aspecto de assegurar o controle de pelo menos parte do Centro de Lançamento de Alcântara aos norte-americanos, que chega ao cúmulo de prever que os crachás para adentrar as áreas restritas, bem como as demais áreas reservadas ao lançamento de espaçonaves, serão emitidos unicamente pelo governo norte-americano (§ 6, Artigo VI).
Destaque-se que o Acordo prevê que as Autoridades Brasileiras não poderão examinar o conteúdo dos containers lacrados que entrarão no Centro de lançamentos de Alcântara com as cargas úteis norte-americanas (VII, B).
Embora tal cláusula possa ser justificada sob o pretexto de se proteger a tecnologia sensível dos veículos lançadores e dos satélites, ela encerra grande perigo. Tal perigo diz respeito ao fato de que o governo brasileiro não terá nenhum controle efetivo sobre o material que a Parte norte-americana utilizará nos lançamentos a partir de Alcântara.
Dessa forma, o governo dos EUA poderá, se quiser, lançar do CEA (ou CLA) satélites de uso militar (espiões) contra países com os quais o Brasil mantém boas relações diplomáticas. Como a Parte brasileira não poderá revistar os “containers” e não terá qualquer acesso às “áreas restritas”, tal possibilidade é real.
Do nosso ponto de vista, a Parte brasileira deveria ter tido o cuidado de assegurar algum tipo de controle sobre as atividades norte-americanas no CEA. Porém, o instrumento jurídico em apreço é de tal forma assimétrico, que esse controle sequer é cogitado.
Como se pode observar, as salvaguardas tecnológicas previstas no Acordo são, de fato, bastante rigorosas e minuciosas. Sob nossa ótica, elas levantam dúvidas quanto à sua necessidade, face aos compromissos anteriormente assumidos pelo Brasil, e, acima de tudo, no que se refere à sua adequação ao princípio da soberania nacional.
Saliente-se ainda a respeito das salvaguardas tecnológicas que, ao proibir taxativamente a assistência e cooperação tecnológica (Artigo V), que é o essencial para qualquer programa espacial, o Acordo suscita também questionamentos, na comunidade científica brasileira, sobre a sua real utilidade para o País. Com efeito, o único benefício que o Brasil poderá usufruir do ato internacional em discussão será o dinheiro proveniente do uso do CEA, que é, diga-se de passagem, muito pouco.
Entretanto, o caráter nitidamente arbitrário e draconiano das cláusulas que exigem compromissos da República Federativa do Brasil contrasta com a liberalidade assegurada ao governo dos EUA para agir da maneira que lhe aprouver. Referimo-nos especialmente ao parágrafo 4 do Artigo III, o qual reza que:
4. É intenção do Governo dos Estados Unidos da América aprovar as licenças de exportação e importação necessárias à execução de Atividades de Lançamento, desde que tal aprovação esteja em consonância com as leis, regulamentos e políticas norte-americanas, bem como com os dispositivos deste Acordo. Entretanto, nada neste Acordo restringirá a autoridade do Governo dos Estados Unidos da América para tomar qualquer ação com respeito ao licenciamento, em conformidade com as leis, regulamentos e políticas norte-americanas.
Desse modo, o governo norte-americano assegurou que, no que tange ao seu compromisso básico na cooperação pretendida (licenciar as exportações), as suas leis, normas e políticas internas poderão prevalecer sobre o texto do Acordo.
Por conseguinte, bastaria que houvesse alguma mudança na política de exportação de tecnologia espacial norte-americana, ou de algum regulamento interno qualquer referente ao assunto, para que novas exigências fossem aplicadas às Atividades de Lançamento.
Não poderia haver situação mais assimétrica: de um lado, proibi-se que o Brasil coopere com países que não pertençam ao MTCR, que use o dinheiro do aluguel do CEA (ou CLA) para desenvolver o programa do VLS, que receba tecnologia espacial de terceiros países, que inspecione “containers” em seu território e que seus funcionários adentrem áreas em sua própria base, mas, de outro, assegura-se aos EUA o direito de vetar lançamentos por motivos políticos, de controlar áreas dentro do CEA e de fazer prevalecer as suas leis e políticas internas sobre o Acordo sempre que julgar conveniente.
Do nosso ponto de vista, o ato bilateral em apreço não condiz com a tradição diplomática brasileira, que sempre procurou defender com denodo os interesses do País. Resulta difícil acreditar que os negociadores brasileiros aceitaram um acordo tão desequilibrado, no que se relaciona aos compromissos assumidos pelas Partes, e com dispositivos tão ofensivos à soberania nacional.
O presente Acordo de 2019, tal como o antigo (2001), vai muito além da mera proteção da tecnologia espacial norte-americana e estipula vários compromissos adicionais para o Brasil, os quais não têm relação com o único objetivo manifesto do ato internacional.
Ademais, é difícil imaginar, no mundo globalizado em que vivemos, que haja satélites, veículos lançadores e equipamentos adicionais necessários para as atividades de lançamento que não tenham alguma tecnologia de origem norte-americana. Por isto, bastaria que a atividade de lançamento envolvesse algum componente de espaçonave ou de satélite ( vide Artigo II, Definições ) de origem norte-americana para que ela tivesse de ser submetida aos dispositivos do Acordo.
Por último, é conveniente fazer algumas breves considerações a respeito da compatibilidade ou incompatibilidade entre o presente acordo e o Direito Espacial.
A principal fonte do chamado Direito Espacial é o “Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes”, aprovado pela Assembléia Geral da ONU, em 19 de dezembro de 1966, e mais conhecido como o "Tratado do Espaço". Pois bem, o artigo 1º deste tratado determina que:
A exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverão ter em mira o bem e o interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade.
O espaço cósmico, inclusive a Lua e os demais corpos celestes, poderá ser explorado e utilizado livremente por todos os Estados sem qualquer discriminação, em condições de igualdade......”
Para o professor José Monserrat Filho, o primeiro parágrafo:
....... determina que as atividades espaciais beneficiem todos os países e levem na devida conta os interesses de todos os países, sejam eles desenvolvidos ou não do ponto de vista econômico e científico. Isto deixa claro que o bem e os interesses dos países em desenvolvimento não podem ser minimizados, desconsiderados ou excluídos.
Por sua vez, o segundo parágrafo pode ser interpretado como:
...... um reforço ao direito de acesso dos países em desenvolvimento. Ele enfatiza a exigência de tratamento não-discriminatório, em condições de igualdade, que tem especial significado, exatamente, nas relações entre países em desenvolvimento e desenvolvidos.[3]
Cabe registrar que os princípios e os direitos inscritos no Tratado do Espaço, dão suporte à transferência de tecnologia, velha reivindicação das nações em desenvolvimento. Tanto é assim que, em 1991, o Brasil, em conjunto com outros 8 países, apresentou, no Subcomitê Jurídico do Copuos[4], um projeto intitulado “Princípios sobre Cooperação Internacional na Exploração e Uso Cósmico para Fins Pacíficos”, o qual visava a interpretação e normatização do artigo 1º do Tratado do Espaço.
Pelo projeto, os países desenvolvidos com programas espaciais deveriam permitir o acesso aos conhecimentos e aplicações gerados aos outros países, em especial aos países em desenvolvimento, mediante programas de cooperação destinados a este fim; e os países em desenvolvimento deveriam gozar de tratamento especial; a eles deveria ser dada preferência nos programas de difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos; e deles não se deveria exigir reciprocidade.
Infelizmente, tal projeto foi bombardeado pelos EUA e demais países desenvolvidos, não tendo sido aprovado, como se esperava.
Não obstante, parece-nos claro que o acordo em pauta, na medida em que proíbe qualquer transferência de tecnologia e impõe cláusulas verdadeiramente abusivas à República Federativa do Brasil, cria situação discriminatória contra o País, o que fere frontalmente o artigo 1º do Tratado do Espaço.
Assim sendo, o acordo em discussão suscita questionamentos de toda ordem, desde sua conveniência para o desenvolvimento tecnológico do País e o programa espacial brasileiro, até a sua adequação ao princípio da soberania nacional e ao direito espacial internacional.
Omitimos nesta análise considerações relativas aos impactos ambiental e social que a comercialização do CEA acarretará, os quais não foram convenientemente avaliados. Preocupa-nos, sobretudo, o destino das comunidades tradicionais de Alcântara, que estão sendo fortemente afetadas pela ampliação da base. No nosso entendimento, o presente acordo deveria, caso seja aprovado nesta Comissão, ser submetido também ao crivo da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, que poderá pronunciar-se com maior propriedade sobre tais temas.
Devemos deixar claro que ninguém se posiciona contrariamente ao uso comercial do Centro de Lançamentos de Alcântara e muito menos à cooperação com outros países, no âmbito dos usos pacíficos do espaço exterior. Tanto é assim, que os acordos de cooperação referentes a essa área, inclusive o celebrado com os EUA, foram aprovados sem restrição no Congresso Nacional. Porém, as exigências abusivas, desnecessárias e descabidas impostas pelo governo dos Estados Unidos da América para permitir que suas empresas usem o CEA impedem avalizar o presente ato internacional.
Se o governo dos EUA estivesse disposto a permitir a utilização das instalações do CEA e a cooperar com o Brasil seguindo diretrizes consentâneas com o direito internacional e com base na reciprocidade e respeito mútuo, que sempre devem pautar as relações entre as nações, tenham elas o mesmo nível de desenvolvimento ou não, não haveria qualquer problema.
Mais especificamente, um acordo de salvaguardas tecnológicas minimamente aceitável teria de ter, sob nosso prisma, as seguintes características:
a) a proteção da tecnologia sensível seria responsabilidade, por igual, de ambas as Partes Contratantes, conforme os compromissos internacionais anteriormente assumidos;
b) as “áreas restritas” seriam controladas por ambos os governos e as autoridades e técnicos brasileiros devidamente credenciados pelo Brasil teriam inteira liberdade de nelas adentrarem;
c) eventuais vetos políticos de lançamentos só se concretizariam mediante consenso de ambos os países;
d) a República Federativa do Brasil teria a inteira liberdade de usar o dinheiro provindo do uso do CEA para investir onde bem entendesse, inclusive no desenvolvimento do seu veículo lançador;
e) a República Federativa do Brasil, na condição de nação soberana, a qual deveria ser óbvia para todos, poderia negociar transferência de tecnologia com terceiros países e cooperar com nações que não fossem membros do MCTR nos usos pacíficos do espaço exterior e na utilização de sua base.
Entretanto, o ato internacional em apreço não possui tais dispositivos e representa o oposto de qualquer acordo baseado no princípio da reciprocidade e no respeito mútuo. Trata-se, como já demonstramos, de diploma internacional que consubstancia dispositivos assimétricos inspirados na desconfiança, no pressuposto de que o nosso país não honrará os compromissos internacionais anteriormente assumidos, no entendimento tácito de que o Brasil não deve desenvolver capacidade tecnológica para construir veículos lançadores de satélites e, acima de tudo, no desprezo à soberania da nação brasileira.
Observamos, por último, que o Congresso Nacional, por ocasião da tramitação do antigo acordo de Alcântara, praticamente idêntico a este texto, posicionou-se, corretamente, pela rejeição de seus termos ofensivos.
Agora, no entanto, o presidente da CREDN, Eduardo Bolsonaro, está empenhado em aprovar essa excrescência, antes de assumir a nossa embaixada em Washington.
A nossa soberania foi para o espaço.
[1] Até o final de 2018 tinham aderido ao MTCR os seguintes países: África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá, Dinamarca, Espanha, EUA, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Rússia, Suécia, Suíça, Turquia, Ucrânia, Bulgária, Coréia do Sul e Índia.
[2] Discurso pronunciado em 18 de abril de 2000, no Palácio do Itamaraty, por ocasião da assinatura do antigo Acordo de Alcântara.
[3] “Os Países em Desenvolvimento no Direito Espacial” in Parcerias Estratégicas, nº 7, outubro/1999
[4] Committee on the Peaceful Uses of Outer Space- Comitê sobre os Usos Pacíficos do Espaço Cósmico das Nações Unidas
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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