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Marcelo Zero

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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A Starlink é uma máquina militar e está no centro da grande disputa geopolítica mundial

"É uma nova estratégia militar, eficiente e barata, que está se expandindo rapidamente", escreve Marcelo Zero

Sistema de internet via satélite Starlink instalado perto da cidade de Bakhmut, na linha de frente, em meio ao ataque da Rússia à Ucrânia, região de Donetsk, Ucrânia, 8 de março de 2023 (Foto: REUTERS/Lisi Niesner)

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A Starlink é apresentada publicamente como uma simples e inocente rede satelital que provê acesso à internet, algo muito útil em áreas remotas e rurais.

A realidade, no entanto, dista muito dessa visão panglossiana.

A bem da verdade, a Starlink está no centro de uma disputa geopolítica e estratégica mundial.

Para entender essa disputa, é necessário entender também como os satélites da Starlink funcionam.

Até pouco tempo atrás, as redes satelitais funcionavam com um número relativamente pequeno de satélites grandes e caros que orbitavam e ainda orbitam o planeta ao redor 36 mil quilômetros acima da superfície terrestre.

Esses satélites, geralmente geoestacionários ou geosincrônicos, cobriam e cobrem, dada sua altitude muito elevada, vastas áreas do planeta e funcionavam e funcionam bem para várias funções, como transmissões de TV, meteorologia, espionagem, monitoramento de recursos terrestres etc.

No entanto, eles têm certas desvantagens, além do custo muito elevado (entre US$ 100 milhões e US$ 400 milhões, por unidade). As duas principais são a alta latência (tempo elevado de resposta, devido à grande distância) e a vulnerabilidade à ataques.

Essa vulnerabilidade ficou evidente quando a China, em 2007, destruiu, por motivos técnicos, um satélite próprio com um míssil. Como essas redes satelitais têm poucos satélites com alguns nódulos centrais, a destruição de um baixo número de satélites poderia levar ao comprometimento ou mesmo ao colapso de toda a rede.

Ora, do ponto de vista militar, isso é um pesadelo. Um país poderia “ficar às escuras”, sem poder monitorar ataques de mísseis e drones, coordenar e identificar movimento de tropas, lançar mísseis e drones com precisão etc. etc.

Pois bem, o surgimento dos chamados Low Orbit Earth Satellites (LOEs) mudou a tecnologia de redes satelitais.

São satélites menores, de custo bem mais baixo (US$ 14 milhões) e que, como o nome indica, orbitam a terra em altitudes bem mais baixas (cerca de 550 quilômetros acima da superfície). Como não cobrem grandes áreas da superfície terrestre, é necessário um grande número de satélites, milhares deles, para formar uma rede operante.

No caso específico da Starlink, já há mais de 6 mil satélites operantes, e um plano para colocar mais 30 mil em órbita. Saliente-se que um único lançamento da Space X permite colocar no espaço cerca de 50 satélites.

Pois bem, essa gigantesca rede de satélites de baixa altitude não tem as vulnerabilidades dos antigos satélites.

Em primeiro lugar, a latência é baixa, o que permite respostas mais rápidas, o que algo muito útil, quando se pretende, por exemplo, monitorar um míssil hipersônico.

Em segundo, e isso é muito importante, esse tipo de rede, com milhares de satélites, muito rápida e que não tem nódulos centrais, é muito mais resistente a ataques.

Seria necessário destruir um número muito grande de satélites ao mesmo tempo para que a rede fosse afetada, de forma significativa. Ademais, esses satélites possuem várias camadas de criptografia, o que dificulta também tentativas de jamming das telecomunicações.

É exatamente por isso que os EUA estão injetando bilhões de dólares na Space X. Não é para levar turistas ao espaço; é para levar a militarização ao espaço, criando novo paradigma de embate espacial e comunicacional, que pode ser decisivo numa guerra. A Space X já recebeu, desde 2003, mais de US$ 15 bilhões em contratos com o governo norte-americano.

Essa tecnologia da Space X vem sendo testada, com sucesso, na Ucrânia. Tecnologia que foi doada pela Space X, doada por Musk, que distribuiu milhares de pontos de acesso na Ucrânia.

A banda larga da Starlink forneceu e fornece os olhos e ouvidos das forças ucranianas e permite, pelos seus sistemas de guiagem e localização, o uso mortal do drone TB2 de fabricação turca, entre outros — incluindo os letais drones Switchblade “kamikaze” americanos e o Phoenix Ghost Drone que são, essencialmente, munições com asas.

Essa guerra hiper conectada da Ucrânia, composta por drones, mísseis e a Starlink, influenciou outros países na região a ajustarem sua filosofia militar. Após menos de um ano de inteligência de campo de batalha altamente estudado, a Lituânia comprou 600 drones kamikaze dos EUA, com um valor combinado de quase US$ 50 milhões, para usar com a Starlink.

É uma nova estratégia militar, eficiente e barata, que está se expandindo rapidamente. Claro que isso cria uma dependência grande para os “clientes”, pois a Starlink acessa todas as informações das tropas e pode usá-las a seu favor. O país fica dependente dos algoritmos da Starlink.

Recentemente, foi anunciado um novo contrato entre o governo dos EUA e a Space X para construiu uma rede específica de satélites espiões. A rede está sendo construída pela unidade de negócios Starshield da SpaceX, sob um contrato de US$ 1,8 bilhão assinado, em 2021, com o National Reconnaissance Office (NRO), uma agência de inteligência que gerencia satélites de espionagem. Essa rede atuará integrada à Starlink.

Como se vê, o palhaço facistóide do X tem grande importância para o Pentágono e seus interesses. É peça fundamental do que se costuma chamar de Deep State. Por isso, é cada vez mais arrogante e agressivo, especialmente com países como o Brasil, os quais enxerga como republiquetas que fazem parte do “quintal” histórico dos EUA. Um espaço vazio de interesses próprios, o qual pode ser ocupado com facilidade, sem ter sequer a preocupação de seguir leis e regras locais.

Do outro lado do espectro geopolítico, há reações, porém.

Em 2021, Pequim lançou seu 14º Plano Quinquenal, que prevê a construção de sua própria constelação LEO. A resposta da China à Starlink dos Estados Unidos é a GuoWang LEO. Pequim pretende colocar aproximadamente 13.000 satélites dessa rede no espaço, com cobertura mundial. Tal empreendimento seria realizado pela estatal China Aerospace Science and Industry Corporation (CASIC) e outras entidades chinesas, que serão fortemente subsidiadas.

Enquanto isso, o Brasil, nos tempos do Bolsonaro, rendeu-se à Starlink e a Elon Musk. Firmou contrato militar. Nossas tropas, especialmente na Amazônia, dependem, agora, da Starlink para operar.

Não deixa de ser, sobretudo, uma grande ironia: a defesa da soberania depende, agora, em boa parte, de uma empresa e de um bilionário estrangeiro que desprezam nossa soberania.

Uma grande vulnerabilidade.

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