Acuado pela mídia tradicional, que planeja dividi-lo e controlá-lo, o Governo tem de reagir já
Donos, executivos, editores, âncoras e colunistas de veículos tradicionais usaram fontes do Palácio. Agora os descartam como laranjas chupadas, diz Costa Pinto
O grande erro da Comunicação de Governo deste 3º mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e 5º mandato presidencial do Partido dos Trabalhadores conquistado nas urnas a duras penas e sob a obediência irrestrita das regras eleitorais, foi crer que a luta travada entre 2016 e 2022 pela redemocratização e pela reinstitucionalização do País havia transformado o bloco dos arrependidos algozes do passado recente em sócios risonhos e francos do usufruto do poder. Não são, não eram, nunca foram. Isso devia ter sido compreendido desde sempre, não o foi.
E quem integra o bloco aqui confinado sob a sombra do guarda-chuva “arrependidos algozes do passado recente”? Ora, dois grandes grupos. Um deles, formado pelos donos, sócios e executivos dos veículos de comunicação da mídia tradicional – seja ela familiar e corporativa como as Organizações Globo, a Band e até mesmo o SBT ou a CNN, ou “teorrentistas” (alerta de neologismo!) e confessionais como a Record – e seus editores, âncoras e pretensos formadores de opinião. O outro, constituído pelos presidentes dos Conselhos dos grandes bancos de investimento ou operadores de maquininha, como BTG e PagBank (de Luís Frias, que também controla o UOL e a Folha de S Paulo, assim convertido num híbrido fertilmente rentável) gestores de fundos de investimento.
Do segundo grupo não falarei. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem cuidado muito bem dele com o auxílio luxuoso e pragmático da ministra do Planejamento, Simone Tebet, do vice-presidente, Geraldo Alckmin e do presidente do BNDES, Aloízio Mercadante. Cuida tão bem que a última pesquisa da empresa Quaest, paga com recursos de bancos, mostrou que os 101 dealers do mercado financeiro ouvidos – o crème de la crème da banca – acha que pode afastar Haddad de Lula e dissociar os dois personagens. Creem, ainda, ingênuos ou pervertidos, ser possível apostar numa candidatura do ministro da Fazenda à Presidência já em 2026 por fora do PT e sem o aval do presidente. Politicamente hábil, intelectualmente honesto e filosoficamente preparado para o difícil cargo que ocupa, Fernando Haddad fez na cena econômica aquilo que o Governo deixou de fazer até aqui na cena midiática: fez os arrependidos algozes da esquerda num passado recente se calarem ante o avanço eficaz de suas ideias e projetos. Além disso, ele os converteu em aliados.
E por que os donos, os sócios e os executivos dos veículos de comunicação da mídia tradicional, e seus jagunços instalados em cargos de edição, na ancoragem de programas e à testa de colunas opiniáticas, não apresentam o mesmo poder de conversão do mercado financeiro? A resposta é simples: porque, na área, o Governo está jogando a Libertadores da América com um elenco desfalcado. Com contendores que nunca tinham encarado rinhas tão ríspidas e com uma sofisticação de rasteiras que transcende o mero quebra-queixo parlamentar ou de campanhas.
No início deste 3º mandato de Lula houve um claro deslumbramento de muitas das pessoas destacadas para operar funcionalmente a administração das relações da equipe ministerial, palaciana, presidencial e de Estado com os veículos de comunicação. Também se incorreu no erro formal de se manter gente do elenco passado – ex-jogadores da equipe de Jair Bolsonaro – na intermediária defensiva do Planalto.
Na esteira de uma campanha eleitoral travada em campo aberto contra um inimigo cujos sarrafos éticos, morais e institucionais haviam sido catados no esgoto e na margem da sociedade – tudo aético, amoral e sem nenhum viés de respeito às instituições democráticas – a turma que terminou por ascender a postos estratégicos de gestão de comunicação de Governo achou que chegaria ao Palácio, à Esplanada dos Ministérios e à EBC ensinando às cobras criadas da mídia tradicional como se daria a operação de poder. Bailaram na curva: foram usados no início da relação, entregaram o mapa de suas fragilidades (e o dos flancos do Governo) àqueles que deles só se aproximaram por interesse, exibiram o crachá do Bozó da Globo por um tempo (cara-crachá, cara-crachá) e agora apanham sem dó, diariamente, como bifes de chã grande, dos mesmos “formadores de opinião” da mídia que criam controlar e nos quais viam amizades em flor. Frise-se que nessa tábua de bater carne não tem somente carne de petistas - ela é multipartidária, como a própria equipe ministerial. Faltou estratégia de ação e sobrou ingenuidade displicente nessa relação.
O Governo tem muitas vitórias em apenas 15 meses de gestão. Venceu-se um golpe de Estado e se está apurando as responsabilidades de cada um dos golpistas dentro da lei e nos limites constitucionais dos direitos individuais. Dos militares, inclusive; oficiais de alta patente, generais de 4 estrelas e almirantes de Esquadra, por exemplo, que desonraram as divisões apostas em seus ombros e flertaram com o golpismo. Retirou-se ao menos 13 milhões de pessoas do patamar de miséria e das franjas da fome em que viviam nas ruas das metrópoles brasileiras. Ampliou-se o ensino em tempo integral para pelo menos 1 milhão de adolescentes em tão curto espaço de tempo. Reconstruíram-se as bases do investimento em ações e programas culturais que são verdadeiros motores geradores de emprego e renda – como a produção audiovisual e a música. Reduziu-se a inflação e quadruplicou-se a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto. Decuplicou-se o investimento externo no Brasil. Estas últimas medidas explicam a redução recorde dos índices de desemprego, fazendo a oferta de postos de trabalho caminhar para bater os recordes dos melhores anos do País, o período 2003-2014, quando fomos o melhor lugar para se estar no mundo. O Bolsa Família, maior e mais sólido programa de transferência de renda do planeta, voltou a funcionar a contento como política de Estado e reconquistou o respeito dos cidadãos brasileiros. É óbvio que este não é um Governo de pouco a mostrar ou que mereça estar imerso em crises de imagens.
Mas, para quem ainda não evoluiu e trocou a forma de ver o mundo, para quem permanece preso às velhas e carcomidas fórmulas mesquinhas de analisar o cotidiano e de lê-lo pelas lentes baças da mídia tradicional, este é um Governo enredado em crises palacianas e “de comunicação”. Eis aí o grande erro de comunicação do Governo: acreditar que converteriam os recalcados opinionistas de sofá dos programas de TV e dos podcasts e videocasts das emissoras tradicionais em plácidos e obsequiosos observadores de um Governo popular e democrático que tinha tempo para dar certo. Como essa turma jamais digeriu a personagem singular que é Lula, apenas fingiram engoli-lo em 2022 porque a carne macilenta e asquerosa de Bolsonaro era-lhes intragável, agora regurgitam o sapo que não lhes tocou os bofes. Fazem-no com pressa e de forma atabalhoada, por meio de sucessivas e repetitivas “pesquisas de opinião” recheadas por perguntas capciosas, para evitar que as alvissareiras políticas públicas de Lula ganhem tração e consolidem a imagem por meio da qual a administração será lida. É um erro os interlocutores palacianos, os mediadores do presidente ante o rol de veículos tradicionais, seguir acreditando na boa vontade de quem lhes chupa o caldo e descarta o bagaço no meio-fio da Praça dos Três Poderes. Para melhorar seus resultados de Comunicação o Governo tem de converter os veículos públicos em grandes produtores de conteúdo, disseminar essa produção nas redes, nos streamings, nos incontáveis rádios do País, comprar o enfrentamento direto na administração cotidiana das relações e seguir ampliando sua aposta na construção de redes não-tradicionais de veículos surgidos no ecossistema digital na última década – justamente no período em que o PT viveu um ocaso no poder, foi perseguido, lutou e se reconstruiu enfrentando a arrogância opiniática da mídia tradicional. É esse o campo de batalha, é nessa trincheira em que devemos estar.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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