Adoro o termo Povos Indígenas!
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, na já infame reunião ministerial de 22 de abril, entre uma baixaria e outra, disse odiar o termo “povos indígenas”. Outro ministro, o do Meio Ambiente, defendeu que o governo Bolsonaro deveria aproveitar a “oportunidade” trazida pela pandemia para mudar – na surdina - a legislação ambiental e também a de outras áreas.
Afinal, a atenção da mídia e da sociedade em geral estaria focada, principalmente, no enfrentamento ao coronavírus. "Tem uma lista enorme, em todos os ministérios que têm papel regulatório aqui, para simplificar. Não precisamos de Congresso", sugeriu Ricardo Salles. Os dois “sinistros” apenas reverberam o desprezo pelas pautas socioambientais ou mesmo o ódio desse governo em relação aos povos que já estavam aqui muito antes do Brasil existir.
Lembrar desse “detalhe”, de que uma enorme variedade de povos já habitava esse território antes da chegada de Pedro Álvares Cabral, também em um 22 de abril, é relevante porque se encerra nessa semana um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que poderá reconhecer essa constatação óbvia ou optar por ignorá-la.
Os ministros do STF irão decidir, basicamente, se aceitam uma tese esdrúxula da Advocacia-Geral da União (AGU): o Parecer 001/2017, de julho daquele ano, estabelece que só teriam direito ao usufruto de determinado território indígenas que já estivessem vivendo ali no momento da promulgação da Constituição (em 5 de outubro de 1988).
O parecer da AGU, criado no governo Temer, é cínico: muitos povos que hoje reivindicam a demarcação de terras haviam sido expulsos e, portanto, não ocupavam os seus territórios tradicionais nessa data. Se o STF aceitar essa tese, na prática, estará endossando o genocídio do passado e contratando outro para um futuro próximo. Jair Bolsonaro já deixou bem claro que, no que depender dele, não irá demarcar “nem mais um centímetro” de Terras Indígenas no Brasil.
A ofensiva contra os povos indígenas, que começou em abril de 1500, teve outro momento que merece destaque na semana que passou. A Medida Provisória 910/2019, de Jair Bolsonaro, na prática, regularizava o roubo de terras. Não por acaso, ela foi chamada de “MP da Grilagem”. A MP caducou e foi apresentado no seu lugar um Projeto de Lei (PL 2.633/2020) para tentar levar adiante essa proposta indecente.
Contudo, mesmo sem mudanças na lei, o estímulo de Bolsonaro ao garimpo ilegal, entre outros crimes ambientais, tem tido um efeito perverso: segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, os alertas de desmatamento em Terras Indígenas aumentaram 64% nos quatro primeiros meses de 2020 na comparação com o mesmo período do ano anterior. Se não bastasse, o contato com madeireiros e garimpeiros expõe indígenas a um risco maior de infecção pela Covid19 (e eles estão mais suscetíveis ao novo coronavírus, em sua maioria, do que o restante da população brasileira).
Reações ao pandemônio em meio à pandemia
Mas há luta e vitórias que precisam ser destacadas. Em 7 de maio, o ministro do STF, Edson Fachin, já havia suspendido os efeitos do Parecer da Advocacia-Geral da União até que o assunto seja julgado (o que deve acontecer até o final dessa semana). E a tendência é que a maioria dos ministros vote contra essa tese sórdida da AGU.
Em 21 de maio, a justiça cancelou a nomeação do pastor Ricardo Lopes Dias para a Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Fundação Nacional do Índio. O Ministério Público Federal alertou para o risco de genocídio em caso de reversão da atual política de não buscar o contato com povos isolados (o que o pastor pretende alterar).
Em 25 de maio, o Senado aprovou um requerimento convocando o ministro da Educação para prestar esclarecimentos sobre o que ele disse na reunião ministerial proibida para menores. A data ainda não foi definida, mas não se trata de convite, a presença de Weintraub é obrigatória! No dia seguinte, o Ministério Público Federal também agiu e solicitou explicações do iletrado a respeito da sua fala repulsiva a respeito dos povos indígenas - discurso que, aliás, também incluiu ofensas aos ciganos.
“Os povos indígenas do Brasil sofrem há muito tempo com a desmatamento, incêndios florestais, rios envenenados e invasão de suas terras. Agora eles correm o risco de ser dizimados pelo Covid-19, a menos que sejam tomadas medidas urgentes para protegê-los. O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, que trabalhou na Amazônia na última década, e Lélia Wanick Salgado, que projeta seus livros e exposições, estão pedindo uma ação imediata para proteger essa frágil população do risco do coronavírus transportado por invasores de suas terras. O apelo abaixo é dirigido aos três Poderes do Estado brasileiro”, diz o texto de uma petição que já está perto de 300 mil assinaturas. Os cantores Caetano Veloso e Chico Buarque, os atores americanos Brad Pitt e Meryl Streep, a cantora Madonna, entre outros, já apoiaram a iniciativa.
Nosso mandato, cabe a lembrança, entrou com uma representação junto ao Ministério Público para garantir alimentos e medidas de prevenção ao coronavírus para a população indígena que vive na capital paulista, entre outras ações urgentes diante daquela que será, provavelmente, a pior pandemia da nossa história.
Antes, entre os meses de fevereiro e março deste ano, estávamos ao lado dos Guaranis da Terra Indígena do Jaraguá, na zona norte de São Paulo. Eles ocuparam por 40 dias um terreno para denunciar o corte de centenas de árvores nativas. Uma obra absurda em meio ao período mais chuvoso da cidade de São Paulo em 77 anos. No começo de fevereiro, os rios Tietê e Pinheiros transbordaram, entre outros pontos de alagamento, pois a água não tinha para onde escoar. Mesmo assim, a Prefeitura achou uma boa ideia permitir a construção de um conjunto de prédios em uma área de mata atlântica remanescente, impermeabilizando ainda mais solo da capital.
Agora, em meio à pandemia, os Guaranis precisam da ajuda de todos para se manterem nesse difícil, mas necessário isolamento físico. Sem poder trabalhar, como tantos brasileiros, eles precisam de recursos para garantir a compra de mantimentos e produtos de higiene. Se puder, doe. Qualquer valor: Banco (Nubank) - Agência (0001) – Conta Corrente (330840-5) – CPF (438.462.128-06) – Nome (Sophia Lopes Peres).
Além de monitorar o avanço da pandemia entre os povos indígenas, o Instituto Socioambiental reúne, em sua página, iniciativas para ajudar os indígenas que resistem - há centenas de anos - em várias regiões do Brasil. Não custa lembrar: eles se encontram, no momento, especialmente vulneráveis. Quer saber como ajudar? Acesse: tinyurl.com/y98fkme8
Encerro não com as minhas, mas com as palavras de um grande líder indígena, um xamã que nós, os brancos, deveríamos escutar com atenção. Falo de Davi Kopenawa Yanomami. Vou reproduzir, a seguir, um trecho retirado do livro “A Queda do Céu” (página 393), uma obra monumental que ele escreveu em parceria com o antropólogo Bruce Albert:
“Sei que seus chefes não aceitarão com facilidade o que digo, pois seu pensamento ficou cravado nos minérios e nas mercadorias por tempo demais. No entanto, os que nasceram depois deles e irão substituí-los talvez me compreendam um dia. Ouvirão minhas palavras ou verão o desenho delas enquanto ainda forem jovens. Elas vão penetrar em suas mentes e eles assim terão muito mais amizade pela floresta. Eis por que eu quero falar aos brancos.”
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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