"Agências de checagem", imprensa corporativa e "democracias" unem-se a fim de encarcerar jornalistas que ousem noticiar os fatos
Países considerados “democracias” sólidas abriram a temporada de caça a jornalistas que ousem fazer seus trabalhos, relatar os fatos
por Marcus Atalla
Quando Julian Assange foi preso por países “democráticos” com a conivência dos colegas de profissão e veículos de imprensa corporativa, foram poucos os jornalistas que advertiram que qualquer jornalista e em qualquer lugar do mundo estaria em risco.
Quando os jornalistas Dmitry Muratov, russo, e Maria Ressa, filipina, foram agraciados com o Nobel da Paz 2021, “pela corajosa luta em defesa da liberdade de expressão” em seus respectivos países, jornalistas comemoraram acreditando tratar-se de um sinal em defesa da profissão. Porém, um número ainda menor de jornalistas alertou, não é uma defesa do jornalismo, mas sim, um uso do Nobel da Paz como uma manipulação política.
Induzir a opinião pública a ver o mundo entre países orientais – os não alinhados a Washington – como totalitários e os ocidentais – alinhados com Washington – como democracias. Se o real intuito fosse a defesa da liberdade de expressão, por mais que os premiados merecessem, o porquê de não agraciar o jornalista preso pelos “democráticos” países EUA e Inglaterra.
Assange é o jornalista mais importante das últimas décadas. Não apenas por denunciar crimes de guerra dos EUA, mas por mudar o paradigma no jornalismo. O Wikileaks fundado por Assange, permitiu que jornalistas do mundo todo pudessem realizar suas próprias investigações a partir das informações brutas, sem seleções prévias, de forma colaborativa e sem fins lucrativos.
A previsão não demorou a se realizar. Países considerados “democracias” sólidas abriram a temporada de caça a jornalistas que ousem fazer seus trabalhos, relatar os fatos. O modus operandi é o mesmo, inicia-se com a asfixia financeira, bloqueio de contas bancárias, assim como já ocorre no Brasil. A razão seria a produção de “FAKE NEWS”. A imprensa corporativa, em colaboração com as agências e institutos de “checagem da verdade”, faz seu papel, assassinar a reputação dos profissionais dissidentes.
Depois, o Ministério Público processa criminalmente. As acusações são feitas alargando as interpretações dos tipos penais vigentes. Usam-se tipos penais com alto grau de subjetividade interpretativa, similar aos tipos penais brasileiro de Apologia e em defesa das Instituições Democráticas.
O Leviatã Alemão versus a jornalista Alina Lipp
A repórter alemã Alina Lipp de 28 anos está a mais de 6 meses em Donetsk cobrindo o conflito entre a Ucrânia e Rússia. Há um mês percebeu a falta de 1600 euros de sua conta bancária. A jornalista independente só se deu conta do que estava ocorrendo, após relatar o ocorrido em seus canais. O que fez com que outros jornalistas alemães fossem em busca de respostas.
Só depois do barulho causado, é que Lipp recebeu uma notificação kafkiana do Estado alemão. Não apenas as autoridades alemãs “confiscaram” o dinheiro, sem qualquer aviso ou explicação, como ela está sendo acusada criminalmente e sob risco de 3 anos de prisão. Se não bastasse, logo após ter sua conta bancária bloqueada, também se decretou o bloqueio da conta bancária do pai.
Em reportagem, Alina disse que apoiar a Ucrânia é o mesmo que apoiar o nazismo, noticiou a destruição de um silo com 50 mil toneladas de milho pelos ucranianos (a imprensa e os EUA acusam a Rússia de ser responsável pelo desabastecimento de comida a Europa e causar um aumento da fome no mundo). Filmou uma menina de 10 anos baleada por ucranianos usando as armas enviadas pela OTAN. Denunciou que o massacre da maternidade em Mariupol era uma false flag.
Assim como ocorreu com outros jornalistas e veículos da imprensa independente, Lipp teve seu PayPal e YouTube cancelados, forçando-a a se mudar para o Telegram, onde tem agora mais de 175.000 assinantes.
O assassinato de reputação veio pela imprensa corporativa ao publicar artigos de um “instituto de checagem” sem fins lucrativos, cujo objetivo seria o combate a fake news e proteger a democracia, o Institute for Strategic Dialogue. O que a imprensa corporativa não comunica aos seus leitores, é que o ISD é um think tank financiado pelo Departamento de Estado dos EUA, o Ministério de Relações Exteriores Britânico e os “filantrópicos” suspeitos de sempre; Omidyar Group, Bill e Melinda Gates Foundation, British Council, Open Society Foundations, National Democratic Institute, United States Institute for Peace etc.
Após Lipp reportar a false flag na maternidade de Mariupol, a NBC New seguida por demais veículos publicaram: “Esforços de propaganda russa auxiliadas por criadores de conteúdos pró-Kremlin, segundo pesquisa”.
Entra em ação o Ministério Público alemão forjando processo criminal contra Lipp. Na peça de denúncia realizada pelo promotor do caso constam acusações como: “expressar continuamente sua solidariedade com a guerra de agressão russa contra a Ucrânia, que começou em 24 de fevereiro de 2022, em várias de suas contas de mídia social publicamente visível é, portanto, um crime de agressão sob a Seção 13 (1) do CCAIL”.
“Suas declarações são susceptíveis de incitar o clima mental na população da República Federal da Alemanha, para provocar uma dissidência na sociedade devido a representações distorcidas, em parte também falsas, a fim de dissolver a coesão social, promover dúvidas sobre a funcionalidade da formação da opinião pública e veracidade das reportagens da mídia na República Federal da Alemanha e, assim, abalar a confiança na segurança jurídica e na fidedignidade do sistema democrático na Alemanha como um todo.”
A denúncia cita como crimes:
“A acusada postou um vídeo em seu canal do Telegram, onde relatava que os ucranianos vinham realizando genocídio há anos e que a população de Donetsk comemorou a decisão da Rússia em libertar as regiões afetadas.”
“Com base nestas constatações, o arguido é suspeito de aprovar infrações penais num grande número de casos que ainda são desconhecidos em detalhes, dadas as investigações em curso.”
Como Lipp é independente e pede doações em seus canais, ela é acusada de receber para fazer propaganda russa e apoiar a guerra, violando o direito internacional, e assim, permanecer com sua “atividade criminosa” (nas palavras do promotor). Se não bastasse, o direito a defesa de Lipp foi tolhido, ela não será ouvida em sua audiência de acusação, pois segundo a promotoria, isso “perturbaria” o processo.
Segundo uma publicação independente alemã, não se vê no país um processo que desrespeite o direito ao devido processo legal e da ampla defesa e contraditório, nestes moldes, desde o fim do 3º Reich. Os advogados de Lipp permanecem trabalhando no caso e apesar de Lipp não conseguir falar com sua família em Hamburgo, ela não pretende retornar à Alemanha por medo de ser presa.
A vez da jornalista francesa Anne-Laure Bonnel
A documentarista, professora de cinema e jornalista freelancer Anne-Laure Bonnel, 40 anos, cobre a Ucrânia desde 2016, quando produziu um documentário registrando o genocídio do governo ucraniano contra a população de Donbass. Em 2022, teve seu documentário e contas nas redes sociais bloqueados. O modus operandi foi o mesmo.
Assim como Alina Lipp, Christelle Néant e outros jornalistas, Bonnel foi acusada de fake news pelo Institute for Strategic Dialogue (IDS). Seus nomes foram repercutidos no Le Monde, O Liberation e outros, num artigo intitulado: “Perigosos influenciadores pró-Rússia”. Logo após, teve suas matérias retiradas do Le Figaro. Seu contrato de 15 anos com a Sorbonne foi “não renovado”.
Antes de sua conta no twitter ser bloqueada, Bonnel teve tempo de expressar sua indignação:
“Para qualquer um que queira que eu pague muito dinheiro por minhas posições, bem, está feito. Conta bancária bloqueada pelo SG @CertSG em dezembro por um mês e 8 dias, contrato na Sorbonne não renovado após 15 anos de serviço. Coincidências… :)”
*O @CertSG referido por Bonnel é um dos maiores bancos da Europa, o Société Générale, onde teve sua conta bancária bloqueada. CERT é a sigla de (Computer Emergency Response Team), uma equipe de segurança e resposta a incidentes de segurança da informática do grupo Societe Generale. Ambos os casos destacados não são os únicos.
O Brasil não é uma ilha isolada, onde a política externa não causa influência na interna. A asfixia financeira através de decisões judiciais ocorre há tempos no país. O mundo está em uma ruptura histórica, o polo econômico saiu da América-Europa e foi à Eurásia, as democracias liberais estão em descrédito, os EUA e seu dólar perdem a hegemonia, o sistema capitalista neoliberal está numa crise existencial.
Os Estados autoritários não surgem pelo aparecimento de líderes carismáticos totalitários. São estimulados, financiados e apoiados pelo status quo, que fez, faz e fará tudo para se manter como tal. Para isso, o projeto é a hiper-exploração da mão de obra, retirada de direitos, Estados policialescos, militarizados e judiciários punitivistas e imbuídos com o direito penal do inimigo e assim, reprimir as populações descontentes e calar as vozes dissidentes.
Jornalistas independentes, operadores do direito e o público que em defesa da democracia pedem a criação de leis penais contra fake news, prisão por tudo e a todos, exigem prisões por interpretações extensivas, a marretada, em tipos penais abertos e de alto grau de interpretação subjetiva; crimes de Apologia, fake news, terrorismo; na verdade, estão aumentando o poder coercitivos e de violência do Leviatã.
O Ministro Alexandre Moraes legislou contrário a letra constitucional revogando o direito de greve do Setor da Segurança Pública, numa decisão em “pro societate”. Interessante seria, revisitar os argumentos usados pelos juristas nazistas em defesa da eugenia.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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