Aos 75 anos, a Otan quer Guerra
"Otan está se preparando com investimentos pesados em armamentos de toda espécie", escreve Marcelo Zero
A Otan comemora 75 anos. É uma velha senhora. Uma senhora que, no entanto, não aprendeu com o tempo e a história. Uma senhora muito pouco sábia.
Na realidade, a Otan é um anacronismo herdado da antiga Guerra Fria. Deveria ter sido extinta há bastante tempo.
A Otan foi criada em 1949, pelo Tratado de Washington, já no contexto do início da Guerra Fria. Seu grande objetivo era o de criar um pacto militar e político que fizesse frente à influência da URSS na Europa. Sua existência se justificava no quadro de um conflito geoestratégico que opunha os interesses dos EUA e seus aliados da Europa Ocidental aos interesses da URSS e seus aliados da Europa Oriental, corporificados, por seu turno, no Pacto de Varsóvia.
Finda a Guerra Fria, após o colapso da URSS, o Pacto de Varsóvia foi extinto, em 1991. Não obstante, a Otan não só foi mantida como consideravelmente expandida, apesar das solenes promessas em contrário dos EUA a Gorbatchev.. Por quê?
Há duas razões principais para tanto. A primeira tange ao desejo dos EUA de manter o controle geoestratégico e geopolítico da Europa. A extinção da Otan teria propiciado a criação um pacto militar próprio e independente da Europa, sem a participação de EUA. Isso contrariava a estratégia de Washington de manter o continente europeu subordinado aos seus interesses. Tal estratégia explica porque os EUA nunca exigiram grandes contrapartidas econômicas de seus aliados europeus para manter a Otan, um organismo bastante dispendioso.
A segunda razão diz respeito ao fato de que os EUA e alguns de seus aliados, principalmente os do Leste europeu, nunca deixaram de considerar a Rússia como uma ameaça potencial à sua hegemonia naquela região. Considere-se que Yeltsin e Putin, no início de seu primeiro governo, chegaram a solicitar aos EUA que a Rússia fosse incluída num organismo de “segurança pan-europeu”, ou mesmo à Otan. A bem da verdade, Putin fez exatamente essa última solicitação, em 2000.
Mas os EUA, em vez de aproveitaram a extinção da URSS e do Pacto de Varsóvia para criar um ambiente cooperativo com a Rússia, como bem argumenta Jeffrey Sachs, preferiram investir na geração de uma agressiva hegemonia absoluta.
Zbigniew Brzezinski, scholar extremamente influente, que fora assessor presidencial para assuntos de segurança nacional no período de 1977 a 1981, concebeu, já em meados da década de 1990, uma geoestratégia para a Eurásia que implicava, no longo prazo, um novo conflito com a Rússia.
De fato, a geoestratégia concebida por Brzezinski propunha várias ações de longo prazo concomitantes que conduziam a um acirramento das tensões na Eurásia.
Em primeiro lugar, o fortalecimento da Europa unida, sob a liderança dos EUA. Para tanto, Brzezinski já sugeria, inclusive, a celebração de um tratado de livre comércio transatlântico. Em segundo, o fortalecimento das novas nações independentes da Ásia Central e do Leste Europeu, que surgiram após o colapso da União Soviética, e a consequente expansão da OTAN até a Ucrânia. Em terceiro lugar, e mais importante, a geoestratégia de Brzezinski previa o enfraquecimento ainda maior da Rússia e o enquadramento de sua política externa nos imperativos geopolíticos dos EUA e seus aliados.
Brzezinski chegou a pensar até mesmo numa descentralização territorial da Rússia.
Naquela época, essa geoestratégia parecia não só inteiramente factível como algo praticamente inevitável.
Zbigniew Brzezinski, entretanto, aventou, em 1997, um cenário adverso, na sua obra “O Grande Tabuleiro de Xadrez”.
Argumentou ele que:
“Potencialmente, o cenário mais perigoso seria uma grande coligação entre a China, a Rússia e talvez o Irã, uma coligação 'anti-hegemônica' unida não pela ideologia, mas por queixas complementares... Evitar esta contingência, por mais remota que seja, exigirá uma demonstração de capacidade geoestratégica dos EUA. habilidade nos perímetros oeste, leste e sul da Eurásia simultaneamente.”
Pois bem, aquilo que Brzezinski considerava algo “remoto” tornou-se a realidade atual de um novo conflito geopolítico mundial, uma nova Guerra Fria. A hegemonia absoluta sonhada por Brzezinski e outros neocons gerou resistência e conflito.
A guerra na Ucrânia é apenas a expressão imediata e “quente” de um conflito que foi basicamente engendrado, pelos EUA e aliados, já na década de 1990.
E a Otan é o principal instrumento desse novo conflito mundial. Um conflito geopolítico que, infelizmente, ameaça tornar-se um conflito militar aberto, de consequências imprevisíveis.
Essa é mensagem inequívoca que vem de Washington, cidade onde se realiza a reunião da senhora anacrônica e belicista.
Segundo o próprio sítio eletrônico da Otan, o presidente Joe Biden afirmou, na quarta-feira, que os países membros da OTAN devem aumentar a sua produção industrial para acompanhar a produção de armas e munições da Rússia.“Não podemos permitir que a aliança fique para trás”, disse Biden na sessão de trabalho de abertura da cúpula. Acrescentou que todos os membros da Otan se comprometem a expandir a sua capacidade industrial bélica.
Na Declaração da Cúpula, lê-se:
Congratulamo-nos com o facto de mais de dois terços dos Aliados terem cumprido o seu compromisso de pelo menos 2% do PIB em despesas anuais com a defesa e elogiamos os Aliados que o ultrapassaram.,,,, Reafirmamos que, em muitos casos, serão necessárias despesas superiores a 2% do PIB para remediar as deficiências existentes e cumprir os requisitos em todos os domínios decorrentes de uma ordem de segurança mais contestada.
Assim, a Otan está se preparando com investimentos pesados em armamentos de toda espécie. Como a Europa em crise irá lidar com esses aumentos de gastos armamentistas não se sabe.
Os governos da Alemanha e dos Estados Unidos anunciaram que iniciarão a implantação de mísseis de longo alcance, inclusive hipersônicos, da sua Força-Tarefa Multi-Domínio na Alemanha, a partir de 2026.
Ademais, Blinken afirmou que a Ucrânia está no caminho “irreversível” de entrar na Otan. Justamente o motivo principal do atual conflito.
Aos 75 anos, a Otan promete longos anos de guerra.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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