Araújo e Salles, os bodes da derrota de Trump no governo Bolsonaro
Jornalista Tereza Cruvinel avalia que, com Trump derrotado, será mais fácil convencer Bolsonaro a mudar a política externa, avançar no pragmatismo interno e reduzir influência da ala ideológica. "Na prática isso significaria a substituição do chanceler Ernesto Araújo e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles", afirma
Antes mesmo da cena final do dramalhão eleitoral norte-americano Jair Bolsonaro já começou a transfigurar-se. “Trump não é a pessoa mais importante do mundo”. Podia ter encontrado uma frase melhor para dizer que os interesses brasileiros devem sobrepor-se a seu amor pelo republicano, mas seria pedir muito.
No poder bolsonarista, os aliados políticos conservadores do Centrão e os militares são os que mais torcem pela vitória de Joe Baden, e mas não porque prefiram o Partido Democrata. Eles acham com Trump derrotado, e depois de ter ido tão longe em seu alinhamento, será mais fácil convencer Bolsonaro a mudar a política externa, avançar no pragmatismo interno e reduzir a influência da ala ideológica. E na prática isso significaria, para começar, a substituição do chanceler Ernesto Araújo e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Alguns generais teriam ficado arrepiados com as notícias de que Bolsonaro poderia não reconhecer a vitória de Baden (se ou quando confirmada), enquanto houver recursos judiciais para serem julgados. Os generais palacianos teriam sido procurados com apelos para que evitassem tamanho desatino diplomático. Há sinais de que Bolsonaro mudou de ideia.
O vice-presidente Hamilton Mourão expressou a posição dos militares, ao dizer que as relações do Brasil com os Estados Unidos são de Estado com Estado, não importando o partido no poder. Lembrou também que a cooperação entre as Forças Armadas dos dois países nunca foi afetada pelas trocas de governo.
O que vem sendo mostrado a Bolsonaro, nas últimas horas, é que o Brasil não tem para os Estados Unidos a mesma importância que eles têm para nós, por todas as razões conhecidas. E o mesmo pode valer para a China, que para agradar a Trump, ele e seu governo vêm hostilizando. Esse é o recado dos aliados conservadores, especialmente dos senadores do Centrão, que representam os interesses do agronegócio e de outros setores prejudicados pela política externa ideológica de Bolsonaro-Araújo.
Assim, a mudança na política externa brasileira será a primeira imposição da provável eleição de Biden. E por decorrência, também, a troca do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, uma vez que a questão ambiental terá mais peso na administração Biden, como ele mesmo deixou claro durante a campanha.
O que fará a ala ideológica? Vai espernear muito, se isso acontecer. Já agora, durante a conturbada apuração, Eduardo Bolsonaro vem fazendo suas declarações de lealdade trompista, enquanto a tropa digital inferniza na Internet. Mas quando Weintraub foi demitido, chiaram mas acabaram engolindo. Até aqui, Bolsonaro conseguiu ir trocando de pele, casar com o Centrão e praticar o fisiologismo mais desbragado sem perder o apoio dos bolsões radicais. Novamente, ele terá que se mostrar capaz dessa proeza, na transfiguração mais radical que terá de fazer para sobreviver no mundo sem Trump e tentar a reeleição.
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