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    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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    Arquivo Nacional tem nova chefia e há temor por destino dos documentos

    Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia, relata ter recebido o telefonema de uma fonte em agosto, que "me disse que em breve eu não teria mais como retirar material do Arquivo Nacional para fazer as minhas 'matérias contra os militares'. Aquilo passaria para as mãos deles, que iam acabar 'com esta farra de documentos'

    Arquivo Nacional (Foto: Divulgação)

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    Por Denise Assis, para o Jornalistas pela Democracia 

    No dia 24 de agosto deste ano (2021), no auge da agitação e convocações para o famigerado “7 de setembro”, confiscado do seu real significado pelos arroubos autoritários de Bolsonaro, fui procurada pelo senhor que denominaremos: SPG. Ele pedia que eu retornasse o seu contato, pois tinha informações relevantes e gostaria de ter comigo uma conversa “muito séria”. E qual jornalista recusaria?

    “Prezada Denise Assis, 

    Nós precisamos ter uma conversa muito séria. Por gentileza, mantenha sigilo sobre nossa conversa, até eu explicar tudo pra você”.

    Fiz o contato, com a exigência (por parte dele), de que fosse pelo “Telegram”. Já havia abandonado essa ferramenta há um tempo, mas voltei lá e liguei. Ele pediu “sigilo absoluto” e que a conversa não fosse gravada. Outra solicitação descabida. Claro que não gravaria do celular, mas saquei o gravador, colocando o aparelho no viva-voz. A qualidade da ligação era péssima e a gravação sofreu bastante a consequência disto, mas ficou o registro. 

    Reativei o Telegram, inseri SPG e iniciamos a conversa em torno de 21h40 (que durou até 23h36). Nas primeiras frases entendi estar diante de alguém, no mínimo, confuso em sua fala. O que me inquietou, no entanto, foi quando ele começou a mesclar a sua “maluquice” com “conselhos” sobre como deveria agir quanto a uma matéria publicada no 247 em 14 de abril de 2020, às 21h. Sua “sugestão” foi a de que eu deveria retirá-la do ar, ou a reescrevesse de forma favorável ao general suprimindo o seu nome da matéria.

    No texto mencionado eu comento, a partir de um episódio que mereceu ser notícia nos jornais diários, a situação do general Álvaro de Souza Pinheiro, abordado em flagrante na orla da Lagoa Rodrigo de Freitas (ZS do Rio), armado e ameaçando atirar a esmo e, por isto, colocando em risco a vida dos transeuntes. O general foi um dos oficiais que serviram no palco da selva amazônica, reprimindo, torturando e “desaparecendo” com os militantes da Guerrilha do Araguaia, tema sobre o qual ele havia deixado gravado o seu depoimento na Comissão Nacional da Verdade.

    - Você está compreendendo que a matéria que você fez contra o general é uma forma de você mapear para os bandidos e traficantes onde está o general, para eles irem atrás e matar o general? Porque o general detém segredos de estado e de uma certa forma ele está protegendo a gente durante esses anos todos...

    - Eu não escrevi uma matéria contra o general. Enquanto jornalista eu reproduzi a história, respondi. (A ligação caiu, assim como aconteceria várias vezes, ao longo da conversa). Insisti no contato porque eu precisava saber até onde ele iria com aquele “papinho” e qual era o seu objetivo ao me ligar, além do absurdo dos seus pedidos.

    Em alguns momentos ele procurou me “ensinar” como entrevistar e como me dirigir a um oficial militar. 

    - Você não faz perguntas. Você deixa que ele lhe fale as coisas que ele quer falar -, me instruiu. Para, em seguida, me dar conselhos do tipo: 

    - Você deveria parar de escrever matérias contra os militares, porque do contrário você terá problemas com o ministério da Defesa.  

    Nesses momentos eu o questionava. Cheguei a perguntar de pronto se ele estava me ameaçando. Ele escapou com o seu estilo “fantasioso” e um tanto incoerente, como se percebesse que passara do ponto. 

    Perguntado se a ligação tinha a ver com os planos para o “7 de setembro”, negou, mas defendeu Bolsonaro, explicando que o plano dele (o presidente) era mesmo ter poderes para fazer o que prometera de início – no discurso do dia 27 de outubro na Av. Paulista, entre os dois turnos da eleição de 2018 -, quando disse que extinguiria o PT e mandaria toda a esquerda para a cadeia. Falou também sobre a vontade do Bolsonaro de mandar todos para o paredão, “e quer fazê-lo dentro da lei”, ressalvou. (Relembro que a conversa se deu antes do vexame do golpe frustrado, quando teve de recorrer a uma cartinha escrita por Michel, para sobreviver ao anticlímax).

    Em outro dos seus momentos de conversa direta, PSG me disse que em breve eu não teria mais como retirar material do Arquivo Nacional para fazer as minhas “matérias contra os militares”. Aquilo passaria para as mãos deles, que iam acabar “com esta farra de documentos”, foi como se referiu.Na sexta-feira passada, (19/11) foi nomeado Ricardo Borda D’agua de Almeida Braga para o cargo de diretor do Arquivo Nacional (AN), órgão subordinado ao Ministro da Justiça e Segurança Pública. A informação foi publicada na edição do dia 19, no Diário Oficial da União. Borda D’agua é advogado e substitui a bibliotecária Neide de Sordi, que deixou o cargo no início deste mês após mais de dois anos à frente da instituição.

    Até recentemente Borda D’agua era dono de uma empresa de “treinamento e segurança” no Rio de Janeiro. O novo comandante do AN integrou também o governo Ibaneis Rocha, no Distrito Federal, onde também trabalhou o delegado da Polícia Federal, Anderson Torres, atual ministro da Justiça, a quem o Arquivo Nacional está subordinado. O perfil profissional de Borda D’agua sempre o relaciona à segurança pública e nada tem a ver com a expertise exigida para o cargo de diretor-geral do AN. 

    A instituição possui documentos do século XVI ao XXI. Entre eles, encontram-se: a Lei Áurea e as Constituições Brasileiras; documentação sobre a entrada de imigrantes; milhares obras raras; mapas do século XVI ao XIX; fotografias do século XIX e XX, imagens em movimento da Agência Nacional; rótulos e marcas de produtos nacionais e estrangeiros da virada do século XIX etc.

    Até então não falei publicamente sobre essa “ameaça”, mas diante da troca de comando do Arquivo Nacional para as mãos de alguém com esta trajetória, e que o tal interlocutor havia previsto, achei prudente mencionar o assunto. 

    A primeira ameaça – a de colocar o Arquivo nas mãos de alguém da confiança deles - já foi efetivada. Ainda está cedo para efetuarem o próximo passo, o de “acabar com a farra de documentos”, embora já tenham dado sinais nesta direção, quando Bolsonaro autorizou a retirada, do Arquivo, de documentos do histórico das repartições federais, para que elas possam destruí-los sem qualquer controle, como manda a Lei No 8.159, de 8 de janeiro de 1991 e dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados. 

    Quanto ao outro assunto, o de eu ter problemas com o Ministério da Defesa, confiei tanto quanto nas promessas feitas por uma ligação de telemarketing. A propósito, é preciso esclarecer aos (meus dois) leitores, que não tenho escrito com a frequência de antes, não por medo do que disse SPG, mas por estar preparando a minha dissertação de mestrado, que tem prazo e hora. Até lá, retorno aqui esporadicamente, quando a urgência do tema demandar.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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