As brigas internas e externas de Milei
'Javier Milei tem conseguido se distanciar dos principais sócios da política externa argentina', escreve a colunista Marcia Carmo
O presidente da Argentina, Javier Milei, realizou sete viagens internacionais em cinco meses de governo. Nenhuma delas a um dos países vizinhos da América do Sul, como o Brasil, principal sócio comercial da Argentina. No fim de semana, Milei foi um dos palestrantes no encontro da extrema direita europeia chamado Viva24, organizado pelo partido Vox, de seu amigo Santiago Abascal, em Madri.
O presidente argentino ratificou suas falas agressivas da campanha eleitoral, contra o socialismo e a esquerda mundial. “O socialismo é o câncer da humanidade”, disse ele diante de seus pares ideológicos, reunidos na capital espanhola.
O chefe de governo da Espanha é o socialista Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). Sem dizer o nome dele e de sua companheira, Begoña Gómez, Milei os atacou em sua fala pública. “As elites globais não percebem como o socialismo pode ser destrutivo. (...) E mais ainda quando se tem uma mulher corrupta e suja e tira cinco dias para refletir”, disse Milei.
No mês passado, Sánchez pediu uns dias para pensar sobre seu destino político após acusações contra sua esposa, que ele atribuiu a manobras da direita. O governo espanhol exige que Milei peça desculpas. Mas a reação do Executivo argentino foi a negação. “Podem esperar (sentados) porque não haverá (pedido de desculpas)”, disse o ministro do Interior Guillermo Francos. Nesta segunda-feira, a embaixadora da Espanha na Argentina María Jesús Alonso Jiménez já tinha deixado Buenos Aires e retornado à capital espanhola, seguindo determinação do governo de Sánchez.
O barraco entre os dois países vem se arrastando há alguns dias. O ministro de Transportes da Espanha, Óscar Puente, disse que Milei “consumia substâncias (dependente químico)”. Sánchez apoiou a candidatura do ex-ministro da Economia e peronista Sergio Massa, opositor de Milei.
A disputa entre Sánchez e Milei chegou ao clímax no fim de semana, com as agressões do argentino, aplaudido pela extrema direita no evento ultraconservador em Madri. E suas palavras levaram o chanceler espanhol, José Manuel Albares, a dizer que Milei passou de todos os limites das diferenças diplomáticas e ideológicas possíveis. “Isso é inaceitável”, disse. Milei tirou uma foto com empresários espanhóis que depois, nesta segunda-feira, também repudiaram as falas do presidente argentino. “São declarações fora de lugar. Não fazem sentido.
A Espanha é o principal investidor europeu na Argentina”, disse o presidente da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE), Antonio Garamendi. Desde que assumiu, Milei parece não ter perdido um encontro sequer da extrema direita mundial. Em fevereiro, por exemplo, participou da Conferência da Ação Conservadora, nos Estados Unidos, onde abraçou efusivamente o ex-presidente e candidato à Casa Branca, Donald Trump, e disse que esperava que ele voltasse à Presidência. Milei tem sido festejado por Giorgia Meloni, da Itália, pelo ex-candidato presidencial do Chile, José Antonio Kast, opositor de Boric, e por Viktor Orbán, da Hungria, que gerou repúdio europeu por sua perseguição à comunidade LGBTI+.
Aplaudido por seus pares na esfera internacional ultraconservadora, em casa Milei mantém sua motosserra em ação. “Sou um liberal em um país de esquerdistas”, disse em Madri. Um país, a Argentina, onde o consumo caiu 20% em abril na comparação com março, onde mais de 60 mil pessoas perderam seus postos de trabalho no setor privado desde que Milei assumiu, em dezembro passado, onde os setores da construção, comércio e indústria registram forte retração, onde a inflação oficial caiu em abril, registrando 8,8% no mês, mas onde ainda é difícil perceber esse índice (que é maior do que toda a inflação anual do Brasil) quando vamos ao supermercado.
No país de esquerdistas, como definiu Milei, a presidente da Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, esteve no Senado, na semana passada, pedindo que o governo não acabe com o Banco de DNA criado pela entidade nos anos 1980 e que permitiu que 133 netos (filhos de pais sequestrados na ditadura militar e entregues a outras famílias) recuperassem sua identidade. Os cientistas argentinos, por sua vez, criaram uma entidade nos últimos dias, chamada Rede Argentina de Autoridades e Institutos de Ciência e Tecnologia (RAICYT) em defesa das instituições do setor, que Milei pretende reduzir ou eliminar de vez por meio da Lei Bases, já aprovada na Câmara dos Deputados, mas empacada no Senado.
Cinco meses depois de assumir, o presidente argentino não conseguiu aprovar uma lei sequer, mas continua gerando apreensão tanto na sua política externa como na política interna – apesar de ainda manter a simpatia de seu eleitorado cativo. Milei tem conseguido brigar ou se distanciar com os principais sócios da Argentina – Brasil, Espanha, China... Mas já tem nova viagem programada, nos próximos dias, para os Estados Unidos, onde se reunirá com os líderes das empresas de tecnologia, incluindo Elon Musk, com quem vai se encontrar pela terceira vez desde que assumiu a Presidência...
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