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    Roberto Malvezzi

    Graduado em Estudos Sociais e em Filosofia pela Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, em São Paulo. Também é graduado em Teologia pelo Instituto Teológico de São Paulo. Atualmente, integra Equipe CPP/CPT do São Francisco

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    As vozes negras e indígenas na encruzilhada civilizacional

    "Essa é a riqueza na qual mergulhamos. Melhor ainda, só confirmam que a questão desses povos não é só do passado, mas também do presente e para o futuro"

    Indígenas ianomamis em Alto Alegre (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

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    Há uma explosão de vozes negras e indígenas – masculinas e femininas – no mundo contemporâneo, o que constitui um fenômeno inovador. Uma das sugestões do Papa Francisco no Sínodo para a Amazônia é que tivéssemos a capacidade de ouvir a fala dos povos originários e tradicionais. Ele chega a afirmar no “Querida Amazônia” que, muitas vezes, a extinção de uma tradição cultural dessas, é tão ou mais prejudicial à humanidade que a extinção de uma espécie animal ou vegetal.

    No ano passado passei a ler muito da literatura de autores indígenas,
    ainda não encontrei textos ou livros de autoras indígenas. Claro,
    acompanho com cuidado falas como a de Txai Suruí na ONU, ou das jovens mulheres indígenas que estão em diversos campos da sociedade no sentido de defender os interesses de seus povos. Às vezes tenho o
    privilégio de ouvir diretamente mulheres como a cacique Lucélia
    Pankará, de Itacuruba, Pernambuco. Sinto que grande parte das
    esquerdas têm imensas dificuldades de assimilar esses pensamentos e
    estilos de vida. São outras matrizes civilizacionais e elas não se
    encaixam nos nossos esquemas mentais ocidentais já consolidados.

    Ler e ouvir pessoas como Ailton Krenak, Davi Kopenawa, tantos outros e
    outras, é entrar em outra leitura de mundo. Com eles e elas saímos da
    entediante lógica ocidental, com seu raciocínio frio e distante do
    resto da humanidade, principalmente os intelectuais orgânicos ao
    capital. Essa é a riqueza na qual mergulhamos. Melhor ainda, só
    confirmam que a questão desses povos não é só do passado, mas também do presente e para o futuro. “Aqueles que vivem nas bordas do
    planeta”, na expressão fantástica de Ailton Krenak, têm muito a dizer
    para a humanidade dominante nesse momento crucial da história humana na face da Terra.

    Esse ano comecei lendo livros da literatura negra. O livro inicial foi
    “Lugar de fala”, de Djamila Ribeiro. Ali estão citados vários autores,
    principalmente autoras, que abrem um campo imenso para entender essas vozes negras, femininas, a partir de seu standpoint. Não sou muito de anglicismos, mas gostei da expressão. Ou, como diz Leonardo Boff,
    “cada ponto de vista é a vista de um ponto”. Então, elas falam de seu
    lugar na sociedade e na história. Como eu costumo dizer a respeito de
    mim mesmo, “nós brancos nunca saberemos o que é ser pele negra ou
    indígena nesse país chamado Brasil”. E vejo a repercussão dessas
    reflexões até mesmo nas Pastorais Socioambientais, quando as mulheres
    que fazem essas pastorais questionam os homens e seus companheiros
    pela reprodução machista e discriminatória no âmbito da Igreja e das
    próprias pastorais.

    A humanidade consciente está buscando dois caminhos: os privilegiados
    querem manter seus lugares e, mesmo sabendo que estamos indo ao
    abismo, preferem seguir em linha reta, como ovelhas na direção do
    despenhadeiro. Eles julgam que suas riquezas e poderio militar os
    salvarão de um colapso global. Há outros, também conscientes, que ao
    menos tentam “adiar o fim do mundo”. É nesse campo que estão tantos
    pensadores e pensadoras do mundo indígena e negro.

    Sou um homem branco que casou com uma mulher negra. Tivemos duas
    filhas e dois filhos multicores. Com ela aprendi muito sobre as
    sutilezas do racismo. Ela perdeu a vida para o Covid. Mas, eu quero
    continuar ouvindo o que esses e essas pensadoras têm a nos dizer para
    que “o céu não caia sobre nossas cabeças” e sobre a cabeça das
    gerações futuras.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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