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    Luis Pellegrini

    Luís Pellegrini é jornalista e editor da revista Oásis

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    Assassino de palavras. Trump segue na sua guerra contra o verbo

    "Por anos, a direita usou o fantasma da cancel culture, mas quando chegou ao poder, começou a aplicá-la", diz Luis Pellegrini

    Presidente dos EUA, Donald Trump - 13/03/2025 (Foto: REUTERS/Evelyn Hockstein)

    “O verdadeiro poder é a palavra”, afirmou o autor argelino Kateb Yacine. Ele enfatizava o poder da palavra como instrumento de resistência e transformação social. Donald Trump parece saber disso muito bem, em sua atual campanha pela eliminação de centenas de nomes e palavras caras à cultura woke.

    Ativismo, antirracismo, LGBT, negro, prostituta, sexo, preferências sexuais, sistêmico – são apenas algumas das muitas centenas de palavras que, a partir de agora, por ordem da administração Trump, serão canceladas ou pelo menos “usadas com extrema parcimônia” em todos os documentos oficiais. Há poucos dias o New York Times publicou a lista dos termos proibidos. Trata-se do enésimo capítulo da cruzada contra tudo aquilo que cheire, mesmo de longe, a chamada cultura woke - (sensibilização sobre questões sociais como racismo, desigualdade social e direitos LGBTQ+), levada adiante sem trégua pelo atual governo norte-americano.

    A campanha já cometeu atos grotescos, como o desaparecimento no site do Pentágono do nome e das referências ao avião militar Enola Gay, aquele que lançou a bomba atômica sobre Hiroshima. Motivo? O nome recorda excessivamente a homossexualidade, embora fosse apenas o nome da mãe do piloto. Sem falar no Golfo do México, agora proibido, trocado por Golfo da América. E a lista dos cancelamentos absurdos de nomes e palavras parece não têm fim. Ativista, antirracista, saúde mental, biologicamente mulher, biologicamente homem, discriminação, marginais, marginalizados, homens que praticam sexo com homens, minorias, taça, diversidade racial, racismo, segregação, preferências sexuais, sexualidade. E também intersexual, não binário, transgênero, transexual, opressão, opressivo e – pasmem – fêmea e fêmeas!

    Um dos cancelamentos mais simbólicos está ocorrendo agora num logradouro da capital, Washington, situado a poucas centenas de metros da Casa Branca: a Praça Black Lives Matter (Vidas Pretas Importam). Nesta semana, com efeito, começaram os trabalhos para cancelar esses dizeres e refazer a praça: quem decidiu foi a prefeita, Muriel Bowser, depois que os republicanos do Congresso ameaçaram cortar os fundos destinados ao município. Trump imediatamente postou o vídeo dos trabalhos de raspagem da escrita em sua rede social, de nome Truth Social.

    Claro, o presidente não poderia tolerar, quase em frente à sua “Casa Branca”, uma pequena praça cujo nome foi criado para lembrar os ocupantes da morada presidencial e as pessoas em geral que vidas negras importam e têm valor, sim. Apesar do racismo, da Ku Klux Khan, das mortes violentas de pretos inocentes pela polícia, das mil e uma injustiças cometidas durante séculos contra pretos, latinos e tudo aquilo que não cheira a branco cristão. De agora em diante, a expressão Black Lives Matter não mais poderá figurar em nenhum documento ou comunicado oficial. Está cancelada.

    Não é exatamente uma novidade: por anos, a direita usou o fantasma da cancel culture, mas quando chegou ao poder, começou a aplicá-la. Sabia-se que iriam fazer isso, nenhuma surpresa, portanto. Qual é a intenção de Trump ao cancelar palavras de uso corrente nos EUA? Simples: motivações políticas, estratégicas e ideológicas. Eis aqui algumas delas:

    1. Imposição de uma Narrativa Conservadora

    • Muitas das palavras banidas estão associadas a temas como diversidade, igualdade racial, gênero e direitos LGBTQ+. Ao eliminar esses termos, a administração Trump busca moldar a linguagem oficial para refletir valores mais alinhados ao conservadorismo.

    • O objetivo é reduzir a presença de discursos progressistas dentro das instituições federais, reforçando uma visão tradicionalista da sociedade.

    2. Guerra Contra o ‘Woke’ e a Cultura Progressista

    • Trump e sua base política frequentemente criticam o que chamam de “cultura woke” (sensibilização sobre questões sociais como racismo, desigualdade e direitos LGBTQ+).

    • Ao restringir certas palavras, o governo tenta enfraquecer conceitos fundamentais desse movimento, dificultando seu uso na legislação, políticas públicas e educação.

    3. Reação à ‘Cancel Culture’ Progressista

    • A direita americana há anos acusa os progressistas de impor uma ‘cultura do cancelamento’ contra pessoas que não seguem certas normas de linguagem ou pensamento.

    • Ao banir palavras, o governo Trump pode estar invertendo o jogo e aplicando sua própria versão do cancelamento, mas agora às avessas, contra a linguagem e conceitos progressistas.

    4. Efeito Político e Eleitoral

    • A proibição de palavras reforça a conexão de Trump com sua base conservadora e evangélica, que muitas vezes rejeita termos ligados a diversidade, equidade e inclusão.

    • Essa estratégia fortalece sua posição entre eleitores que veem essas mudanças culturais como uma ameaça à identidade tradicional dos EUA.

    5. Reconfiguração das Políticas Públicas

    • Ao remover palavras como “equidade”, “racismo sistêmico” e “identidade de gênero” dos documentos oficiais, fica mais difícil justificar políticas públicas voltadas para esses temas.

    • Isso pode resultar em menos proteção para grupos marginalizados e na diminuição de programas de inclusão e diversidade.

    Em resumo, essa política linguística não é apenas uma questão de palavras, mas sim uma estratégia de controle da narrativa nacional, com impactos profundos na política, cultura e na forma como os EUA lidam com temas sociais. Em outras palavras, mais um passo do atual governo em direção a um regime autoritário, obscurantista e reacionário de direita.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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