Ataque em escola paulista revela a falta de humanização no ensino básico brasileiro
'É preciso desfazer retrocessos na educação após o golpe de 2016, para não seguirmos à deriva com a violência escolar', escreve a colunista Carla Teixeira
A Escola Estadual Sapopemba, localizada na zona leste da capital paulista, foi palco de um ataque a arma de fogo. Desta vez, um estudante de 16 anos entrou e atirou a queima roupa, pelas costas, na cabeça de uma estudante de 17 anos. Até ser preso, deixou outras três estudantes feridas, duas a bala e outra que se machucou ao cair enquanto tentava fugir. Todos os alvos foram mulheres.
Entre as motivações para o crime, foram apontados sucessivos episódios de bullying que geraram o registro de um Boletim de Ocorrência por parte do assassino, ainda em abril deste ano, após ele ter sido agredido fisicamente por vários colegas dentro da sala de aula. De acordo com a imprensa, as agressões físicas e verbais ocorriam porque o autor dos disparos era homossexual. Não consta que qualquer professor ou a direção da escola ou a secretaria de educação do Estado tenham tomado qualquer providência para punir os agressores, acolher a vítima e promover discussões sobre o tema a fim de apaziguar o conflito. Consta, sim, que há pelo menos duas semanas o autor do ataque ameaçava que poderia agir contra seus agressores. Nada foi feito para impedir.
Este é o nono ataque a escolas apenas em 2023. É o maior número já registrado em um único ano. Em geral, esses ataques são movidos por crime de ódio ou vingança provocada por ressentimentos. Grupos de debates, em redes sociais, também são apontados como espaços que incentivam esse tipo de prática violenta. Entre os fatores que contribuem para tal cenário está o fato da escola ser atravessada por diversas formas de violência manifesta na sociedade: o racismo, o machismo, a misoginia, o capacitismo, a homofobia etc. Sem ações concretas para romper o ciclo bestial primitivo, a escola torna-se espaço reprodutor das agressões. Como os episódios são tratados como situações individuais, não como um problema coletivo, a resposta do poder público acaba redundando em ações punitivistas que se mostram ineficazes para resolver o problema.
Há que se considerar também a inflação de ódio que tomou conta do país, especialmente após a eleição do genocida, em 2018, e seu discurso abertamente violento contra mulheres, contra homossexuais, contra artistas, contra jornalistas, contra professores, entre outros. A política de liberalização de armas é outro fator importante. O estudante que matou a adolescente em Sapopemba utilizou a arma do pai que estava totalmente de acordo com a lei. Em outras palavras, a necropolítica de Bolsonaro permitiu que adolescentes tivessem acesso a armas de fogo, convertendo-os em assassinos em potencial.
Na outra ponta, a Reforma do Ensino Médio, promovida pelo governo golpista de Michel Temer, desumanizou os currículos e deixou as escolas à sua própria sorte. Se antes cabia ao poder público oferecer os conteúdos obrigatórios, com a flexibilização dos currículos que tornou apenas matemática e língua portuguesa obrigatórias no ensino médio, agora as escolas têm de construir seu itinerário formativo com os quadros que dispõem. Não é incomum professores de outras áreas ministrando conteúdos fora de sua formação. De acordo com dados recentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre 42 países, o Brasil ocupa o terceiro lugar entre os que menos investem em educação, ficando à frente apenas do México e da África do Sul. Uma vergonha!
Sem estrutura física, sem recursos humanos e sem uma intervenção firme do poder público, especialmente do Governo Federal, para desfazer os retrocessos impostos à educação pública do país após o golpe de 2016 e durante o governo Bolsonaro (que reduziu drasticamente os recursos para a Educação), seguiremos à deriva com a violência escolar, enxugando gelo por tratar como fatos individuais questões coletivas da sociedade. É preciso um contundente investimento na educação pública brasileira, humanizar os currículos, valorizar o salário e a carreira docente, promover a arte e a cultura, construir museus, resgatar a memória de violência fundada na colonização genocida e escravizadora para que os jovens estudantes possam enxergar seu lugar no mundo e não tornarem-se prisioneiros da própria história, reproduzindo o que há de mais nefasto na sociedade. Cuidar da juventude é cuidar do futuro. A seguir do jeito que estamos, o nosso aponta um sombrio porvir.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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