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    J. Carlos de Assis

    Economista, doutor em Engenharia de Produção pela UFRJ, professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba e autor de mais de 20 livros sobre economia política.

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    Biden e a hipocrisia democrática

    O modelo de democracia que os Estados Unidos querem exportar para todo o mundo, no que diz respeito a direitos de cidadania, não passa de uma fraude

    Joe Biden (Foto: Leonardo Attuch)

    Em seu primeiro discurso na Assembleia Geral da ONU, após sua  posse na Casa Branca em janeiro de 2021 e a retirada dos Estados Unidos  do Afeganistão, Joe Biden fez um pronunciamento magistral para o  mundo e para o futuro da Humanidade,  reconhecendo implicitamente a  derrota na Ásia e anunciando uma era de paz para o Planeta. Em seus  termos, era o fim das guerras e o começo da “era da diplomacia”. 

    Fiquei tão entusiasmado que escrevi um livro, “A Era da Certeza”,  para fazer um contraponto com o livro do excepcional economista e  pensador John Kenneth Galbraith, “A Era da Incerteza”, escrito no fim dos  anos 1980 num momento de grande intranquilidade política e social no  mundo. A validade de meu livro durou um mês. Biden o fulminou, assim  como ao mundo, com uma virada de 180 graus no discurso e na ação.  

    De fato, poucas semanas depois de seu pronunciamento animador  para os pacifistas, ele convocou uma reunião virtual com cerca de  dirigentes de mais de 100 países a partir da Casa Branca a fim de iniciar  uma cruzada universal pela democracia. Com isso, daria um passo decisivo  para a restauração da Guerra Fria, com uma provocação inequívoca a  países como China e Rússia, que excluiu do encontro.

    Era evidente que a lição do Afeganistão não foi bem absorvida pelo  Deep State de Washington. Os falcões voltaram à baila. Daí em diante, foi  uma escalada de provocações contra países de sistemas políticos  tradicionais, fora dos padrões que os americanos querem impor como a  melhor forma de governo para as sociedades.

    O discurso da democracia tornou-se samba de uma nota só no  ocidente. Todo mundo começou a falar em defesa da democracia,  inclusive, com muita insistência, Lula. Foi pouco questionado. Sociedades  tradicionais da África e da Ásia, e algumas experiências socialistas da  América Latina, passaram a sofrer pressões crescentes de Washington  para mudar seus sistemas de governo. Em alguns casos, com bloqueios e  embargos.   

    Entretanto, gostaria de perguntar, a qual democracia os Estados  Unidos se referem? À sua? A que permite que um candidato derrotado  numa eleição presidencial comande um assalto de uma massa de mais de  mil vândalos  ao Congresso (Capitólio), onde foram mortas seis pessoas,  na tentativa de impedir a posse de um candidato legitimamente eleito?  É  muito imperfeita.  

    A democracia dos Estados Unidos baseia-se numa dupla oligarquia  partidária, num sistema jurídico dominado por partidos políticos (a  Suprema Corte vota segundo a filiação partidária de seus integrantes),  num sistema eleitoral corrompido pelo dinheiro, num sistema político  distorcido pela ignorância de um eleitorado que se põe de costas para o  mundo, em relações pessoais governadas pela posse de armas de fogo por  civis.   

    Talvez convém ir às raízes semânticas da palavra democracia para  entender seu conteúdo atual nos Estados Unidos e em vários outros  países, como o Brasil. A origem da palavra democracia não é, como muitos  pensam, poder (kratos) do povo (demo). Demo, na Grécia pré-clássica –  portanto, antes de Sócrates, Platão e Aristóteles -, não significava povo.  Significava gleba, ou fazenda. Portanto, democracia era o poder das  oligarquias rurais.   

    Isto está muito mais próximo do significado da democracia hoje do  que a ideia de poder do povo. Na verdade, as democracias modernas têm  características importantes como respeito à liberdade e aos direitos  humanos. Porém, de forma alguma, é um modelo do poder da cidadania.  Esta é um objeto de manipulação pelos ricos através da grande mídia. Nos  Estados Unidos, isso é inequívoco. No Brasil, democracia é o poder das  oligarquias econômicas urbanas e rurais, destacadamente do agronegócio.   

    O modelo de democracia que os Estados Unidos querem exportar  para todo o mundo, no que diz respeito a direitos de cidadania, não passa  de uma fraude. O exemplo que dão de direitos de cidadania é de uma  pessoa que, pela força do dinheiro, contorna múltiplas investigações e  denúncias por crimes pessoais expostos a toda a sociedade e consegue  escapar da Justiça, candidatar-se e ganhar a Presidência da República!   

    E quem é essa pessoa? Um defensor dos direitos humanos? Não  estaria entre esses direitos o respeito à vida, à conservação do meio  ambiente e à sobrevivência da Humanidade, numa época de desastres  climáticos extremos? Ou o grande avatar norte-americano é o que ignora  a defesa ambiental, promete ampliar a produção de petróleo no território  do País para tornar-se autossuficiente, retira os Estados Unidos do acordo  climático de Paris e evita qualquer compromisso com o futuro da  Humanidade?  

    Desculpem-me, não dá para engolir essa democracia. Creio que há,  no norte da Europa, pequenos países como Noruega e Dinamarca que são  monarquias constitucionais simbólicas que têm características de  democracias. Porém, têm pouca influência no mundo e não são  dominadas pelo poder do dinheiro. São também países de alta cultura,  que escapam das armadilhas da ignorância orgânica do eleitorado, como  ocorre nos Estados Unidos e no Brasil.  

    Sinceramente, a esse tipo de democracia americana, prefiro um  sistema autoritário que concilie respeito aos direitos humanos, direito à vida e direito ambiental. Isso é possível e preferível a direitos políticos  hipócritas, inclusive eleitorais, principalmente quando acobertam o  controle político de sociedades ignorantes e incapazes de reconhecer seus  direitos aos bens materiais básicos e ao desenvolvimento econômico  sustentável.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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