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Tereza Cruvinel

Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade

"Os líderes da oposiçao que estão falando em crime de responsabilidade não exageram. A Lei 1079/50, que define tais crimes, enumera os atos do presidente da República que ser enquadrados como tais. No artigo 12, elenca os que chamados crimes contra o cumprimento de decisões judiciais", lembra a colunista Tereza Cruvinel

(Foto: ADRIANO MACHADO - REUTERS)

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É gravíssima a revelação feita neste sábado pelo presidente Bolsonaro em conversa com jornalistas. Ele confessa que pegou as gravações da secretária eletrônica de seu condomínio, “antes que fossem adulteradas”, e o faz na primeira pessoa do plural: “nós pegamos”. Sua declaração sugere a ocorrência de obstrução de investigações, e por isso terá consequências, Ou deveria ter.  Tal como por ele apresentada, configura crime de responsabilidade, que dá impeachment.

Disse ele:

        - ...  e outra, nós pegamos antes que fosse adulterado, pegamos lá toda a memória da secretária eletrônica, que é guardada há mais de anos, a voz não é minha. Não é o seu Jair. Agora, que eu desconfio, que o porteiro leu sem assinar ou induziram ele a assinar aquilo. Induziram entre aspas, né? Induziram a assinar aquilo.

        “Aquilo” é a afirmação do porteiro de seu condomínio na Barra, de que Elcio Queiroz, no dia da execução de Mariele Franco, apareceu no condomínio e pediu para ir à casa de Bolsonaro, a 58, mas dirigiu-se para a 65, do comparsa Ronnie Lessa.  Eles foram, segundo a polícia, os executores do crime. Vendo isso pelo monitor de vídeo, o porteiro disse, e repetiu no segundo depoimento, que ligou de novo para a casa do hoje presidente, ouvindo que estava tudo bem. Se foi assim, por que raios o porteiro anotou, na planilha manuscrita, que Elcio foi à casa 58? Se ele mentiu, como disseram as procuradoras, porque mentiu no papel também, no dia 14 de março de 2018, sem saber que haveria um crime à noite?

        É incompreensível que os repórteres, ouvindo a confissão de Bolsonaro,  não lhe tenham perguntado quando foi que pegaram a tal memória, e quem exatamente fez isso. O filho Carlos Bolsonaro, na quarta-feira, exibiu a lista de chamadas da portaria, mostrando que só a casa 65 foi acionado, e que foi Ronnie quem atendeu e autorizou a entrada de Élcio. Era à ação do filho que Bolsonaro se referia? Carlos disse que obteve a memória eletrônica com o síndico, que não poderia tê-fornecido, pois se tornara objeto de investigação. Ou Bolsonaro disse que, há muito tempo,  já haviam se apropriado da memória? Seja como for, ele confessa que se apropriou de um objeto sabendo que seria alvo de investigação, buscando antecipar-se a ela.

         Os líderes da oposiçao que estão falando em crime de responsabilidade não exageram. A Lei 1079/50, que define tais crimes, enumera os atos do presidente da República que ser enquadrados como tais. No artigo 12, elenca os que chamados crimes contra o cumprimento de decisões judiciais. Entre eles, diz o artigo no inciso I - "Impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário". Foi isso que fez Bolsonaro, ao subtrair a memória da secretária eletrônica a portaria, "antes que fossem adulterada".  Possivelmente quem pegou o foi seu filho Carlos, mas quando ele diz "nós pegamos", assume a autoria do ato.

        Para entender melhor, vale recapitular a ordem dos acontecimentos recentes.

        Manipulando o célular de Ronnie Lessa, os investigadores acharam uma mensagem de sua mulher, enviando foto da planilha manual em que o porteiro anotou como destino de Elcio a casa de Bolsonaro.

        Em seguida, no dia 5 de outubro, foram ao condomínio e requisitaram a planilha manual. Souberam qual o porteiro estava de plantão naquele horário e o chamaram para depor.

        O porteiro depôs no dias 7, e repetiu o depoimento no dia 9, mantendo a sua versão.

        A reportagem do Jornal Nacional, exibida na terça-feira, dia 28, parece ter sabido da história só até aí.

        Mas no dia 15 os investigadores souberam, pelo síndico do condomínio, da existência dos registros eletrônicos, e dele receberam um CD com as gravações. Não requisitaram os equipamentos que contêm os registros originais, nos quais pode ter havido adulterações. E nem mandaram periciar os dados do CD.

        Só fizeram isso no dia 30, e depois que Carlos Bolsonaro divulgou o seu material. Supostamente aquele a que se refere Bolsonaro: “nós pegamos”.

        O que aconteceu entre o dia 15, quando o material foi obtido pela polícia com o síndico, e o dia 30, quando foi feita uma perícia rápida e discutível, pois realizada sobre uma cópia e não sobre o equipamento original, na qual se basearam as procuradoras do MP-RJ para desqualificar a matéria do Jornal Nacional e acusar o porteiro de ter mentido? Naqueles 15 dias, muita coisa pode ter acontecido. Foi neste período que Carlos Bolsonaro teve acesso aos registros?

        Quando diz “nós pegamos”, Bolsonaro está falando deste acesso do filho,  que caracteriza o verdadeira ingerência nas investigações, ou Bolsonaro fala que, muito tempo antes, já tinham se apossado dos registros?

        O que ele diz é muito grave e precisa ser esclarecido.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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