Bolsonaro cospe chorume na pluralidade
Com base na filósofa Hannah Arendt, a pluralidade é o que dá sentido à liberdade. A declaração de Jair Bolsonaro sobre gays e o veto à campanha do Banco do Brasil com negros revelam que o presidente é somente um chorume que sai do conflito de classes quando opta pelo aprisionamento ao hegemonismo cultural da elite
O presidente Jair Bolsonaro revelou mais uma vez o seu desprezo à pluralidade, uma força motriz da política, que se torna mais forte quando mais plural for. A declaração de que "o Brasil não pode ser um país do mundo gay” e o veto à campanha do Banco do brasil com negros e negras é mais um sinal do quanto o atual mandatário quer fazer da política um meio de manter a seletividade racial e de orientação sexual dentro das instituições políticas, tendo ramificações, como a comunicação e o marketing.
Com base na obra “A Promessa da Política”, da filósofa Hannah Arendt (1906-1975), a liberdade só faz sentido se for plural. Ela não surge no interior do homem, mas sim no espaço de interação (no sentido mais amplo da palavra) entre as pessoas. Quanto mais gente envolvida em uma ação, mais diferentes pontos de vista uma manifestação terá e, por consequência, será mais forte. Mas, em regimes ditatoriais, por exemplo, se reduz o pensamento a uma única linha e, mais do que isso, destroem-se laços sociais, para diminuir a força de uma eventual manifestação contra o regime.
O sentido da política é a liberdade de por algo em movimento para se adequar ao curso do tempo presente e, quem sabe, fazer o imprevisível. É um meio de se colocar em prática um processo visando um convívio mútuo bom para todos. Se a política fosse um fim em si mesma, o homem teria menos possibilidades de ações em prol da convivência benéfica para a coletividade porque ficaria “congelado” no tempo, “preso” a uma ideia supostamente imutável, alheia aos contextos sócio-históricos e que serve ou serviu em um determinado período de tempo, mas não necessariamente em outro.
Quanto menos plural for a política, mais fácil é a manipulação de um povo, que, de um certo modo, a enxerga a sociedade como um espelho das instituições, e o hegemonismo cultural como o guia de um povo. Claro que muitas pessoas não vão olhar entidades supostamente representativas e ver na corrupção um modelo a ser seguido, mas a pauta antirracismo e anti-homofobia é cada vez mais urgente, pois a escravidão de negros foi o “solo” para a formação socioeconômica e política brasileira. Outro detalhe que é o país onde mais transexuais são mortos. De acordo com a ONG Transgender Europe (TGEU), entre 1º de outubro de 2017 e 30 de setembro de 2018, 167 transexuais foram mortos. Levantamento feito em 72 países apontou o México em segundo lugar, com 71 vítimas, seguido pelos Estados Unidos (28) e pela Colômbia (21).
Racismo é uma relação social, que visa a continuidade da desigualdade. Na pauta LGBT um dos maiores entraves é fazer os conservadores entenderem que esta causa de combate à homofobia não é incentivar outras pessoas a serem gays, trans ou bissexuais, mas sim igualar direitos. Boa parte da elite também vê a garantia de “privilégios” na lei como o objetivo deste grupo social, sendo a Constituição uma forma de aparato para fins individuais, enquanto uma de suas funções é garantir a liberdade de expressão. Não apenas a liberdade de se manifestar verbalmente, mas de produzir reflexões e colocar em prática ações de interesse público.
Não é incomum o negro ou o gay se distanciar da discriminação por causa da ascensão social, pois, como refletiu o filósofo Karl Marx (1818-1883), no capitalismo o ser humano é muitas vezes valorizado pela consequência do seu trabalho no modo de produção. O homem e a mulher são peças da “fábrica do sistema”, o que só é disfarçável pelo salário e por direitos garantidos na lei. A mudança na correlação de forças continua sendo a chave para a inclusão de negros e LGBTs na sociedade de forma que não sejam vistos como inimigos ou inferiores biologicamente. Bolsonaro é somente um chorume que sai do conflito de classes.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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