Bolsonaro estimula o "novo cangaço"
Jair Bolsonaro "vem tomando medidas a favor do armamento da população - que supostamente deve cuidar da própria segurança, desistindo da proteção do Estado", afirma Tereza Cruvinel, do Jornalistas pela Democracia. "E com isso turbina a violência, inclusive em novas modalidades, como o 'novo cangaço'", complementa
Por Tereza Cruvinel, do Jornalistas pela Democracia
No purgatório em que vivemos no Brasil, afligidos por tantos males, vamos deixando alguns acontecimentos em segundo plano, deixando de conectá-los com suas causas políticas, vale dizer, com a responsabilidade que por eles têm o desgoverno de Jair Bolsonaro.
Esta semana, por exemplo, bandos armados e violentos aterrorizaram os moradores de Criciúma (SC) e Cametá (PA). Para estourar caixas eletrônicos do Banco do Brasil, eles chegaram em carros blindados, portando armas pesadas, como fuzis exclusivos das Forças Armadas ou importados, gastando munição a rodo para assustar a população. Moradores foram humilhados e usados como reféns ou como escudos. Os vídeos feitos pelos habitantes mostram a similaridades dos métodos. A diferença foi que em Cametá eles acabaram estourando a máquina errada e não conseguiram levar o dinheiro. Mas deixaram um morador morto na ação.
Estes casos não são isolados. Ações semelhantes já aconteceram este ano em outras cidades do Pará, como Ipixuna, e do interior de São Paulo, como Araraquara e Botucatu. E também no interior de Minas e em alguns pontos do Nordeste. De lá veio o apelido de "novo cangaço" para estas ações violentas e rápidas, com uso de armas pesadas e de explosivos, tomada de reféns e cerco aos quarteis ou delegacias. Assim agiam também, com menor poder de fogo, os cangaceiros que espalharam o terror pelo Nordeste no final do século XIX e começo do século XX.
Muitas causas têm sido apontadas, como a chegada do final do ano, quando bancos movimentam muito dinheiro, a busca de compensação por quadrilhas ou organizações criminosas que "faturaram" pouco durante a pandemia, entre outras. Mas certo mesmo é que nestas ações chama a atenção o grande volume de armas e explosivos utilizados, e a presença de fuzis e outras armas de uso exclusivo das Forças Armadas. E isso tem uma relação clara com a política bolsonarista de flexibilizar as regras para posse, uso e circulação de armas no país.
E onde estavam os órgãos de inteligência (ABIN) e de segurança (Polícia Federal e outras polícias) que não foram capazes de perceber que num mesmo período houve um número enorme de roubos de carros blindados? Ah, estavam muito ocupados, principalmente com a defesa de familiares do presidente, como o encrencado senador Flávio Bolsonaro. Ou colaborando com a elaboração de listas de antifascistas ou de detratores de ministros do governo.
Nesta quinta-feira, o deputado Eduardo Bolsonaro foi fotografado com uma arma na cintura durante uma visita ao Palácio do Planalto. Entrar armado no palácio presidencial é proibido mas certamente isso deixou de valer para filhos do presidente. Eduardo não perde chance de fazer proselitismo a favor das armas, seja com gestos ou com declarações.
Desde o início, o governo vem tomando medidas em série para flexibilizar a posse de armas, inclusive as de uso exclusivo das Forças Armadas. Bolsonaro acabou com o controle e o rastreamento de munições, liberou quantitativo maior para compra de munição, e armou e municiou, descontroladamente, os clubes de tiro, que potencialmente podem ser usados para armazenagem e distribuição de armas e munição para milícias e para o crime organizado. O "novo cangaço" recebe uma inegável ajuda das medidas tomadas por Bolsonaro.
Em abril passado ele revogou três portarias do Exército, importantes para o controle de armas. A de número 46 estabelecia a criação do SisNaR (Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados). Neste sistema deveriam ser lançados mais de 380 itens controlados pelo Exército. Ele revogou também a portaria 60, que previa a identificação e marcação de todas as armas de fogo produzidas no país ou importadas, que passariam a ter inscritos dados como nome do fabricante, país de origem, calibre, número de série, ano de fabricação e modelo. Revogada foi também a portaria 61, que estabelecia mecanismos de controle de embalagens e cartuchos, obrigando os fabricantes e comerciantes a manter um banco de dados sobre todas as operações, importações, expedições, vendas, movimentação e eventuais sinistros envolvendo munições. Um general do Exército demitiu-se da função em protesto contra a revogação dos controles.
Outra medida armamentista do governo foi o aumento, quantitativo e qualitativo, das armas que podem ser adquiridas por pessoas físicas ou pelos CACs (colecionadores, atiradores e caçadores), o que inclui os clubes de tiro. O ex-sargento Ronnie Lessa, aquele vizinho de condominio de Bolsonaro que está preso e é tido como um dos assassinos de Mariele Franco, tinha autorização para comprar armas e munições, pois possuía um certificado de CAC. Outro que tinha a mesma regalia era o miliciano Adriano da Nóbrega, de forte conexão com Fabrício Queiróz e o gabinete de Flavio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, o vale da "rachadinha".
Estelionato eleitoral também é isso. Bolsonaro, na campanha, prometia jogo duro contra o crime. No cargo, vem tomando medidas a favor do armamento da população - que supostamente deve cuidar da própria segurança, desistindo da proteção do Estado. E com isso turbina a violência, inclusive em novas modalidades, como o "novo cangaço".
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