Bolsonaro no banco dos réus: um julgamento da história
O julgamento de Bolsonaro será um divisor de águas
Jair Bolsonaro nunca foi um político convencional, tampouco um líder democrático. Militar insubordinado, planejou explodir quartéis em protesto por aumento salarial. Na política, encontrou um novo espaço para disseminar sua retórica golpista. Desde a década de 1990, como deputado do baixo clero, fez da defesa da ditadura militar sua principal bandeira, chegando ao absurdo de homenagear o general-torturador Brilhante Ustra na votação do impeachment de Dilma. Nossas instituições não falharam naquela fatídica tarde de domingo apenas quando aceitaram um golpe parlamentar, mas também quando o então deputado golpista não saiu algemado daquela sessão.
O que ocorreu no dia 8 de janeiro não é um incidente isolado, mas o resultado de uma construção que aconteceu ao longo de décadas. A insurreição daquele dia, que buscou deslegitimar o processo eleitoral, é o resultado prático do discurso de alguém que nunca mostrou apreço pela democracia, mesmo quando se beneficiou dela para ser eleito. Essa contradição expõe também uma hipocrisia que permeia sua retórica: um sujeito que elegeu a si mesmo e quatro filhos por meio do sistema que agora tenta deslegitimar.
O planejamento meticuloso construído para tomar o poder foi construído sob o silêncio covarde de Bolsonaro e diante dos acampamentos golpistas. O que estava por trás daquele silêncio, hoje é conhecido por todos, revelado por um volume farto de provas que indicam em seu ponto mais crítico, um plano doentio para assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. A minuta do golpe, encontrada na casa de Anderson Torres, é mais um documento que evidencia o desprezo da extrema-direita com o voto popular.
E foi com essa lógica que Bolsonaro governou. Durante quatro anos, ele não administrou um país – ele inflamou uma guerra. Essa guerra foi travada contra a imprensa, as instituições, opositores, a ciência, os pobres e, sobretudo, contra a própria democracia. Seu governo não foi pautado na gestão, mas no caos. A derrota nas eleições de 2022 não foi aceita como um revés normal dentro da democracia, mas como uma afronta pessoal que deveria ser revertida a qualquer custo. E agora, após falharem, os golpistas querem anistia.
Por outro lado, se a militância petista tivesse quebrado tudo na Praça dos Três Poderes quando Bolsonaro ganhou a eleição em 2018, a extrema-direita jamais apoiaria uma anistia. No entanto, o PT não estimulou a depredação do patrimônio público nem descredibilizou o resultado da eleição presidencial. Os integrantes da vigília “Lula Livre” não invadiram o prédio da 13ª Vara de Curitiba ou o Ministério Público quando Lula foi preso, mesmo discordando das ações de Sergio Moro. A direção nacional do partido, em nenhum momento, incentivou agressões físicas a Moro, Deltan Dallagnol ou à quadrilha da Lava Jato.
O julgamento de Bolsonaro não é uma questão meramente jurídica – é uma questão moral e histórica. A democracia sobrevive não apenas porque há leis, mas porque há consequências para quem tenta destruí-la. Nos Estados Unidos, Donald Trump não foi punido pelo ataque ao Capitólio em 2021. O resultado? Ele voltou mais forte, disputando novamente a Presidência com um discurso ainda mais radical. No Brasil, permitir que Bolsonaro saia impune significa abrir um precedente perigoso: é dizer que qualquer outro líder pode tentar um golpe sem sofrer consequências.
O bolsonarismo, portanto, não acabou. Ele continua vivo, reorganizando-se e preparando-se para novas investidas. Sem punição, Bolsonaro se tornará um mártir para seus seguidores, um símbolo da extrema-direita, e voltará com ainda mais força. Sua absolvição significará que atacar a democracia não é um crime tão grave assim – que vale a pena tentar um golpe, pois, no pior dos casos, nada acontece.
O Brasil já cometeu o erro da impunidade antes. Após a ditadura, não julgamos os torturadores e não responsabilizamos os militares que prenderam, torturaram e assassinaram opositores. Deixamos que eles se aposentassem em paz, sem prestar contas pelos crimes que cometeram. O general José Antônio Belham, por exemplo, está aproveitando sua velhice em casa, enquanto os filhos de Rubens Paiva ficaram sem um pai.
Agora temos uma nova chance de acertar. O julgamento de Bolsonaro será um divisor de águas. Se a democracia falhar em punir quem tentou destruí-la, estará assinando sua própria sentença de morte. Não é apenas Bolsonaro que está no banco dos réus: é o Brasil.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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