Bolsonaro precisa de “tiro cruzado” para diminuir risco político
As classes com renda acima de 10 salários mínimos é que estão dando os maiores índices de rejeição a Jair Bolsonaro
Necessário e emergencial, o auxílio do governo na pandemia deixa mais evidente o antagonismo entre Jair Bolsonaro e a esquerda na disputa pela opinião pública das camadas mais pobres. De acordo com pesquisas oficiais, essa classe social não é a que dá os maiores percentuais de rejeição. Dois levantamentos divulgados nesta semana apontaram que as classes mais altas, por incrível que pareça, dão os maiores percentuais de desaprovação ao presidente. Segundo as estatísticas coletadas pelo DataPoder, 66% das pessoas com renda mensal acima de 10 salários mínimos não concordam com o governo dele. O melhor desempenho ficou entre os desempregados ou sem renda fixa - 33% de ótimo e bom (veja aqui). Na pesquisa Forum, o maior índice de péssimo está entre os eleitores com mais de 10 salários mínimos – foram 42%.
A esquerda precisa reconquistar a classe média e uma parte dos cerca de um terço (1/3) do eleitorado bolsonarista que sustenta a base dele na sociedade civil e diminui a velocidade de todo um processo de convencimento de que o impeachment seria ou é necessário. Até porque atrair a classe empresarial não uma fácil missão para o campo ideológico esquerdista.
Ainda que de forma remota, o atual ocupante do Planalto também pode se beneficiar das críticas de Ciro ao PT e vice-versa. O mandatário tem mais popularidade entre as camadas altas, porém na pandemia um dos desafios da esquerda é, além de se posicionar a favor do isolamento, explicar às pessoas de baixa renda como faria diferente no combate ao coronavírus. No desespero é natural os mais pobres terem pressa para receber o dinheiro, mas, inocentemente, podem ver na ajuda governamental uma solução como reflexo de um projeto de País e não de poder – o populismo de políticos do campo ideológico esquerdista seria motivo para outro texto.
Antagonizar com a esquerda é mais interessante para Bolsonaro no sentido de evitar que possíveis candidatos a presidente em 2022 no campo da direita, como o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), captem boa parte dos votos que o presidente já tem ou que pode conseguir mais pra frente.
Moro e Ciro
O ex-juiz, além de ter deixado o ministério da Justiça, apontando crime de responsabilidade do seu antigo chefe, ao denunciar tentativa de interferência na Polícia Federal (investigações ainda em curso), virou colunista do jornal O Globo e do site O Antagonista, fortes instrumentos para usá-los contra o mandatário brasileiro. Mesmo com as ilegalidades da Operação Lava Jato, Moro também está associado à pauta anticorrupção em boa parte do pensamento da sociedade. Ele pediu demissão no dia 24 de abril. Três dias depois o Datafolha divulgou uma pesquisa com 1.503 pessoas apontando que 52% dos entrevistados disseram crer na versão dele e 20% na de Bolsonaro sobre acusações de obstrução judicial.
Outro detalhe é a informação de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, retomou a negociação de um acordo de delação com o advogado Rodrigo Tacla Duran, que afirmou ter pago US$ 5 milhões ao também advogado Carlos Zucolotto, padrinho de casamento de Moro. O objetivo seria obter vantagens na colaboração premiada com a a Lava Jato em 2016. Na época, a PGR arquivou as investigações sobre as denúncias de Tacla Duran. Bolsonaro com a Procuradoria e Moro com o Globo dará a tônica na disputa entre eles dois pela opinião pública.
O presidente ainda pela frente Ciro Gomes, que, apesar de ser um candidato de centro-esquerda, pode atrair uma parte do chamado centro político e dos empresários muito em função do discurso voltado para uma perspectiva econômica. Brigar com o ex-governador do Ceará para detalhar o papel do agronegócio na retomada do crescimento, por exemplo, é uma árdua tarefa para os dois. O ex-ministro continuará na tentativa de convencer os empresários das propriedades rurais a verticalizarem a produção para a indústria. Já Bolsonaro evita falar sobre economia e deixa esta função para o ministro Paulo Guedes.
A postura do presidente não deixa dúvida que ele tem uma pretensão eleitoral. Comprou o chamado “Centrão” (não é uma prática só do atual governo) na tentativa de isolar o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O parlamentar tem a própria direita ou Ciro para ter mais capilaridade política especialmente com a classe média e com empresários.
Também no campo da direita, o ocupante do Planalto tem como adversário João Doria. Ao menos por enquanto, o chefe do Executivo ainda tem a missão de dar uma nova cara ao PSDB, tarefa extremamente difícil para um membro de um partido que na eleição de 2018 não chegou, sequer, ao segundo turno e não ganha um pleito presidencial desde 1998. A conduta de Bolsonaro e do tucano nesta pandemia continuará sendo usada como arma para ataques nos dois lados.
Empresários x Coronavírus
Mesmo antes da pandemia, o braço direito do presidente da área econômica ainda não tinha convencido o empresariado de que está sendo gerada uma demanda para investimentos. O governo tem o dever de garantir ao povo mais segurança jurídica e financeira para consumir. O empresário apenas participa do processo de aumento da rentabilidade da população, mas só investirá onde há demanda.
Além de uma disputa de Bolsonaro com a esquerda e com a direita pela opinião pública de Bolsonaro, as críticas ao isolamento também sinalizam que o homem deve ter o direito de não ficar trancado em casa, com o seu direito de ir e vir desrespeitado. Mas a liberdade deve ser vista sob uma perspectiva coletiva, pois ela terá mais força quanto maior for o seu alcance. Uma sociedade pode usar uma “teia em comum” no sentido de agir, pensar e sentir, para ter mais clareza das causas e das consequências dos fatos, tendo melhor discernimento de como resolver um problema, seja qual for a sua natureza.
De acordo com uma parte do pensamento popular, uma comparação entre a quantidade de mortos mais a quantidade de casos, de um lado, e o número de habitantes do País, do outro, sugere um alarmismo. Faz sentido, de certa forma. Mas a China e algumas nações europeias conseguiram diminuir a curva de propagação da Covid-19, porque são mais desenvolvidos, claro, mas não é este o caso do Brasil. A margem de testes também é muito baixa, o que dificulta bem mais o combate à pandemia.
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