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    Miguel Paiva

    Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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    Brasil, Abaixo de Todos

    Colunista Miguel Paiva relatou uma conversa com um jornalista português e disse que o seu colega alertou para a necessidade de a população ficar atenta aos desmandos do governo Jair Bolsonaro. “Não deixem de seguir o rastro do dinheiro, nem da Cloroquina, nem da Copa América, nem do Gabinete do ódio. O dinheiro comanda o espetáculo”, disse o amigo do chargista

    (Foto: Miguel Paiva)

    Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia

    Meu amigo Antônio, jornalista português se espantou de modo inédito quando disse pra ele que o presidente Bolsonaro continuava com um certo apoio dos eleitores. Para ele era inaceitável. Quando prossegui e disse que ele continuava a não usar máscara e a aglomerar achou que eu estava debochando dele. Adoraria que fosse isso. Mas é a mais pura verdade. Continuamos em meio a uma pandemia gravíssima e o presidente está anunciando uma nova manifestação com motos, dessa vez em São Paulo. Antônio, meu amigo, riu para não chorar.

    Somos países tão parecidos, falamos a mesma língua, temos tamanhos e realidades diferentes, é claro, mas vivemos dois mundos completamente opostos. Nosso encontro pelo zoom continuou com essas e outras revelações. Passamos pelas acusações aos seus ministros, o envolvimento de vários deles com corrupção, venda ilegal de madeira, garimpos, grilagens, continuamos com vendas de sentenças, financiamento ilegal de campanhas, gabinetes do ódio, gabinetes paralelos, reuniões para incentivar a venda de Cloroquina e por aí fomos.

    A um certo momento ele me lembrou que Bolsonaro baseou toda a sua campanha na guerra à corrupção, demonizando o PT, com a ajuda da imprensa, como o grande protagonista da roubalheira. Concordei. Foi assim, e usando também de notícias falsas. Aliás como em outras eleições pelo mundo, que o Bolsonaro conseguiu se eleger. A nós ele não enganou, confirmei ao Antônio. Nós quem, cara-pálida, retrucou ele usando uma expressão bem brasileira. É verdade, concordei. Ele mesmo, o Antônio, por mais sábio que seja, acabou acreditando um tantinho nessa possibilidade. Boa parte do eleitorado também, acrescentei e foi isso que elegeu o “mito” e conseguiu carregar essa fama por um tempo. Agora o cenário é outro, mas ainda assim resiste.

    Antônio se espanta com a inércia das instituições para frear o presidente. Respondo que é assim mesmo. Portugal viveu uma ditadura por décadas, mas não está habituado a golpes de estado. Aqui na América latina passamos por isso como passa o trio elétrico nas ruas de Salvador. Num golpe articulado como foi o que tirou a Dilma, as etapas eram ultrapassadas rapidamente. As leis e os trâmites eram atropelados em nome de um propósito maior. 

    Agora, já que não há golpe para derrubar o Bolsonaro, tudo segue no ritmo institucional da democracia. Ué, me pergunta Antônio, não era o PT acusado sempre de ser antidemocrático? Respondi que sim. Era o que eles tentavam. Agora, para derrubar um presidente, é preciso muita paciência. Apesar de querer muito isso, prefiro assim. Isso mostra que a democracia é e deve ser mais sólida e que o que houve com a Dilma, foi realmente um golpe.

    Antônio insiste na inércia da grande imprensa que apesar de agora brigar com o presidente, custou a tomar partido. Ainda reluta um pouco. Se sente atraída imediatamente por qualquer aceno de retomada econômica. É o fantasma do neoliberalismo que persiste nas redações, ou melhor, nas chefias das redações. A inércia do Congresso também assusta Antônio. O acúmulo de pedidos de impeachment, em qualquer outro país do mundo, já teria sido tocado adiante. É no mínimo uma questão de honra. O presidente da Câmara se arvora o direito de decidir o que a nação quer ou não, de acordo com seus princípios políticos e não com a realidade nacional.

    Ainda por cima, para desespero do meu amigo português, a Copa América vai acontecer no Brasil para alegria do presidente, que verá neste evento a tentativa de confirmação de sua tese que está tudo bem. Uma reedição do “reina a paz em todo o território nacional”. Lembram? Pois é, mas antes de terminarmos nosso papo online ele me lembrou. Não deixem de seguir o rastro do dinheiro, nem da Cloroquina, nem da Copa América, nem do Gabinete do ódio. O dinheiro comanda o espetáculo.

    É verdade. Nos despedimos e prometi, assim que fosse possível um encontro nosso presencial ou aqui ou lá, em Portugal. Pra falar a verdade, acho melhor lá. Mais seguro.

    (Conheça e apoie o projeto Jornalistas pela Democracia)

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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