Capitalismo predatório planetário e a catástrofe em Brumadinho: Estamos todos envoltos na lama
A tragédia humana e ambiental prevista e fatalmente ocorrida no município de Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), em janeiro deste ano, é uma versão infame do selvagem modelo econômico ultraliberal do capitalismo predatório planetário, em recrudescimento, principalmente nos governos de extrema-direita de crápulas como Donald Trump nos EUA e Jair Messias no Brasil
Que amei eu, miserável, em ti, ó meu furto, crime noturno dos meus dezesseis anos. Não tinhas beleza alguma, pois eras um roubo! Mas és realmente alguma coisa, para eu me dirigir a ti? As peras que roubamos, sim, eram belas por serem criaturas vossas, ó mais belo de todos os seres, Criador de tudo, ó Deus tão bom, Deus soberano e meu verdadeiro Bem. Aqueles pomos eram belos; mas não foram esses que a minha alma depravada apeteceu, pois tinha abundância doutros melhores. Colhi-os simplesmente para roubar. Tanto é assim que, depois de colhidos, os lancei fora, banqueteando-me só na iniquidade com cujo gozo me alegrara. Se algum dos frutos entrou em minha boca, foi o meu crime que lhes deu o sabor. Agora, Senhor e Deus meu, procuro saber o que me deleitava no furto, e não lhe encontro beleza alguma (84). Não falo já da beleza que se encontra na justiça e prudência, na inteligência do homem, na memória, nos sentidos e na vida vegetativa; nem mesmo da que resplandece ou nos astros magníficos e brilhantes nas suas órbitas ou na terra e mar, cheios de espécies que, nascendo, sucedem às que morrem; nem tampouco desta defeituosa sombra de formosura com que os vícios seduzem.”
(AGOSTINHO, Santo, Confissões; Parte 6 - A alegria do mal. 2. ed. São Paulo. Abril Cultural, 1980. Os pensadores, p. 61)
https://drive.google.com/file/d/1j2p5T06HPUOoxiAAzAT8ex9WPARC8VNh/view
A tragédia humana e ambiental prevista e fatalmente ocorrida no município de Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), em janeiro deste ano, é uma versão infame do selvagem modelo econômico ultraliberal do capitalismo predatório planetário, em recrudescimento, principalmente nos governos de extrema-direita de crápulas como Donald Trump nos EUA e Jair Messias no Brasil:
[...] Quando o presidente Donald Trump assumiu o cargo, em janeiro de 2017, imediatamente se empenhou em cumprir sua promessa eleitoral de desmantelar a legislação ambiental dos Estados Unidos. [...]. Segundo uma análise do jornal The New York Times, baseado no Environmental Regulation Rollback Tracker da Escola de Direito de Harvard, que monitora constantemente o programa de desmantelamento regulatório, o atual governo americano iniciou a anulação de 34 leis ambientais, enquanto 33 outras já foram tiradas de vigor. [...].
Conforme “Lukas Ross, ativista de clima e energia da organização Friends of the Earth US”:
[...] Trump encheu seu gabinete e as agências governamentais com seus amigos corporativos desqualificados, cujo impacto devastador sobre nosso meio ambiente não se pode subestimar. [...] Agora, após 18 meses de Trump na Casa Branca, especialistas concluíram que as mudanças já efetuadas causarão danos difíceis de um governo futura reverter, podendo resultar em 80 mil mortes adicionais por razões de saúde nas próximas duas décadas.” (Idem).
No Brasil, sob o desgoverno do apedeuto Messias – chamado de “Trump tropical” pelos toscos bolsonitas sadomasoquistas –, as consequências de sua ingerência também seguem na mesma trilha de mortes profusas alarmantes já previstas na América de Steve Bannon, estrategista chefe de Trump, racista e defensor da supremacia branca.
Durante a campanha eleitoral de 2018 e depois de sua posse, Jair vem batendo duríssimo no IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) – “Em suma, o instituto tem duas funções: fiscalizar o respeito ao meio ambiente e dar licenciamento para obras ou outras atividades, evitando que elas agridam a natureza.”
(https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2019/01/09/o-que-e-e-como-funciona-o-ibama.htm) – acusando-o de ser “uma indústria da multa”.
De acordo com o editorial do ISA (Instituto Socioambiental) sobre as primeiras medidas de Bolsonaro com relação ao meio ambiente:
[...] A Medida Provisória (MP) nº 870/2019 e os decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro para reorganizar a estrutura e as competências ministeriais deixaram, deliberadamente, graves lacunas nos instrumentos e políticas socioambientais. A medida denota contrariedade a deveres atribuídos à administração federal pela Constituição e legislação correlata. Já comentamos o caráter secundário com que ministérios importantes para essa agenda, como os do Meio Ambiente e Direitos Humanos, foram tratados na formação do governo. Agora a sinalização negativa, porém, traduz-se na drástica redução ou mesmo na eliminação de estruturas e competências.
Da lista de atribuições do MMA, espanta a ausência de qualquer menção ao combate ao desmatamento, que sempre constituiu atividade nuclear da política ambiental. Caso se confirme a inação estatal contra o crime ambiental, como dá a entender a nova normativa governamental, as consequências serão danos irreversíveis ao meio ambiente, caracterizado pela Constituição como patrimônio de toda a sociedade. [...]. (https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-isa/a-anatomia-do-desmonte-das-politicas-socioambientais).
Portanto, não foi com estranhamento que Messias nomeou o advogado Ricardo Salles (Partido Novo) para o Ministério do Meio Ambiente, haja vista que Salles se encaixa perfeitamente bem à visão norte-americanizada de mundo adotada por Jair, seu clã e asseclas.
“[...] Salles foi condenado por improbidade administrativa [...]. A decisão é do juiz Fausto José Martins Seabra, da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, sobre ação do Ministério Público que acusava o futuro ministro de ter favorecido empresas de mineração em 2016, ao acolher mudanças feitas nos mapas de zoneamento do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Tietê. Na época, Salles era secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo, durante a gestão do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB). [...]”. (https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/12/20/interna_politica,726513/ministro-do-meio-ambiente-de-bolsonaro-e-condenado-por-improbidade.shtml).
A estratégia psicológica utilizada pelos donos do poder norte-americano, sofisticada a partir do governo de George Walker Bush (2001-2009) para se autossustentarem nesse mesmo poder, pode ser chamada de ‘guerra paranoide imaginária’ a um inimigo político forjado, conforme o filósofo inglês Simon Critchley, da New School for Social Research (Nova Iorque – EUA), em seu texto: “O cripto-schmittianismo”:
[...] Permitam-me uma palavra introdutória. Eu vivo em Nova Iorque – no coração do império – há pouco tempo [2008], e, então, minha perspectiva nos Estados Unidos é a de um forasteiro ou um estrangeiro residente, como éramos chamados (e às vezes um estrangeiro um tanto atordoado) [...]. Deixem-me começar perguntando: o que exatamente aconteceu nas eleições presidenciais americanas? Ou melhor, como Bush venceu? [...]
(CRITCHLEY, Simon. Filosofia Contemporânea - Niilismo. Política. Estética. Editora PUC Rio, Edições Loyola, 2008, p. 128.)
Se se presta mais atenção nas palavras seguintes de Critchley, nota-se claramente que o fenômeno central da propaganda eleitoral norte-americana, inclusive aquele utilizado pelos estrategistas trumpistas em 2016, se repetiu no Brasil na eleição de Bolsonaro, o “Trump tropical”, através da ‘guerra paranoide a um inimigo’, traçada e construída desde o ano de 2013, tendo como alvo fulminante o PT (Partido dos Trabalhadores), eminentemente o ex-presidente Lula, eleito o objeto-mor a ser combatido por representar o “mal” maior da pátria Brasil.
Critchley responde à sua própria pergunta: “Como Bush venceu?”:
[...] Bem, penso que parte da história é que certas pessoas na administração Bush têm uma clara, robusta e poderosa compreensão da natureza do político. Eles leram seus Maquiavel, seus Hobbes, seus Léo Strauss e leram mal seus Nietzsche. Eles compreendem as mentiras mais ou menos nobres que precisam ser contadas para a segurança e a manutenção do poder político. Em suas mãos, algumas das palavras mais preciosas que temos – democracia, direitos, dignidade humana e, acima de tudo, liberdade – foram mudadas e degradadas para mentiras ignóbeis que são contadas no intuito de manter o poder político. [...]. (Idem, p. 129).
À guisa do slogan de campanha de Trump nas eleições presidenciais norte-americanas em 2016: “Make America Great Again” (“Torne a América Grande Novamente”), extremamente autorreferente e apelativa a um nacionalismo radical, com Bolsonaro não foi diferente na campanha presidencial brasileira em 2018: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, contudo, bem pior e rasteira, pois se tratava de uma cópia caricaturada, referência direta ao slogan da Alemanha nazista do Führer Adolf Hitler: "Deutschland über alles" (“Alemanha acima de tudo”), e ainda enfiando Deus no meio da bandalheira para agradar o baixo clero, um dos tristes segmentos que o apoiaram.
E Critchley continua com a sua resposta:
[...] Mas, pior ainda, algumas pessoas da administração Bush têm lido seus Carl Schmitt. Elas compreendem que a política (e isso pode servir como uma definição) é uma esfera de atividade que age através da força, geralmente fundada na lei – mas não sempre, não em um tempo de emergência ou estado de exceção [...]. O político é uma esfera de atividade que está preocupada com a segurança externa e com a ordem interna de uma unidade política – o usualmente chamamos de Estado [...]. O político está a ponto de construir um inimigo para manter a unidade da cidadania. O que quer dizer que a unidade dos cidadãos [...] é constituída através da relação com um inimigo. [...]. Há uma dupla fantasia acontecendo aqui: a fantasia do inimigo e a fantasia da pátria. E, além disso, é através da fantasia do inimigo que a fantasia da pátria se constitui. ” (Ibidem, p. 129/130).
O caso da “dupla fantasia” norte-americana descrita pelo “filósofo forasteiro” enquadra-se soberbamente na realidade brasileira operada pela estratégia bolsonarista (na qual Bolsonaro é um mero fantoche vazio de Trump e das elites brasileiras endinheiradas e místicas – neopentecostais). Bolsonaro, pelas poucas besteiras que regurgitou, apelou a um conservadorismo moral rasteiro com o retorno do Brasil “semelhante ao que era há 40, 50 anos” (período no qual havia a ditadura militar – sua fantasia da pátria cidadã) e, de forma correlata, exalando o odor fantasmático de um inimigo imaginário comum, representado nas figuras de Lula, PT, comunistas, negros, mulheres, LGBTS, estrangeiros, indígenas e outros setores “menores”.
Refém de certa disfemia verbal, de um simplório repertório conceitual, de um visível déficit cognitivo-emocional e de uma agressividade infantiloide, Jair se tornou um jeca fardado perfeito para representar as aspirações de parcela do povo brasileiro através de mecanismos psíquicos identificatórios assim como erigir-se como ventríloquo gago de Trump.
Mas o que tem a ver a Vale, o ultraliberalismo capitalista de Trump, Bolsonaro e os seus sectários difusos entre o povo brasileiro com o genocídio ocorrido em Brumadinho (MG), no início da tarde do dia 25 de janeiro de 2019?
Tudo!
Mas para compreender toda essa estrutura perniciosa e exploratória subjacente, adjacente e sobrejacente ao genocídio humano e ambiental devastador, acarretado pelo extrativismo minerador desenfreado e irregular, é preciso atentar-se e esclarecer-se sobre o ultraliberalismo capitalista predatório, principal ator protagonista da tragédia em Brumadinho, embora ele insista em sua invisibilidade no terrível episódio performático real.
Na presente tragédia imensurável, a Vale é apenas uma produção da via sobrejacente, um tentáculo operacional do capitalismo planetário. Transformada, no momento, no grande bode expiatório, nos moldes próximos da lógica política e midiática da construção fantasiosa do inimigo, conforme dito pelo filósofo Simon Critchley. Eleger um inimigo em situações de angústia e incertezas é um fato mental corriqueiro dentro do funcionamento psíquico singular e de massas.
Entretanto, obviamente a Vale só é a Vale também por causa de sua organização adjacente (governo federal, estadual, municipal, conselho administrativo, direção, acionistas nacionais e estrangeiros) e subjacente (corpo técnico, órgãos fiscalizadores, gerentes e outros trabalhadores da mina do Córrego do Feijão que sabiam, omitiam ou negligenciavam as reais condições da barragem), devendo ser todos responsabilizados pela devastação provocada, com os rigores das leis que versam sobre os vários assuntos implicados (Leis Ambientais, Trabalhistas, Criminais, Civis, etc.).
O que talvez possa confirmar a tese da qual o verdadeiro causador e principal ator protagonista do crime foram algumas declarações impactadas pelas primeiras emoções causadas pela tragédia de Brumadinho, nas quais se pode conjecturar o uso de determinados mecanismos psíquicos comuns diante das adversidades reais e devastadoras, como forma espontânea de eximir-se de eventuais responsabilidades: a negação e a projeção.
O Presidente Messias (BR):
[...] Se bem que a questão da Vale do Rio Doce não tem nada a ver com o governo federal. Apenas cabe a nós a fiscalização. A nós, cabe aí a fiscalização por parte do Ibama, que é um órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, e buscar meios para se antecipar a problemas, mas esses meios partem primeiramente da empresa, que executa a obra [...].
O governador Zema (MG):
[...] O governador Romeu Zema (NOVO) se referiu nesta terça-feira (12) ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que deixou mais de 160 mortos e dezenas de desaparecidos, como um “incidente” e disse que a Vale está fazendo o possível para minimizar os danos. “Não tem faltado por parte da empresa neste momento assumir esse compromisso. Parece que desta vez eles reconheceram o erro apesar do incidente” [...].
O Prefeito de Brumadinho (MG):
[...] As licenças para uma barragem funcionar são todas expedidas pelo estado. A gente só dá anuência para ela operar. A Vale também foi incompetente demais de deixar isso acontecer. Nós estamos a 90 quilômetros de Mariana", disse o chefe do Executivo.
Sobre os abalos financeiros, [o prefeito] disse que 65% dos impostos arrecadados pelo município vêm da Vale. "Somos uma cidade que vive do minério. Isso vai destruir a cidade com a arrecadação. Nós não teremos como dar atenção para a saúde e para a educação”. [...].
[...] Um mês depois da tragédia causada pelo rompimento da barragem da Vale, o prefeito de Brumadinho (MG) [...] critica a falta de repasse de verba do governo estadual. Dependência da mineração preocupa: "a Vale é um mal necessário", disse, em entrevista à "DW". [...] E quanto à Vale, que era de fato a dona da barragem que rompeu e causou toda essa tragédia? A Vale está fazendo o que ela tem que fazer. Ela falou com a gente que a única coisa que poderia fazer é pagar a Cfem (Compensação Financeira pela Exploração Mineral). Só que o Cfem gera reflexos em vários outros impostos - e isso a Vale não vai pagar nada. Na verdade, a Vale está mantendo uma parte do imposto. Ou seja, a gente está sendo prejudicado. [...].
(https://www.resumopb.com/noticia/vale-e-um-mal-necessario-diz-prefeito-de-brumadinho.html).
O já “renunciado” CEO e Presidente da Vale:
[...] O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, afirmou nesta quinta-feira (14) que a mineradora é uma “joia” e “não pode ser condenada por um acidente, por maior que tenha sido a tragédia”. [...].
Em todas as declarações acima, fica evidente que a “culpa” pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho é da mineradora Vale, ao mesmo tempo que essa “culpa é de ninguém” enquanto uma unidade dotada de pessoalidade (a Vale não uma é pessoa em si, humana). Instituições e organizações são pessoas em atividade, planejando, executando e analisando, embora no presente caso não há pessoalidade alguma. Trata-se de uma “banalidade do mal”, expressão criada pela filósofa judia alemã, Hannah Arendt, exilada nos Estados Unidos da América durante o nazismo alemão e da perseguição da Gestapo.
[...] O mal banal é o mal extremo. Diz ela em Algumas Questões de Filosofia Moral (1965): “O maior mal não é radical, não possui raízes, e, por não ter raízes, não tem limitações, pode chegar a extremos impensáveis e dominar o mundo todo.” (Arendt apud Giacóia, 2011).
Ou, como também resume Celso Lafer: “(O mal banal) é um mal burocrático, que não tem profundidade, mas pode destruir o mundo em função da incapacidade de pensar das pessoas, capaz de espraiar-se pela superfície da terra como um fungo”. (Lafer apud Giacóia, 2011).
A capacidade de pensar aqui referida não diz respeito a dotes intelectuais – é uma dimensão moral. Trata-se da consciência moral que opera no interior das pessoas pela reflexão sobre as próprias ações, num permanente diálogo entre o Si e o Si Próprio.
No pensamento arendtiano, ser humano e pessoa são entidades ontológicas distintas. À falta da reflexão moral, que exige também a lembrança, o ser humano não atinge a dimensão de pessoa, daí: “o maior mal perpetrado é o mal cometido por Ninguém, isto é, por um ser humano que se recusa a ser pessoa. [...] Poderíamos dizer que o malfeitor que se recusa a pensar por si mesmo no que está fazendo e que, em retrospectiva, também se recusa a pensar sobre o que faz, isto é, a voltar e lembrar o que fez (que é teshuvah, isto é, arrependimento), realmente deixou de se constituir como alguém. Permanecendo teimosamente um ninguém, ele se revela inadequado para o relacionamento com os outros que, bons, maus ou indiferentes, são no mínimo pessoas.” (Arendt apud Giacóia, 2011). [...].
https://emporiododireito.com.br/leitura/hannah-arendt-e-a-banalidade-do-mal
Todos os pronunciamentos de Jair e Zema - compadres políticos -, antes e depois da catástrofe em Brumadinho vão na direção da flexibilização das licenças ambientais e da fiscalização, apesar de eventuais tergiversações contrárias neste sentido. Os responsáveis pelas pastas do meio ambiente de seus governos, embora estejam diretamente implicados na irresponsabilidade humana e ambiental ocorrida, permanecem em seus cargos.
Por decorrência lógica textual é preciso nomear o “ninguém arendtiano” na tragédia em Brumadinho. Esse “ninguém” é o “mal banal”, “é um mal burocrático, que não tem profundidade, mas pode destruir o mundo”. E está destruindo. Seu nome é ‘capitalismo selvagem predatório planetário’ que inundou as subjetividades e que se perpetua nos modus vivendi e operandi da humanidade, anulando os sujeitos singulares e dizimando coletividades pobres às suas margens em todo o planeta, através do processo da “imaginarização e da dessimbolização” da vida. – Dany-Robert Dufour. A arte de reduzir as cabeças: Sobre a nova servidão na sociedade ultraliberal (Rio de Janeiro, Companhia de Freud, 2005. (https://revistas.pucsp.br/index.php/psicorevista/article/view/18091).
Contudo, esse “sistema criminoso contra a humanidade”, que privilegia apenas uma amostra ínfima de grupos e pessoas, não pode se sentar no banco dos réus, como o nazifascista Otto Adolf Eichmann de Hannah Arendt, mesmo porque ele seria absolvido pelo atual sistema judicial universal, cúmplice também desse modelo perverso, caso não fosse, as coisas não chegariam onde chegaram.
Então, o que fazer em face ao “mal necessário” que nos assombram permanentemente?
Antes de tudo, é necessário ir ao encontro da “capacidade de pensar” de Arendt:
[...] A capacidade de pensar aqui referida não diz respeito a dotes intelectuais – é uma dimensão moral. Trata-se da consciência moral que opera no interior das pessoas pela reflexão sobre as próprias ações, num permanente diálogo entre o Si e o Si Próprio. [...]. (Idem).
Além da dimensão ética da diversidade e da alteridade que deve direcionar as nossas vidas individuais e coletivas a priori, as leis que versam sobre as regras mineratórias extrativista estão aí, embora pareçam letras mortas, como por exemplo a Lei Federal de Proteção e Defesa Civil:
[...] LEI Nº 12.608, DE 10 DE ABRIL DE 2012 - Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos: Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil - PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil - SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil - CONPDEC; autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres; altera as Leis nos 12.340, de 1o de dezembro de 2010, 10.257, de 10 de julho de 2001, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.239, de 4 de outubro de 1991, e 9.394, de 20 de dezembro de 1996; e dá outras providências. Art. 2o - É dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios adotar as medidas necessárias à redução dos riscos de desastre. [...].
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm)
Dentre outras leis, portarias, decretos e recomendações em Saúde, há “O Vigidesastres: é um programa sob a responsabilidade da Coordenação-Geral de Vigilância em Saúde Ambiental, do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde”: [...] A redução do risco de desastres é uma das funções essenciais da saúde pública, que deve considerar em seu processo de planejamento, a inserção de ações para a prevenção, mitigação, preparação, resposta e reabilitação, visando reduzir o impacto dos desastres sobre a saúde pública. Estabelece ainda que, no âmbito da saúde, a atuação em situações de desastres deve ter um enfoque integral, com relação aos danos e a sua origem, além do envolvimento de todo o sistema de saúde, e do estabelecimento de um processo de colaboração intersetorial e interinstitucional voltado para redução dos impactos de emergências ou desastres, sejam eles de origem natural ou tecnológica.
No Sistema Único de Saúde, a Vigilância em Saúde Ambiental dos riscos associados aos desastres, estabelece estratégias para a atuação em desastres de origem natural e tecnológica. Nesse contexto, dentre seus objetos de atuação estão os desastres naturais (inundações, seca e estiagem, deslizamentos, dentre outros), os acidentes com produtos químicos a emergência radiológica e a nuclear. Sua organização propõe uma atuação baseada na gestão do risco, contemplando ações de redução do risco, manejo dos desastres e recuperação dos seus efeitos. Além disso, atua na articulação das agendas de mudanças climáticas e seus efeitos à saúde humana. [...] No Sistema Único de Saúde, a Vigilância em Saúde Ambiental dos riscos associados aos desastres, estabelece estratégias para a atuação em emergência em saúde pública por desastres de origem natural e tecnológica. Nesse contexto, dentre seus objetos de atuação estão os desastres naturais (inundações, seca e estiagem, deslizamentos, dentre outros), os acidentes com produtos químicos, a emergência radiológica e a nuclear. Sua organização propõe uma atuação baseada na gestão do risco, contemplando ações de redução do risco, manejo dos desastres e recuperação dos seus efeitos. Além disso, atua na articulação das agendas de mudanças climáticas e seus efeitos à saúde humana. [...].
(http://portalms.saude.gov.br/vigilancia-em-saude/vigilancia-ambiental/vigidesastres).
Pelo visto, parece que as três esferas executivas de governo: federal, estadual e municipal desconhecem as “normativas” acima ou talvez não se interessem pela necessária implementação e administração através de uma verdadeira “gestão de riscos de desastres ou de sua possibilidade” – em Brumadinho o risco é sempre real e iminente –, com a devida fiscalização do legislativo e judiciário pertinentes:
[...] Integração das políticas de ordenamento territorial, desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação, ciência e tecnologia e às demais políticas setoriais, tendo em vista a promoção do desenvolvimento sustentável;
-- Elaboração e implantação dos Planos de Proteção e Defesa Civil nos três níveis de governo, estabelecendo metas de curto, médio e longo prazo;
-- Sistema Nacional de Informações e Monitoramento de Desastres;
-- Profissionalização e a qualificação, em caráter permanente, dos agentes de proteção e defesa;
-- Cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos; e
-- Inclusão nos currículos do ensino fundamental e médio dos princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental, entre outras. [...].
(LEI Nº 12.608, DE 10 DE ABRIL DE 2012, Op. Cit.).
Enfim, talvez seja uma heresia chamar o governo de Trump, Bolsonaro e asseclas de ultraliberais tendo em vista que nenhum dos pensadores originais do iluminismo liberal europeu e norte-americano tinham em suas agendas doutrinárias e ideológicas um Estado tão controlador, desumano e punitivista às minorias e aos trabalhadores de baixa e média renda, nem mesmo o Estado monstruoso do Leviatã de Thomas Hobbes.
Neste sentido, Trump e principalmente o governo Bolsonaro, além de detonarem a Democracia Representativa como forma de governo exercida pelo povo, constroem dia a dia um Estado Enorme – ao contrário do Estado Mínimo proposto pelos liberais como meio de defesa às ameaças tanto ao tirano quanto aos vassalos –, que devora as liberdades individuais e coletivas, como a sexualidade, a etnia, a religião, o pensamento e demais direitos cidadãos disponíveis na Constituição Brasileira e na Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), consequência lógica da barbárie vivenciada pela humanidade na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), das quais Jair bate de frente.
Na sua forma política de governo dita democrática, suas ações são todas antidemocráticas. Seu governo é policialesco e exterminador de tudo aquilo que a elite brasileira endinheirada e o seu fã-clube abominam, ditado pelos interesses de Washington.
Nos mesmos moldes excludentes dos menos favorecidos, privilegiando apenas uma pequeníssima parcela da população brasileira, Messias propõe e administra uma agenda econômica ultraconservadora de extrema direita. Ao contrário do que poderia imaginar qualquer ideólogo liberalista, Jair é um produto objetal dos mais inescrupulosos interesses empresariais e financistas.
Portanto, a adesão de parte do povo, vereadores, prefeitos, deputados e senadores à essa agenda forjada pelos interesses empresarias dominantes e que imperam por meio do capitalismo predatório planetário implica no massacre cotidiano da população permanentemente desprotegida, inclusive sem nenhum constrangimento de enterrá-la na lama de rejeitos tóxicos (sem respeito sequer a um minuto de silêncio pelas vítimas, conforme demonstrou o CEO da Vale).
É mister entender que política e democracia não é eleição (“sufrágio universal”), longe disso. Eleição é apenas um subterfúgio ignóbil da elite capitalista parasita para eleger os seus representantes através do voto popular alienado, utilizando-se daqueles mecanismos de “imaginarização e dessimbolização” da vida ad infinitum (Dany-Robert Dufour, Op. Cit.) e de pomposas doações eleitorais.
Mas, como se contrapor a esse discurso capitalista? O psicanalista argentino exilado na Espanha, Jorge Alemán (1951-68 años), talvez possa nos ajudar, embora a sua resposta ainda seja uma construção e um enigma:
[...] não se pode falar de 'luta anticapitalista' porque o Discurso-Capitalista – tal como formalizado por JACQUES LACAN (1901 – 1981) – não oferece um ponto desde o qual se possa efetuar o corte; isto porque o Discurso-Capitalista estabelece uma conexão de lugares capturados em um movimento circular e com respeito ao qual uma luta direta seria um absurdo lógico; por sua vez, a saída histórica é irrepresentável, talvez porque convenha por enquanto deixar vazio o lugar que surgiria 'mais além ou depois do Capital' (qualquer definição neste momento reinscreveria esse lugar em um sentido já consumado historicamente); portanto, não há uma semântica 'anticapitalista', pois há sempre uma tensão em direção a um significante novo e ainda por decifrar.
Por outro lado, não há uma história da Humanidade que necessariamente fosse desembocar no Capitalismo; neste aspecto, entendemos por Capitalismo algo diferente de uma evolução progressiva dos 'modos de produção'; trata-se antes de uma série de bifurcações históricas contingentes que têm entrelaçado de maneira instável a técnica, a mercadoria, o saber e aquilo que denominamos por relato moderno; por sua vez, o relato moderno é uma categoria narrativa mais que uma ordem histórica perfeitamente delimitada; pois bem, é próprio de certa tendência historicista transformar um acontecimento – apenas pelo fato de haver sido possível – em necessário; essa tendência a reconhecemos quando, frente ao fato acontecido, se explicam os antecedentes que, 'inevitavelmente', conduziram a ele.
Seja como for, ainda quando a saída do Capitalismo ou passagem para outra realidade tenha restado diversificada, ainda quando esse trânsito nunca esteja garantido e possa não cumprir-se, ainda quando essa outra realidade distinta à do Capital já não possa ser nomeada como Socialismo, em qualquer caso ser de esquerda é não dar por eterno o princípio de dominação capitalista; tal princípio, desde uma perspectiva lacaniana, é primeiro de ordem política, ainda que no caso do Capitalismo seja evidente que o econômico jogue um papel determinante (porém já não mais como 'determinação em última instância'); há que se considerar que também o mercado está atravessado pela fratura entre o real e a realidade e que pode portanto deslocar-se – eis porque agora volte a ser mais pregnante do que nunca a questão 'o que o mercado quer de nós?' [...].
(http://oretornoalacan.blogspot.com/2016/11/por-uma-esquerda-lacaniana.html).
Enquanto isso, onde estão as sobras das peras furtadas pelo filósofo Santo Agostinho, conforme mencionado à epígrafe?
Ao que tudo indica, se tornaram gozo, lama, dor e sangue em Brumadinho.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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