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    Donny Correia

    Um niilista de coração quente, é mestre e doutor em Estética e História da Arte pela USP, ensaísta e crítico de arte e cinema. É filiado à ABRACCINE E ABCA e autor de seis livros, entre poesia e ensaios. É criador do canal “Uma teia de ideias”, no Youtube.

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    Carta aberta ao sr. secretário Mario Frias

    É pedir muito, senhor secretário, que o senhor faça seu trabalho?

    Prezado Sr. Secretário Mario Frias

    O senhor não me conhece, embora já tenha me bloqueado em suas redes sociais por ter sido inquirido sobre suas funções à frente da Secretaria de Cultura do Governo Federal.

    Meu nome é Donny Correia, sou mestre e doutor em Estética e História da Arte, escritor, crítico e – nas horas vagas – cineasta de ocasião (porque sei dos meus limites e, o senhor, como profissional do audiovisual altamente gabaritado, deve saber que cinema é uma empreitada cara). O senhor irá dizer que me dirijo da forma como o faço agora por ter me tornado crítico, repetindo que “crítico é um artista frustrado”. Mas prefiro não entrar no mérito das consequências da frustração artística... pelo menos, aqui não. Bom, talvez nem aqui e nem em lugar nenhum, já que o senhor tem demonstrado que é avesso ao debate (repito, bloquear contribuintes de seu salário nas redes é um ato pouco republicano).

    Também não venho aqui pedir emprego, como o senhor fez em maio de 2020, ao vivo, na CNN Brasil, quando comparou a pandemia (então, rumo ao seu ápice da primeira onda) a mais um desafio, como uma Copa do Mundo, como uma Olimpíada... Realmente, desde então, fico plantado em frente à TV quando saem os boletins de números de mortos pela Covid, trajando minha camiseta da seleção, com uma cervejinha em mãos, só esperando para gritar GOL sempre que a mídia dá os números. Temos mais de 500.000 medalhas de ouro na modalidade morte, até o momento.

    Mas, sem tergiversar (tergiversar significa encher linguiça, que conste), escrevo ao senhor por duas razões:

    1. Li, hoje, nos jornais, que o senhor tomou algum tempo se sua assoberbadíssima (significa “muito ocupada”) agenda para prestar seu apoio ao Sr. Tercio Arnaud Tomaz (quem caralhas é Tercio Arnaud Tomaz, secretário?) que debochou de Jones Manoel em suas redes. Se me permite, gostaria de chamar-lhe à razão para não se misturar com líderes do governo que, na falta de qualquer aptidão para o debate, preferem seguir a cartilha do Dr. Mabuse da Virgínia (o sr. sabe quem é Dr. Mabuse? Sabe quem foi Fritz Lang? Se não sabe, como um artista, o senhor deveria saber) corroborando para que o mundo veja o Brasil como um país de gente mal-educada, soberba e intimidadora. Como o senhor bem diz em seu vídeo de 10 de maio de 2020 no Youtube, para quem quisesse saber por onde andava bastava checar a Wikipedia. Confesso que sou um visitante contumaz (que significa “recorrente”) da Wikipedia, sempre que quero conhecer a cronologia discográfica do Queen ou qual a novela que substituiu a anterior e/ou precedeu a seguinte. Sim, sr. Secretário, sou noveleiro. Estou antenado com sua trajetória, portanto. Dito isto, me pergunto que CARALHAS o secretário de cultura está fazendo em suas atribuições que, ao invés de estar cuidando para salvar a Cinemateca Brasileira, o senhor está na mídia por destilar preconceito? Acaso os meus impostos são pagos para o senhor usar seu expediente para emitir opiniões que ninguém quer saber? Não. Se eu pago meus impostou, exijo que o senhor faça por merecer seu contracheque, cujo demonstrativo usei para cobrar-lhe quando fui silenciado por você, que é meu funcionário.
    2. Agora, vamos à Cinemateca. O senhor, que é um renomado ator, músico e modelo, deve saber bem sobre a história das artes que pratica e da existência de um dos maiores repositórios do mundo para filmes, fotos, programas de TV etc, a Cinemateca Brasileira. Pois bem, que CARALHAS o senhor tem feito para preservá-la? A Cinemateca foi trancada e seu arquivo segue alijados dos cuidados necessário para que não entre em combustão (sim, INCÊNCIO). O Banco de Conteúdos Culturais, repositório online, está fora do ar desde junho de 2020, quando uma queda de energia no bairro da Vila Mariana desligou o provedor. Para colocá-lo de volta no ar, bastaria que o senhor emprestasse a chave do prédio ao seu estagiário e o pedisse que fosse até lá para apertar um botão de “Start” e teríamos, ao menos, grande parte dos filmes, comerciais e programas televisivos de volta para consulta. O senhor é artista, não é? Deve saber que num acervo de mais de 200.00 rolos, dormem obras raras à memória de um povo. Estão lá os primeiros registros que o Mal. Cândido Rondon fez dos índios do centro-oeste e do norte do país, em 1914, pela primeira vez na História (eu disse “índios”, mas foque no “Mal.”, por favor). Sim, e ele o fez graças à perícia de seu cinegrafista oficial, o Capitão Thomaz Reis (olha aí... um capitão!). Também repousam na Cinemateca os filmes de José Medina, um dos primeiros cineastas de verdade do nosso cinema; de Humberto Mauro, outro gênio; as chanchadas (não confundir com “pornochanchadas”, que também estão lá e são igualmente tesouros. E, não, o filme da Xuxa não é uma pornochanchada). Enfim, lá estão Carmen Santos, Mário Peixoto, Glauber, Khouri etc etc etc, nomes e obras que espero serem de seu conhecimento e admiração, tanto quanto a que tenho, afinal, somos colegas, não? Creio que cabe ao secretário de cultura fazer um bom serviço pelo Brasil em todos os âmbitos, correto? Então, a Cinemateca será o próximo Museu Nacional? O sr. prefere passar à História como aquele que destruiu o pouco que restou de nossa memória artística quando poderia ter mostrado ao seu “cercadinho” que nós é que estávamos errados ao achincalhá-lo? Eu gostaria de estar errado, sim. Eu e todos e todas os/as colegas das artes. Nós sabemos que “a arte ainda vai salvar o mundo” (procure no Google), assim como a saúde, a educação, a habitação e todos os etcs com os quais deve contar uma nação sem ter de lamber botas de militares sem disciplina. Cabe ao senhor escolher, sr. secretário. Digo, apenas, que neste momento, o futuro nunca ouviu falar em Mario Frias.

    Eu poderia não lhe escrever abertamente, porque não sou afeito ao exibicionismo. Pelo contrário, quero apenas contribuir com a cultura do meu país fazendo minhas pesquisas, dando minhas aulas e escrevendo meus livros e artigos. Mas, como não há meios de chegar ao senhor, pelas razões supracitadas (ou seja, que já falei acima), vamos ver se minha consternação pelas notícias que dão conta de suas atitudes à frente da pasta lhe faz, ao menos, me responder que CARALHAS estão sendo feitas do meu dinheiro e a dos demais que pagam você não para interpretar o papel de pelego alcaguete, mas de defensor da CULTURA. É pedir muito, senhor secretário, que o senhor faça seu trabalho?

    Despeço-me, relembrando o senhor. Neste momento, o futuro nem mesmo sabe seu nome.

    Respeitosamente,

    Donny Correia

    15/7/2021

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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