Caso Glauber Braga escancara regime político decadente
O voto popular soberano só deveria poder ser cassado pelo próprio voto popular soberano
Na última quarta-feira, dia 9, foi aprovada pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, por 13 votos a 5, a cassação do mandato de Glauber Braga (PSOL-RJ), deputado federal pelo Estado do Rio de Janeiro. Braga ainda pode recorrer da decisão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), antes que a cassação seja enviada e votada pelo plenário da Câmara, onde poderá ser aprovada em definitivo.
Caso o recurso de Glauber Braga seja rejeitado e o pedido de cassação vá a plenário, será necessária a formação de maioria absoluta — ou seja, mais de 236 votos favoráveis à cassação — para que ele perca seu mandato, o que resultaria em sua inelegibilidade, que poderia se estender até 2035.
O processo foi instaurado sob a alegação de que Glauber teria “agredido” um provocador fascista integrante do Movimento Brasil Livre (MBL), o que configuraria quebra de decoro parlamentar e abriria caminho para a cassação. O teor fraudulento das acusações fica evidente pela seletividade de sua justificativa: a quebra do decoro parlamentar. Não é preciso ser especialista para perceber que, se essa justificativa fosse de fato válida para um golpe contra a soberania do voto popular, a Câmara dos Deputados estaria esvaziada por falta de parlamentares.
O verdadeiro motivo por trás da cassação é, como o próprio deputado alega, sua oposição à liderança da Câmara e à sua maioria direitista, em especial a Arthur Lira (PP-AL), que foi quem iniciou o processo de cassação contra Braga, à época em que presidia o parlamento.
A posição levantada por Paula Coradi, presidenta nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), ao ser questionada sobre um possível recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a cassação de Glauber, vai no sentido de apontar uma “punição desproporcional ao fato”. Analistas indicam que dificilmente a cassação será arquivada ou revertida pelo STF.
O Supremo Tribunal Federal já indeferiu, em outras ocasiões, solicitações de parlamentares que buscavam anular procedimentos de perda de mandato. Para os ministros, essas deliberações são de natureza interna corporis, ou seja, pertencem exclusivamente à esfera de atribuições do Congresso Nacional. Em outras palavras, trata-se, segundo o Supremo, de uma questão política.
No entanto, em contraste com essa análise formalista e com a retórica da imprensa burguesa, o ativismo judicial tem se tornado cada vez mais comum por parte do Supremo Tribunal Federal e de todo o Judiciário brasileiro, que atua quase como um poder moderador e não poupa esforços para intervir contra os interesses da classe trabalhadora. Isso se evidencia em episódios como o mensalão, a Operação Lava Jato, o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) e a prisão ilegal do atual presidente Lula (PT), ocorrida em abril de 2018. A verdadeira razão pela qual o Supremo se absteria de intervir, neste caso, é para lesar o chamado “campo progressista”.
Essencialmente, a cassação do mandato de qualquer deputado eleito pelo voto popular é uma das manifestações mais antidemocráticas de um regime político decadente, no qual a judicialização da política se apresenta de forma desenvolvida. Isso ocorre em um momento em que a esquerda encontra dificuldades para disputar politicamente os rumos da sociedade e busca refúgio justamente naquele que é um de seus algozes: o Estado burguês — mais especificamente, seu Judiciário.
O recrudescimento do regime político e o festival de perseguições levadas adiante pela evidente “ditadura da toga” não surgem agora como um raio em céu azul. O que estamos presenciando é o resultado direto de uma política na qual a própria esquerda embarcou — a continuidade do “festival de cassações”, que teve uma manifestação especialmente aguda em 2023. Essa política, já denunciada por setores da esquerda revolucionária, viu deputados do PSOL e do Partido dos Trabalhadores (PT) protocolarem pedidos de cassação em massa após um discurso proferido por Eduardo Bolsonaro (PL-RJ), no qual ele afirmou que “professores doutrinadores são piores que traficantes”.
Embora a moda tenha pegado de 2023 para cá, o PSOL já fazia carreira na judicialização da política. Em 5 de maio de 2022, o partido solicitou à Câmara Municipal de São Paulo a perda de mandato do vereador Camilo Cristófaro, após ele ter utilizado uma fala de cunho racista. No dia 23 de maio de 2022, a deputada estadual Mônica Seixas (PSOL-SP) requereu a cassação dos deputados Wellington Moura e Gilmaci Santos, ambos do Republicanos, por tê-la insultado com a expressão “louca”. Em 23 de junho de 2022, o PSOL entrou com pedido de cassação do deputado José Medeiros, alinhado ao bolsonarismo, pelo simples fato de ele ter interrompido uma fala da deputada Talíria Petrone. Já em 14 de setembro de 2022, Mônica Seixas levou ao Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo a solicitação de cassação do mandato do deputado estadual Douglas Garcia, também bolsonarista, sob a acusação de que ele teria atacado verbalmente a jornalista conservadora Vera Magalhães.
No início da legislatura de 2023, o PSOL seguiu a mesma linha e apresentou quatro novos pedidos de cassação. Os alvos foram os deputados Abílio Brunini (PL-MT), André Fernandes (PL-CE), Clarissa Tércio (PP-PE) e Sílvia Waiãpi (PL-AP). Segundo a legenda, esses parlamentares teriam apoiado ou incentivado os atos bolsonaristas ocorridos em 8 de janeiro. Mais uma vez, a sigla buscou a perda de mandato com base em opiniões ou posicionamentos públicos expressos por seus adversários políticos. Em abril do mesmo ano, foi a vez da deputada Carla Zambelli — conhecida por suas posições aberrantes e reacionárias — se tornar alvo de uma nova solicitação de cassação. O motivo alegado foi uma ofensa verbal dirigida ao deputado Duarte Júnior.
De lá para cá, a política de censura e judicialização não apenas foi mantida, mas se intensificou. E isso apenas serviu para fortalecer a direita, que é quem efetivamente controla o regime político, por meio da burocracia policial, das cortes, da imprensa burguesa e afins. Por mais reacionárias que possam ser as falas de todos os alvos dos pedidos de cassação, a garantia dos direitos democráticos na sociedade burguesa — especialmente no atual estágio de decadência do regime político — é uma tarefa que cabe, em primeiro lugar, àqueles que defendem as lutas operárias. É preciso ter em mente que todo dispositivo de repressão utilizado contra representantes da burguesia, ainda que eventuais, sob o Estado burguês, será utilizado de forma ainda mais dura contra as classes pobres, trabalhadoras e seus representantes.
O voto popular soberano só deveria poder ser cassado pelo próprio voto popular soberano. Qualquer direito de cassação de um parlamentar — ou de qualquer político eleito — que esteja fora das mãos da população é uma ferramenta da burguesia nacional e do imperialismo contra as conquistas populares. Cassar um parlamentar não é cassar o direito de um cidadão, mas o de milhares ou milhões que nele votaram. E pensar que o fortalecimento do Estado está ligado ao fortalecimento da democracia — em especial da democracia operária — é um erro que rapidamente se revela fatal para sua organização política, como já está se demonstrando com a repetida abertura de processos de cassação
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