Céus vazios e medos cheios: o vazio turístico dos EUA sob a ótica de passageiros e comissários
Número total de visitantes internacionais que viajaram aos Estados Unidos caiu 12% em março de 2025
Durante meus quase vinte voos em território norte-americano entre 2024 e 2025, desenvolvi uma mania peculiar: caminhar até a parte traseira da aeronave e conversar com comissários e comissárias de bordo. A cada conversa, pedia o cartão do comandante — uma pequena relíquia em papel, vestígio de uma era pré-digital — e perguntava sobre rotinas, peculiaridades dos voos, e, mais recentemente, sobre a presença de pessoas trans viajando. Essa escuta atenta, feita entre o som abafado das turbinas e o tilintar metálico do carrinho de serviço, revelou algo mais amplo do que simples curiosidades de cabine: um retrato íntimo do colapso gradual da indústria do turismo nos EUA e da tensão social que o acompanha.
De acordo com a Revista TIME, o número total de visitantes internacionais que viajaram aos Estados Unidos caiu 12% em março de 2025, em comparação ao ano anterior — a queda mais acentuada desde março de 2021, auge das restrições da pandemia. Países como Irlanda, Noruega e Alemanha apresentaram recuos superiores a 20%, segundo dados analisados pelo Financial Times com base na ITA (Administração de Comércio Internacional). O impacto disso vai muito além das salas de embarque: o setor de turismo representa 2,5% do PIB norte-americano e, segundo o Nobel de Economia Joseph E. Stiglitz, está sendo sabotado por políticas contraditórias do próprio governo.
“Ao conversar com as equipes de bordo, muitos relatavam voos com apenas 2/3 da capacidade ou menos. Em um dos trechos entre Pittsburgh e Miami, éramos 38 passageiros em um avião para 120”, diz uma das comissárias, que pediu anonimato. Ela contou que a manutenção dessas rotas muitas vezes se dá por acordos com o governo federal, mesmo sem demanda.
Esse cenário se conecta a algo mais profundo e subjetivo: o medo.
Entre os viajantes, especialmente os latino-americanos e a população LGB-trans, há uma sensação crescente de incerteza e vigilância. “As pessoas têm medo de sair dos EUA e não conseguirem voltar. Mesmo com documentos regulares, há um receio generalizado sobre como serão tratadas ao desembarcar”, explicou outro comissário com quem conversei durante um voo noturno para Boston, quando estive na Harvard Law University. “O clima é de insegurança constante.”
Essa percepção de insegurança é alimentada não apenas por experiências isoladas, mas por mudanças estruturais e políticas. Em entrevista recente, Joseph Stiglitz destacou o impacto das ações do ex-presidente Donald Trump sobre setores cruciais como turismo e educação. Para ele, Trump “devastou o sistema educacional e desencorajou o turismo” com sua abordagem caótica à imigração e à economia. “Turismo e educação são os principais setores exportadores dos EUA — e ele está, deliberadamente ou não, sabotando ambos”, afirmou o economista.
O que se observa, então, é uma tempestade perfeita: políticas migratórias mais rígidas, uma imagem internacional deteriorada, e uma população estrangeira que, mesmo legalizada, vive sob constante tensão. No caso de pessoas trans e travestis, as barreiras são ainda maiores: além do medo institucional, há o preconceito interpessoal que se expressa em olhares, silêncios e, por vezes, exclusões explícitas durante os processos de segurança e imigração. E o banheiro? Eu viajei sem sutiã. Caso fosse chamada de "homem"já estava pronta pra descansar sem camisa como fazem os homens do futebol.
O paradoxo é evidente: os Estados Unidos desejam recuperar a pujança econômica dos anos 1950, como defende a retórica trumpista, mas ignoram que estamos em 2025, quando os motores da economia são os serviços — e não a manufatura robotizada e estéril que não gera empregos, como pontuou Stiglitz, Nobel Prize de Economia em recente vídeo.
Enquanto isso, nos céus americanos, voos cortam o continente com metade de seus assentos vazios. Comissários distribuem lanches com rostos exaustos. Passageiros mantêm o cinto afivelado, não apenas por segurança, mas por cautela: a turbulência não é só climática — é também política, social, humana.
E nesse silêncio cortante de fuselagens incompletas, o medo parece ser o único passageiro constante já que todos os demais em algum grau se sentem trans-nacionais.
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