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    Joaquim de Carvalho

    Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa). E-mail: joaquim@brasil247.com.br

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    Cinco anos depois, a prisão de Lula ainda é um capítulo obscuro da história do Brasil

    Joaquim de Carvalho revela bastidores da cobertura jornalística da sessão em que o STF se rendeu a Moro, generais e à TV Globo

    Lula, na chegada ao cárcere da PF, onde ficaria preso por 580 dias (Foto: AFP / Heuler Andrey)

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    No dia em que se completam cinco anos da prisão injusta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, creio que é hora de revisitar alguns bastidores daqueles dias tenebrosos. Ou estranhos, como havia dito o então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello.

    Eu tinha acabado de voltar de uma viagem de dez dias pelo Sul do Brasil, em que havia feito a cobertura da caravana de Lula. Era 29 de março quando cheguei a São Paulo. Na noite anterior, Lula havia feito discurso na praça Santos Andrade, ao lado de Gleisi, Requião, Boulos e Manuela D'Avila, entre outros políticos que o apoiavam.

    A praça estava lotada, e Lula fez um discurso pouco mencionado, mas histórico. Ele dava sinais de que sabia que seria preso, mas não explicitava, talvez para não desanimar a militância. 

    "Eu não sei qual é a intenção deles de ficar dizendo que vão me prender. Eu não acredito que eu seja preso, porque, para alguém ser preso, tem que ter um crime", disse, durante o discurso. Em seguida, associou, pela primeira vez, sua personalidade a uma ideia de país inclusivo e soberano.

    "É uma bobagem (a prisão). É uma bobagem sabem por quê? Eles acham que sou eu o problema deste país. Eles não sabem que o Lula é apenas um ser humano, feito de carne e osso igual a vocês. O que eles não sabem é que já tem milhões e milhões de mulheres que pensam como o Lula, e mulheres que pensam como o Lula, e eles não vão conseguir derrotar. Nós não somos um amontoado de osso e de água, e um pouquinho de carne. Nós somos uma ideia, e eles não conseguirão prender as ideias, e não conseguirão prender os sonhos. E quando eles acharem que eu não posso mais andar para fazer política, eu andarei pela perna de vocês este país inteiro. Quando eles acharem que as minhas ideias não puderem viajar por este mundo, eu pensarei pela cabeça de vocês pelo país inteiro. Quando eles acharem que vão me calar, eu falarei pela boca de vocês o mundo inteiro. Então a melhor coisa que pode acontecer é eles deixarem o rio correr tranquilamente para o mar, eles aceitarem a derrota que nós vamos impor a eles. No dia 7 de outubro deste ano, nós vamos recuperar a autoestima neste país, recuperar a soberania neste país, para voltar a fazer a integração da América do Sul, a integração da América Latina", declarou.

    Lula fez também uma análise do momento político, em que a direita não conseguia encontrar um candidato. "E eles estão tentando procurar um candidato. Já tentaram lançar o homem do caldeirão (Hulk). O homem do caldeirão seria extraordinário, porque a Miriam Leitão seria ministra da Economia, o William Waak, aquele que tem preconceito contra os negros, seria o ministro da Igualdade Racial. E Bonner seria o porta-voz, porque, para mentir, ele é maravilhoso", ironizou.

    Lula tinha cerca de 40% das intenções de voto nas pesquisas, e o segundo colocado era Jair Bolsonaro, com 19%. "Quem está na verdade na disputa é uma extrema direita representada por este cidadão que eu me recuso a dizer o nome dele", disse.

    Bolsonaro também estava em Curitiba, e também fez um ato, claramente para reforçar a ideia da polarização. Ao chegar ao aeroporto, Bolsonaro subiu num carro de som e discursou: "Eu não quero o Lula na cadeia, eu quero o Lula em cana."

    Na mesma fala, mostrou o perigo que representava para a civilização, aspecto de sua candidatura que a imprensa corporativa não realçava. "Eu quero uma polícia militar e civil que, em defesa do povo, atire para matar", afirmou.

    O discurso de Lula teve o sentido oposto. Ele falou em melhorar o ensino médio – "federalizar" – e pagar a dívida social com os negros no Brasil.

    Na volta a São Paulo, fui informado de que o STF havia marcado o julgamento do habeas corpus de Lula para o dia 4 de abril, e propus ao DCM que usássemos a sobra da vaquinha virtual que havíamos feito para cobrir a caravana de Lula, e ir a Brasília para a sessão do STF.

    Merval Pereira na Globonews e Joaquim Falcão no jornal O Globo já preparavam o argumento para que o habeas corpus fosse negado a Lula. Pela posição doutrinária dos ministros expressa em vários julgamentos, o resultado seria 6 a 5 em favor dele, já que os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Rosa Weber conheciam e defendiam o artigo 57 da Constituição, o da presunção de inocência.

    Mas havia uma fragilidade exposta de Rosa Weber. Dois anos antes, no julgamento de outro HC, ela havia sido derrotada. Foi quando passou a vigorar na corte o entendimento de que a prisão após decisão de segunda instância seria permitida. Esse julgamento, relativo a um caso de roubo em Itapecerica da Serra, atendia a uma campanha do então juiz Sergio Moro, na época ainda com a capa e a máscara de herói.

    O HC de 2016 resultou num entendimento provisório, já que a jurisprudência sobre a presunção de inocência dependia do julgamento de ações diretas de constitucionalidade (ADCs) que tinham sido protocoladas logo depois daquele estranho julgamento do caso de Itapecerica da Serra. Julgamento que se encaixava como luva num suposto (ou provável?) plano para prender Lula e evitar sua candidatura em 2018, após o Congresso Nacional derrubar Dilma Rousseff.

    Marco Aurélio Mello foi o relator dessas ADCs e concluiu seu trabalho em dezembro de 2017, um mês e meio antes do Tribunal Federal da 4a. Região condenar Lula, confirmando a sentença de Moro, num processo que teve tramitação em velocidade absolutamente incomum. 

    Enquanto o processo de Moro corria como lebre, as ADCs relatadas por Marco Aurélio dormiam na mesa da então presidente do STF, Cármen Lúcia.

    Ela própria, em encontro com jornalistas no restaurante Piantella, em Brasília, diria que não colocaria as ADCs em pauta por conta de Lula. A declaração foi dada cinco dias depois do julgamento infame no TRF4. "Não sei por que um caso específico geraria uma pauta diferente. Seria realmente apequenar muito o Supremo", disse.

    Estranha colocação, já que as ADCs tinham sido protocoladas na corte em 2016, antes que Lula fosse sequer denunciado na 13a. Vara Federal de Curitiba, na época comandada por Moro. O que parecia é haver uma pauta oculta no STF, que impedia o julgamento daquelas duas ações relatadas por Marco Aurélio.

    Cármen Lúcia tinha segurado o julgamento das ADCs quando, em 4 de abril, começou o julgamento do ADC e os olhos, principalmente os de Luís Roberto Barroso, estavam voltados para Rosa Weber. Merval dizia em seus comentários diários na Globonews que a ministra, embora doutrinariamente a favor do princípio constitucional da presunção de inocência, poderia votar de acordo com a minoria, "em nome da colegialidade".

    Na véspera do julgamento, O Globo publicou artigo de Joaquim Falcão, conhecido por seu trânsito no STF, com o título "Em nome da Rosa", que fazia eco a Merval. No mesmo dia, William Bonner leu no Jornal Nacional um tuíte do general Villas Bôas, comandante do Exército, em que ele dizia que as Forças Armadas estariam de olho na sessão do STF.

    Único repórter da mídia independente credenciado para cobrir o julgamento (não sei por que outros não se credenciaram), acompanhei a sessão na sala de imprensa e fiquei envergonhado quando, após o voto (ou rendição) de Rosa Weber, alguns jornalistas comemoraram. Vergonha e indignação, um misto dos dois sentimentos. 

    Vergonha por pertencer a uma categoria profissional que havia se aliado a facínoras que, sediados em Curitiba, deflagraram uma guerra não contra Lula, mas contra o Brasil. Indignação por entender que o caminho estava aberto para a eleição de um extremista perigoso como Bolsonaro.

    No dia seguinte, o ministro Marco Aurélio concordou em me dar entrevista. Falamos por telefone durante meia hora, em que ele disse que pressionaria Cármen Lúcia a colocar em julgamento as ADCs. Fez questão de dizer que falava em on, não em off. 

    À noite, quando voltava no ônibus da Azul do aeroporto de Viracopos para a cidade de São Paulo, vi uma mensagem de Márcia Tiburi, não me recordo se pública (no Twitter) ou privada.

    Ela pedia que Marco Aurélio tomasse alguma providência para impedir o que parecia inevitável: a prisão de Lula. Entrei em contato com o ministro novamente, e ele disse que, embora considerasse inconstitucional a prisão, não poderia fazer nada, já que não havia instrumentos processuais que o autorizassem.

    No dia seguinte, Moro decretou a prisão de Lula, que foi para o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, entidade onde ele havia nascido politicamente, quando, nos anos 70, fez campanha para denunciar a fraude nos índices de inflação divulgados pela ditadura. Alguns anos depois, a campanha se desdobrou nas greves dos metalúrgicos.

    E as greves pavimentaram o caminho para a formação do Partido dos Trabalhadores, que, nove anos depois, com Lula, estaria no segundo turno das eleições e, 22 anos depois, com Lula, estaria na Presidência da República e, 38 anos depois, com Lula, na prisão política em Curitiba e, 42 anos depois, com Lula, de volta à Presidência.

    É claro que Lula é maior que o PT, mas o partido é a prova do "crime", o motivo que levou o ex-metalúrgico à cadeia. Lula foi preso por ter ajudado decisivamente a criar um partido que rompeu com a tradição das oligarquias no Brasil. O resto é conversa de gente como o general Villas Bôas e Bolsonaro. 

     

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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