Com cultura ou sem cultura
"Vem cá: quem são os polyticos velhos novos do governo provyzório definitivo? Você olha para um polytiko desses e já diz: vai fechar o Ministério da Cultura. Porque eles querem a república dos oligarcas e coronéis do nordeste, querem comprar votos com sacos de dentaduras e para isso precisam de desdentados e incultos", diz o diretor teatral Aderbal Freire-Filho, em novo artigo para o 247; "O Ministério da Cultura diz a todos os ministérios quem somos e como devemos ser tratados e como devemos nos mostrar ao mundo. O ministério da Cultura do Brasil é o Brasil. O corpo e a alma do Brasil. O seu rosto. Não deixa de ter lógica, neste momento, esconder o rosto", afirma; leia a íntegra
Colocar a cultura ao lado da educação é pouco. É preciso colocar a cultura ao lado da justiça, da economia, da saúde, das relações exteriores, da agricultura, da indústria e do comércio... E para isso é preciso que exista, mais forte do que nunca, o Ministério da Cultura.
A cultura do Brasil é um caldeirão: nós índios, africanos, americanos, portugueses, ibéricos, europeus, orientais cantamos nossas várias canções, dançamos nossas várias danças, comemos nossas várias comidas, temos nossos vários mitos e juntos formamos um único país, rico e diverso. E no meio desse caldeirão criamos uma arte que ao mesmo tempo permanece comprometida com suas fontes e se funde para gestar uma arte original. Ao mesmo tempo, a cultura universal não nos é alheia. É samba, é rock, é dança de rua, é Corpo, é Glauber.
Falei em Glauber, cheguei lá. A polytika brazyleyra tem uma étyka/eztétyka do cabelo pintado. Vem cá: quem são os polyticos velhos novos do governo provyzório definitivo? Você olha para um polytiko desses e já diz: vai fechar o Ministério da Cultura. Porque eles querem a república dos oligarcas e coronéis do nordeste, querem comprar votos com sacos de dentaduras e para isso precisam de desdentados e incultos. Ou querem o futuro de Fahrenheit 451 (o livro do Ray Bradbury, o filme do Truffaut), onde a ordem de um poder anti-intelectual é queimar livros.
Se alguém pegasse o vídeo da votação do impeachment na Câmara e fizesse uma dublagem sobre as declarações de voto, substituindo aquela ladainha por uma única palavra de ordem – contra o Ministério da Cultura – o resultado seria absolutamente verossímil: abaixo o Ministério da Cultura, acabem logo com ele, chega de teatro e de poesia, leitura não, cultura não tem serventia, vamos acabar com a cultura, sim, sim, sim, etc. Um único voto não precisava de dublagem, o do deputado Jair Bolsonaro, que quando ouve falar em cultura chama um torturador (me desculpem por essa velha história mais uma vez).
Com esse time no poder, a extinção do Ministério da Cultura é mais lógica do que a reação de surpresa de quem apoiou o golpe e agora espanta-se com essa extinção. Mesmo na mixórdia partidária brasileira, existem traços ideológicos, existe esquerda e direita, por exemplo (claro, é difícil entender que um partido socialista esteja alinhado com a direita). Mas mesmo com essa mixórdia, não era difícil ver os valores que os políticos que tomaram o poder defendem. Então, é tudo junto e misturado: fora mulheres, fora negros, fora Ministério da Cultura, fora direitos humanos, fora direito de manifestação... Ou seja, acho mais difícil de entender porque não extinguiram também o Ministério da Justiça. Se a justiça brazyleyra está condenando estacionamento proibido com pena de morte, para que serve mesmo esse ministério? (E o Joaquim Barbosa, hein? Quando interessava era Deus, estava todo dia na primeira página; agora que denuncia o absurdo desse impeachment.... esconde ele!)
Útil é o Ministério das Relações Exteriores, para o ministro ficar dizendo ao mundo, com cara de pau, que estamos seguindo todos os ritos legais e constitucionais: tem a lei proibindo estacionar naquele lugar, tem pena de morte na constituição, qual o problema?
E a nova étyka/eztétyka do poder tinha mais uma razão para a canetada que matou o Ministério da Cultura: eles esperavam que não doesse. Porque, para uma maioria de desinformados, o Ministério da Cultura é a Lei Rouanet e a Lei Rouanet é a caixinha para pagar os artistas que defendem o PT. Mal sabem eles, os desinformados on-line, que a Lei Rouanet, pelo contrário, é uma lei neoliberal que transfere para a iniciativa privada a sustentação da arte. Ou seja, a Lei Rouanet é justamente o oposto do que dizem todos os caluniadores de plantão e os que acreditam neles. Se é para colocar nesses termos de petistas e anti-petistas, petralhas e coxinhas, os maiores beneficiados com a Lei Roaunet sempre foram os anti-petistas, os coxinhas. É lógico: quem decide a quem patrocinar são as empresas, através dos seus departamentos de marketing. E se há uma orientação que esses departamentos seguem é para privilegiar os projetos não só de mais apelo de mercado, como os mais afinados com o mercado. É fácil comprovar: está transparente, nos mesmos diários oficiais onde os caluniadores catam um ou outro artista declaradamente de esquerda beneficiado pela lei.
Por tudo isso, minha luta pela volta do Ministério da Cultura é minha luta pela volta do estado de direito. Em até 180 dias queremos a cultura e o Ministério da Cultura de volta. E todos os ministérios informados por ele, o Ministério de cultura da Saúde, o Ministério de cultura da Economia, o Ministério de cultura da Justiça, o Ministério de cultura da Agricultura... Repito, é tudo junto e misturado.
E a diferença é esta: um governo com cultura ou um governo sem cultura. O Ministério da Cultura diz a todos os ministérios quem somos e como devemos ser tratados e como devemos nos mostrar ao mundo. O ministério da Cultura do Brasil é o Brasil. O corpo e a alma do Brasil. O seu rosto.
Não deixa de ter lógica, neste momento, esconder o rosto.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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