Comitiva busca em Israel spray que está sendo produzido ali, na USP
A jornalista Denise Assis desmascara a viagem do governo Bolsonaro da Israel para buscar um remédio (spray nasal) contra a Covid 19 que está em fase experimental e que é desenvolvido na USP, em São Paulo
Por Denise Assis, para o Jornalistas pela Democracia
A ignorância e o desprezo do governo pela pesquisa feita nas universidades brasileiras estão saindo caros ao país. Neste sábado (06), parte da Base Aérea de Brasília, uma comitiva liderada pelo chanceler Ernesto Araújo, a bordo de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), rumo a Israel. A desculpa para o deslocamento do grupo – Eduardo Bolsonaro, (um dos zeros) inclusive -, é a negociação de um spray nasal contra o novo coronavírus, que está sendo desenvolvido pelos israelenses.
O spray, que passa ainda pela fase de testes clínicos, tem o nome de EXO-CD24, e não tem sua eficácia comprovada. Seu desenvolvimento está sendo feito no Centro Médico Ichilov, e, até então, estava destinado ao tratamento de câncer no ovário. O objetivo da “visita” é incorporar o spray ao combate à Covid. De acordo com o plano de viagem, a volta está prevista para o próximo dia 10. Além dos já mencionados, integram a comitiva: representantes do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Saúde, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, do Ministério das Comunicações, da Presidência da República e da Câmara dos Deputados. De acordo com o que noticiou o Estadão, “o Itamaraty não divulgou a lista de nomes dos membros da comitiva até a publicação deste texto”.
Uma entrevista feita com o Dr. Jorge Kalil Filho, publicada no dia 10 de fevereiro, no Jornal da USP, anuncia o avanço de uma pesquisa exatamente sobre um spray nasal, para o combate da Covid. Tivessem o mínimo de curiosidade sobre o que está sendo produzido intramuros pelos pesquisadores nacionais, e teríamos poupado alguns dólares, tão necessários num momento em que todo e qualquer recurso deveria estar sendo canalizado para fazer frente à pandemia, que mata cerca de dois mil brasileiros por dia.
O Dr. Kali, é professor Titular de Imunologia Clínica e Alergia da Faculdade de Medicina da Universidade, diretor do serviço no Hospital das Clínicas (HC) de SP e Diretor do Laboratório de Imunologia, InCor, além de professor Adjunto das universidades dos EUA, George Washington, DC e, Case Western Reserve Cleveland.
A abertura da entrevista diz: Se você é daqueles que têm medo de agulha e sonha com a vacina contra a covid-19, é possível que seus anseios venham a ser atendidos no futuro, e com tecnologia nacional. Está em desenvolvimento no Brasil uma vacina em spray nasal”.
Ao contrário do produto israelense, o spray nacional não tem destinação para uso no tratamento de câncer no ovário. Foi concebido com a finalidade específica de substituir as vacinas de agulhas, sendo mais fácil, portanto, o seu manuseio.
Segundo o jornal, o Dr. Kalil explica que a proposta do trabalho, desde o início, era estudar melhor a resposta imune contra o coronavírus para criar uma vacina baseada nos alvos mais eficientes. “Tem duas formas de nós combatermos o vírus: não deixando ele entrar em uma célula, ou se ele entrou na célula e a infectou, ele pode ser morto por uma outra célula do sistema imune”.
Ele prossegue detalhando o estudo: “coletou-se o sangue de pessoas contaminadas com o vírus e foi possível analisar os alvos da resposta de anticorpos e, também, da resposta celular. Essa investigação mais profunda do antígeno é o que diferencia a nova vacina das demais”.
Ainda de acordo com as declarações do pesquisador, para a publicação da USP, “a opção pelo desenvolvimento da vacina nasal se deve ao fato de que uma resposta local muito forte pode, assim, ser estimulada”. E, acrescenta: “Além disso, a vacina fortalece as defesas na mucosa nasal. Como demais vantagens, a produção é descomplicada e 100% nacional, além de ser extremamente adaptável aos diferentes variantes, e poder ser guardada até mesmo em temperatura ambiente”.
Para os que chegaram até aqui, peço a atenção para este detalhe: “100% nacional”.
Para quem deu de ombros e jogou a expectativa para um futuro distante, aconselho seguir com a leitura e prestar bastante atenção ao que nos diz o Dr. Kali, sobre a técnica desenvolvida e o prazo para que tudo esteja em condições de ser usado:
“Nós estamos construindo, geneticamente, a composição final dessa vacina. A meta é de que os testes em seres humanos comecem este ano e o trabalho está sendo feito para atingi-la. Quem vence a corrida é quem chega melhor, em melhores condições de dar uma proteção mais ampla”, afirma o médico. Ao ser questionado sobre os resultados, ele é só otimismo:
“tivemos um avanço muito grande em um ano, em se tratando de uma doença que ninguém conhecia. Normalmente, esse conhecimento seria acumulado em pelo menos dez anos. Nós já temos vacina, as vacinas funcionam. Aprendemos muito sobre a doença, aprendemos a tratar, sabemos que temos que isolar as pessoas que estão doentes”, disse. O arremate vem com uma fina ironia, quase um recado: “A ciência brasileira segue respirando”.
Segundo o Itamaraty, a delegação terá encontros com “representantes de diversos centros de pesquisa científica, inclusive na área de saúde”, com foco em parcerias para o tratamento da covid-19. Entre eles, uma reunião com “dirigentes e altos representantes” do Centro Médico Sourasky, conhecido como Hospital Ichilov, onde o spray nasal EXO-CD 24 é desenvolvido. “Vamos assinar um acordo para a aplicar a terceira fase do spray aqui no Brasil. É emergencial, é um teste ainda. A documentação vai ter que passar pela Anvisa”, disse o presidente ontem”.
Teste por teste, o produto brasileiro está na mesma fase e é direcionado para a Covid, e não para os ovários.
O governo brasileiro ignora isto e prefere ir buscar em outras plagas resultados que estão aqui, no nosso quintal. Mas, para quem herdou 380 bilhões de dólares de reservas, o que é um pulinho, com uma enorme comitiva até Israel, não é mesmo?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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